Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 03, 2007

Os custos sociais da Previdência JOSÉ MÁRCIO CAMARGO


Mudar a contabilidade da Previdência sem atacar os problemas de fundo é varrer a sujeira para debaixo do tapete

A DECISÃO de compensar o INSS pelas desonerações fiscais realizadas por meio da Previdência é correta, do ponto de vista contábil, na medida em que torna as contas públicas mais claras e transparentes. Entretanto não resolve o problema da Previdência e assistência social brasileira, que é uma das mais caras e generosas do mundo.
O Brasil gasta 12% do PIB com Previdência e assistência social, tendo 6% de sua população com mais de 65 anos. Países que têm essa proporção de idosos na população gastam, em média, 6% do PIB com essa função. Além de serem excessivamente elevados, os gastos com aposentadorias e pensões estão crescendo a taxas insustentáveis. Entre 2000 e 2006, os gastos do INSS aumentaram 150%, enquanto os gastos com a aposentadorias do setor público aumentaram 99%.
Os elevados gastos com Previdência e assistência social são um problema de justiça distributiva, aumentam a informalidade e inviabilizam taxas de crescimento mais elevadas da economia. Do ponto de vista da justiça distributiva, os idosos se apropriam de uma parcela duas vezes maior do PIB (12%) do que sua participação na população do país (6%). Por outro lado, do total da receita do governo federal com impostos e contribuições, mais de 50% se destinam a pagar a aposentadorias e pensões.
O caráter injusto dos gastos previdenciários fica ainda mais claro quando constatamos que o setor público brasileiro gasta 15 vezes mais per capita com Previdência e assistência social do que com a educação fundamental e média, que é o mecanismo mais eficiente de melhorar o bem-estar de nossas crianças e jovens no futuro.
Esse ponto nos leva à questão do crescimento da economia. Como gastamos muito com Previdência e assistência social, sobra pouco dinheiro para investimentos em infra-estrutura e na educação de nossas crianças e jovens. Por essa razão, a qualidade da infra-estrutura e do sistema educacional brasileiro é baixa, o custo do investimento é elevado e o nível educacional médio da população continua entre os mais baixos do mundo. O resultado é que os ganhos de produtividade são muito baixos, reduzindo o crescimento da economia.
Outro problema importante é a generosidade de nosso sistema de assistência social. Por esse sistema, todo cidadão brasileiro tem direito a uma pensão de um salário mínimo ao atingir 65 anos de idade, desde que não tenha renda familiar per capita maior que um quarto do salário mínimo. Em outras palavras, um cidadão que trabalhou na informalidade toda a vida, não contribuiu com a Previdência Social e decide parar de trabalhar aos 65 anos -tendo, portanto, renda zero a partir daí- tem direito à pensão.
Por outro lado, um cidadão que teve um trabalho formal durante toda a vida, pagando diretamente 10% desse salário para a Previdência e, indiretamente, por meio da contribuição da empresa, mais 20% (pois uma parte -provavelmente toda- dessa contribuição é efetivamente paga pelo trabalhador por meio da redução de seu salário), também terá direito a uma aposentaria de um salário mínimo.
Se o trabalhador ganha próximo do salário mínimo, que é a maior parte da população, o incentivo desse arranjo é claro: ter um emprego informal, negociar a contribuição da empresa e incorporá-la ao salário mensal, não pagar à Previdência e, aos 65 anos, passar a receber a pensão do sistema de assistência social.
Em outras palavras, aumenta o incentivo à não-contribuição e, dessa forma, torna o sistema de Previdência Social muito caro para quem contribui.
Com Previdência Social muito cara e assistência social muito generosa, trabalhadores e empresas têm incentivos para permanecer na informalidade. Por essa razão, mais de 50% da força do trabalho no Brasil é informal, o que reduz a taxa de crescimento da produtividade e, portanto, da economia. Mudar a contabilidade do sistema o torna mais claro e transparente, o que é um avanço institucional. Entretanto não vai resolver seus problemas fundamentais, quais sejam, o Brasil gasta uma proporção excessivamente elevada de seu PIB com aposentadorias e pensões e a Previdência Social é extremamente cara, em relação à generosidade do sistema de assistência social, o que gera incentivos à informalidade e à não-contribuição para a Previdência.
O resultado é menos justiça distributiva e menor crescimento econômico. Mudar a contabilidade sem atacar os problemas de fundo do sistema é varrer a sujeira para debaixo do tapete.


JOSÉ MÁRCIO CAMARGO é professor do Departamento de Economia da PUC-RJ e sócio da Tendências Consultoria Integrada.

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