Dora Kramer
Troca-troca de partidos, submissão do Legislativo à força material do Executivo, bate-cabeça e fragilidade na oposição, formação da equipe ministerial mediante loteamento partidário, presidente da República governando a poder de discursos que gravitam em torno de um eixo só: no início do primeiro mandato era o Fome Zero, agora é o PAC.
Tudo igual, sem o charme da novidade e o amálgama social da esperança. Terreno fértil para invencionices e perda de tempo com assuntos sem sentido. Como, por exemplo, o anunciado movimento pela anistia de José Dirceu. Prenderá atenções, consumirá energias, não dará em nada e paralisará o Congresso.
Seria o famoso mais do mesmo, não resultasse em atraso no enfrentamento do essencial: a estagnação do Brasil na economia, na saúde, na educação, na tecnologia, na atenção com o meio ambiente, na subordinação dos agentes públicos aos cidadãos e a tantas outras questões já resolvidas no mundo, mas que por aqui continuam em aberto ou são solenemente deixadas de lado enquanto prospera o espetáculo do palavrório vão, das ações inconseqüentes e da falta de compromisso com a palavra dita.
As reformas antes imprescindíveis foram arquivadas. Até a política, sem a qual até há pouco tempo não seria possível viver e a cuja ausência foram atribuídas todas as mazelas nas relações de poder.
O ministério do segundo mandato, outra vez adiado, será formado por meio de negociações abertas entre os partidos da base governista e o presidente da República.
Semana passada o PT foi chamado no palácio e convidado a apresentar suas reivindicações. O PMDB recebeu o aviso de que será chamado nesta semana a também apresentar demandas. Ao ritmo de um partido por semana, daqui até que o presidente receba os 11 integrantes de sua coalizão e chegue com eles a uma conclusão sobre a equipe de trabalho com a qual pretende pôr o Brasil no rumo do crescimento já estaremos na Semana Santa. Pior: o presidente não terá arbitrado a organização do conjunto mediante critérios de eficácia administrativa.
Na terça-feira, os governadores vão se reunir com o presidente da República para, ao molde dos partidos, pedir. Já anteciparam a conta das intenções: R$ 15 bilhões.
Sabem que não serão atendidos (nem poderiam ser), o presidente sabe que não atenderá, todos sabem que o encontro resultará em coisa alguma além de uma foto de confraternização e entoação de loas ao PAC no final. No entanto, insistem nas horas perdidas com a simulação de providências. E para quê?
A mensagem do presidente Luiz Inácio da Silva ao Congresso, enviada na sexta-feira, tampouco serve de alento aos otimistas ou de material para análise dos realistas. Sua proposta-síntese é um monumento à fraseologia bonita na forma e oca no conteúdo que tem caracterizado os pronunciamentos de Lula nesses poucos dias de segundo mandato:
'Juntos, temos a oportunidade histórica de acionar um novo ciclo que engendre a distribuição ética da riqueza produzida neste país. Que faça do Estado uma vitrine ética com transparência na alocação justa dos recursos', mandou dizer Lula ao Congresso, exortando os parlamentares a fortalecerem a 'representação ética' de seus cidadãos.
Ainda que com esforço se possa intuir o significado de expressões como 'distribuição ética da riqueza' e fortalecimento da ' representação ética', o que parece ser uma convocação geral à restauração das boas condutas soa incongruente ante a qualificação de tais valores como meros instrumentos do 'udenismo' elitista e conservador interessado em golpear moral e politicamente o governo Lula.
Isso sem falar nas convicções éticas da base de apoio ao recém-eleito presidente da Câmara.
Lícito, portanto, suspeitar que essa disposição ética seja mais um discurso bom para cumprir uma formalidade, mas, assim como o compromisso de posse que propugnava a reforma política como prioridade máxima, sério candidato a ser desmentido pelos fatos.
Sílvio Caldas
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, promete apresentar amanhã sua despedida final do governo.
Thomaz Bastos começou a se despedir no meio do ano, ao anunciar que não ficaria no segundo mandato se Lula fosse reeleito.
Confirmada a reeleição, ratificou a saída. Fez jantar de despedida e tudo em Brasília. No início de janeiro, renovou a data do adeus para meados do mês.
Agora remarcou o dia D para amanhã. Pode ser que seja para valer.
Se Tarso Genro for o sucessor, teremos a situação inédita de ministro anunciado pela oposição. Dias atrás, o tucano Leonel Pavan saiu de uma conversa com Thomaz Bastos dizendo ter ouvido dele que Tarso iria para o lugar.
Bastos desmentiu e o palácio fez que não ouviu.
Aos subquarentões: Sílvio Caldas, falecido em 1998, ficou conhecido como 'o cantor das despedidas', tantas vezes anunciou sua retirada da vida artística.