Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 11, 2007

DORA KRAMER Instrumento de escambo

A cena pode parecer menor ante a opulência do espetáculo como um todo, mas a escolha, para presidir a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de um deputado de 27 anos de idade, cujo único atributo visível é o de ser filho do presidente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, é ilustrativa da consolidação do Congresso Nacional como instrumento de todo tipo de escambo político.

Leonardo Picciani foi indicado pelo PMDB e, com todo o sucesso que possa vir a alcançar em sua carreira política, por enquanto não reúne qualificação parlamentar para tal. Ganhou a indicação por um único e desmoralizante motivo: para atender aos arranjos locais do governador Sérgio Cabral que, tão cioso na formação de seu secretariado - recebido com expectativa positiva no Estado -, não demonstrou o mesmo apreço pelo Congresso.

O governador não viu inadequação alguma em pedir ao partido que disponibilizasse a comissão mais importante da Casa - a porta de entrada de todos os projetos, que ali morrem ou prosperam em sua tramitação - para atender Jorge Picciani, poderoso no âmbito regional e fundamental para o encaminhamento dos interesses do governador na Assembléia.

Isso para deixarmos de lado o detalhe de que Picciani pai é investigado pela Polícia Federal por fraude fiscal, sonegação e suspeita de lavagem de dinheiro, e Picciani filho é sócio nos negócios rurais da família.

No atendimento às conveniências do governador Sérgio Cabral, o PMDB tampouco enxergou inconveniente em ceder o posto sem observar experiência política e conhecimento técnico.

Questionado, o rapaz indignou-se com o espanto causado por sua nomeação e apresentou sua folha de serviços: 'Estive entre os mais votados do meu Estado. Saber jurídico? Fui membro da Constituição e Justiça nos quatro anos passados e sou bacharel.'

Sempre se poderá argumentar que o PMDB não é o único partido a desconhecer critérios de qualidade, Sérgio Cabral não é o único governador a usar a bancada no Legislativo para seus acertos no Executivo e o jovem Picciani não é o único parlamentar indicado para um posto importante sem que sua qualificação e experiência profissionais guardem relação direta com a tarefa a ser cumprida.

É verdade. O PSDB, ao negociar apoio ao PT na disputa pela presidência da Câmara em troca de arranjos de província, é prova viva e recente. Outros partidos tomam como irrelevantes comprovações de competência, lisura de biografias e reconhecimento político, e a própria discussão sobre a suposta reforma do ministério presidencial adota o critério do loteamento em detrimento da capacitação.

Tudo isso ocorre todo o tempo com relativa naturalidade e aceitação. 'Faz parte', costumam relevar os mais sabidos, totalmente despreocupados com o efeito da somatória de episódios dessa natureza sobre a instituição.

Com o Poder Executivo, federal ou estadual, os governantes mais atentos ainda tomam certas precauções, cuidam de preservar razoavelmente a composição de suas equipes, mas tratam o Legislativo como Poder de segunda classe, no qual todas as negociatas são permitidas em nome da correlação de forças das correntes políticas.

E o Parlamento não só não reage, como adere de bom grado.

Depois, vem um veículo de peso internacional como The Economist e compara o Congresso a um 'chiqueiro' e o máximo que se pode fazer é lamentar a generalização simplista, à falta de fatos robustos para contestá-la.

Cálice

O governador de Minas, Aécio Neves, esclarece, a propósito da afirmação de que não houve 'acordo' entre PT e PSDB e sim 'entendimento no segundo turno' em torno da candidatura de Arlindo Chinaglia à presidência da Câmara, que quis apenas estabelecer diferença entre acerto partidário e posição individual de alguns deputados.

'Na verdade, o que houve foi um grande desentendimento que custou caro ao partido. Se entendimento houve, por favor, afaste de mim este cálice, embora reconheça que, infelizmente, Minas não se posicionou unida nesse processo.'

Moto perverso

Nada do que se diga a respeito da morte do pequeno João, o menino arrastado por facínoras no Rio, pode traduzir a dimensão da brutalidade que solapa a capacidade do País de resistir à violência.

O processo é de insensibilização paulatina: a cada atrocidade se sucede uma brutalidade maior à qual, passado o susto, com o tempo nos acostumamos, tendendo a considerá-la menor que a seguinte na escala de selvagerias sem fim.

Já houve tempo de o Brasil se espantar com assaltos, de se assustar com seqüestros, de parar para discutir os grandes crimes passionais. Hoje a violência é tão corriqueira, crescente e permanente, que resta apenas a reação de defesa, esquecer rapidamente os episódios, torcer para não virar um alvo, se esforçar para manter a civilidade e não sair por aí defendendo a violência de Estado.

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