Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 11, 2007

Mailson da Nóbrega

Levamos anos para entender o problema do déficit público. A discussão recente sobre o déficit da Previdência - que se procura atacar com uma contabilidade criativa - mostrou que precisamos perceber que hoje o nível da despesa é muito mais grave.

O déficit preocupa se o seu tamanho e a forma de financiá-lo forem incompatíveis com a estabilidade da moeda e o crescimento sustentado da economia. Pelas regras da União Européia, os países que adotam o euro convivem com déficit de 3% do PIB e dívida pública de 60% do PIB.

No Brasil, as atenções focalizaram o déficit nos anos 1960, quando o Orçamento da União se desequilibrava com emendas parlamentares. Dado o atraso institucional nas finanças públicas, o déficit mais grave ficava oculto nos empréstimos do Banco Brasil, inclusive os relativos à construção de Brasília.

O regime militar proibiu as emendas. “Não será objeto de deliberação a emenda de que decorra aumento de despesa global ou de cada órgão, fundo, projeto ou programa, ou que vise a modificar-lhe o montante, a natureza ou o objeto”, dizia a Constituição da época.

O orçamento foi equilibrado. O déficit caiu no esquecimento, mas permanecia nas operações do Banco Central e do BB. Os subsídios de crédito e as subvenções geravam déficits financiados pela dívida pública, cuja expansão era autorizada pelo Conselho Monetário. A transparência era nenhuma. O déficit passava despercebido.

No início dos anos 1980, a crise da dívida externa e os acordos com o FMI tornaram necessário explicitar o déficit e cortar despesas. Infelizmente, em vez de discutir o tamanho do Estado, muitos preferiam fazer críticas a uma suposta intromissão do FMI em assuntos internos. A ideologia predominou nessas análises.

Economistas de esquerda e falsos keynesianos condenaram o corte de gastos. A culpa cabia aos juros (sempre eles). Cunhou-se a expressão “caráter financeiro do déficit público”, sugerindo que o problema seria resolvido com um calote na dívida. Mário Henrique Simonsen desmoralizou a idéia: “Déficit não tem caráter”, afirmou.

As reformas institucionais iniciadas na segunda metade dos anos 1980 impediram de vez que se escamoteasse o déficit, mas este ameaçou explodir com a Constituição de 1988, que elevou irresponsavelmente os gastos previdenciários e de pessoal e restabeleceu as emendas parlamentares.

Acontece que a explosão foi da despesa e não do déficit, pois os gastos foram em sua maior parte financiados pela expansão da carga tributária. Os gastos passaram de pouco mais de 20% para quase 40% do PIB. A carga tributária, na mesma direção, praticamente dobrou como proporção do PIB (mais de 38% do PIB em 2006).

O tamanho dos gastos é a razão maior da perda de dinamismo da economia. Primeiro, porque provocou o encolhimento relativo do setor privado, que é mais eficiente na geração de riqueza. Segundo, porque piorou o sistema tributário, o que aumentou os custos de transação e a informalidade e desestimulou o investimento privado. Terceiro, porque aumentou o risco de insolvência do setor público, o que piora a percepção de risco e contribui para a permanência dos juros elevados.

Nesse contexto, a idéia de que a Previdência não tem déficit é bizantina porque nada resolve - ainda que melhore a transparência - e tem foco equivocado. O déficit poderia desaparecer com aumento de tributos e/ou eliminação de renúncias fiscais. Por exemplo, se a alíquota da CPMF passasse de 0,38% para 1,2% e o acréscimo fosse destinado à Previdência, o déficit desta sumiria.

Além das ressalvas que cabem nesse cálculo simples, cabe assinalar que a medida diminuiria o potencial de crescimento e de geração de bem-estar, principalmente porque aumentaria a arrecadação do pior de nossos tributos. A carga tributária chegaria perto dos 43% do PIB, o que deixaria o Brasil em situação pior do que a de hoje.

Já aprendemos que o déficit deve ser mantido sob controle. Há propostas sensatas para sua eliminação. Precisamos agora perceber que o problema maior é o tamanho dos gastos públicos e, portanto, do Estado. Este é o grande problema, que requer contenção dos gastos e mais tarde a sua redução.

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