O Estado de S. Paulo |
6/2/2007 |
O roteiro é conhecido: perdedor, o PT se retrai e apazigua; vencedor, nem bem saboreia o gosto da vitória, já parte para a ofensiva, abrindo nova temporada de equívocos que levam à renovação do contrato com a crise permanente. Não poderia haver caminho mais curto para a vicissitude seguida à bonança vivida pelo bom desempenho nas urnas (em relação ao tamanho das perdas sofridas de três anos para cá) e pela conquista da presidência da Câmara, que o patrocínio do projeto de anistia de José Dirceu. A dinâmica do repique da aposta prevaleceu no fim do escândalo Waldomiro Diniz, quando Dirceu, revigorado, despertou a ira da oposição até então cooperativa. Repetiu-se a escrita logo após as derrotas nas cidadelas petistas de São Paulo e do Rio Grande do Sul, nas eleições municipais de 2004. Na ocasião, o partido ensaiou uma autocrítica, esboçou uma abertura de espaço para as cabeças menos referidas na lógica do aparelho, mas recuou e logo precisou de novo se encolher devido ao mergulho no lodaçal do mensalão. Passada a tormenta, entrou na eleição quase absolvido pela força de Luiz Inácio da Silva e a condescendência geral, mas, não satisfeito com a reeleição já praticamente garantida, investiu no alto risco da tentativa de desmoralizar o adversário e produziu a crise do dossiê Vedoin. Livre de mais essa por obra e graça da leniência da oposição e das artes 'republicanas' da Polícia Federal, jurou não repetir os erros do passado e, a fim de enfrentar com galhardia o futuro, de novo deu alguns passos na direção da renovação de lideranças. Mas, animado com a eleição de Arlindo Chinaglia para a presidência da Câmara, retrocedeu e deixou que voltassem a predominar os de sempre: os artífices da idéia segundo a qual a conquista da hegemonia política não escolha hora, métodos nem lugar, vale qualquer preço. O partido, ou uma ala poderosa dele, parece acreditar que sua recuperação passa pela anistia de Dirceu. Como se, com ela, se completasse o ciclo da 'página virada' e tudo voltasse a ser como antigamente. O auto-engano não poderia ser mais completo. A predominância dos mesmos personagens, das mesmas atitudes e dos mesmos princípios (ou falta deles) que levaram à perda do conceito construído ao longo de 25 anos, no máximo levará o PT a consolidar a imagem de um partido tão distante da sociedade quanto todos os outros. A bandeira que ameaça agora levantar representa, sob todos os aspectos, um plano fadado ao insucesso total. Não interessa a ninguém, a não ser à avidez de José Dirceu por se manter como personagem ativo da política nacional, a despeito de cassado e acusado pelo procurador-geral da República de ser o cabeça de um esquema infrator de sustentação de poder. Sua absolvição é uma possibilidade, mas enquanto não ocorrer o pronunciamento da Justiça a respeito a tentativa de anistia soa como uma afronta. Por isso, o plano é institucionalmente impróprio. No PT, o tema provoca atrito, na base aliada acende conflitos e na oposição é um dos raros temas onde há unidade de ação e pensamento. Para o Congresso, significa mais um fator de desgaste. Ao País essa discussão rende apenas perda de tempo e alimenta a sensação de que aos ousados tudo é permitido. Ao governo, a proposição só seria interessante se, por algum motivo, Lula estivesse precisando mudar de assunto para ocupar a atenção nacional ou à procura de uma monumental dor de cabeça para se infelicitar. Como nenhuma das alternativas parece guardar relação com vontades coletivas ou conveniências individuais - salvo a de José Dirceu, seus amigos e, quem sabe, de Fernando Collor, como precedente em seu plano de renovar a biografia -, como a ninguém apetece a empreitada, é de boquiabrir que o assessor da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, se alinhe com tanto entusiasmo à proposta. 'Se fui contra a cassação dele, por que não seria a favor da anistia?', sofisma ele. Se a intenção era produzir uma frase de efeito, o vento dela se encarregará. Se traduziu um sentimento real, só há uma resposta à sua indagação: questão de prioridade e oportunidade, excelência. Nervos e urnas Já é a segunda vez em 10 dias que o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, bate boca na rua. No dia do aniversário da cidade, 25 de janeiro, o prefeito respondeu a protestos ao modo dos manifestantes. Na ocasião, como respondeu aos gritos de 'São Paulo, São Paulo', para todos os efeitos passou como uma defesa da cidade. Ontem, porém, a explosão de nervos resultou na expulsão do manifestante de um posto de saúde. Ao PFL, que tem como prioridade reeleger Kassab em 2008, conviria lembrar que a derrota de Marta Suplicy à reeleição em 2004 começou a ser construída com o mesmo tipo de atitude. Raros são os políticos que têm a medida da indignação no enfrentamento. Mário Covas era um, mas tinha história e não deixou herdeiros. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, fevereiro 06, 2007
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