O Globo |
6/2/2007 |
No tempo antigo, havia quem acreditasse que a diplomacia era um mundo habitado por cavalheiros que sabiam falar francês e eram gentis além da conta. No cinema e no teatro ligeiro, pelo menos, esse era o padrão. Pouco importava aos produtores de lugares-comuns quantas voltas Metternich ou o nosso Rio Branco dessem em suas covas respectivas. Se esse lugar-comum precisasse ser testado hoje em dia, uma das formas de demoli-lo seria dar uma olhada na safra que temos de embaixadores aposentados - ativos na vida empresarial e muitos deles sem papas na língua quando discutem o interesse nacional, quase sempre na versão não interesseira. O mais novo a pedir o boné - Roberto Abdenur, até outro dia embaixador nos Estados Unidos - entrou nesse campo fazendo gol de bicicleta no primeiro minuto de jogo. Ele rompeu com o velho amigo Celso Amorim, o que informa com lisura: sem esconder que a amizade existiu, mas dizendo com todas as letras o que o levou ao rompimento. É uma denúncia muito séria. Ela está na última "Veja" e pode ser considerada uma das entrevistas amarelas (como se diz na redação da revista) mais merecedora de atenção e ação nos últimos tempos. Abdenur, que pediu as contas logo depois de deixar a embaixada em Washington, poupa a pessoa do presidente Lula, mas acusa, com todas as letras: está montado no Itamaraty um esquema de lavagem cerebral que atinge de terceiros-secretários a embaixadores. Inclui, por exemplo, uma humilhante lista de leituras obrigatórias. Todas centradas num esquerdismo infantil, de viés antiamericano. Quem não se submete à inoculação ideológica não ganha posto ou promoção. A crítica aos Estados Unidos é generalizada e exacerbada - e não vê nuances nem enxerga o interesse nacional. Está na cara que Abdenur tem razão. Uma coisa é o cidadão brasileiro - principalmente quem tem carteirinha de membro da intelligentsia - ter posição crítica sobre políticas domésticas e internacionais do governo Bush (que nada tem de inteligente). Outra, bastante diferente, é achar que anti-Bush e anti-EUA são a mesma coisa. E que a única saída para o Brasil é pegar carona, em humilhante postura secundária, no discurso, tão radical quanto pouco inteligente, de um aventureiro como Chávez. O qual, por falar nisso, de esquerdista só tem o discurso. Abdenur denuncia, com a indignação necessária, o programa de lavagem cerebral no Itamaraty. É uma arbitrariedade que não apenas leva o Brasil para caminhos errados e posturas de humilhante subserviência a demagogos: também está destruindo um precioso núcleo de estudos da realidade mundial e de formulação pragmática do interesse nacional. Fica uma dúvida no ar: a domesticação de cérebros existe apenas para as relações exteriores? |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, fevereiro 06, 2007
Luiz Garcia - Cérebros domesticados
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