Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Como se burla a Lei Fiscal


editorial
O Estado de S. Paulo
6/2/2007

E m artigo publicado sexta-feira no Estado, sob o título Enforcement da LRF, o secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul observa que alguns governadores que acabam de tomar posse estão encontrando sérias dificuldades para pagar o funcionalismo e levanta uma pertinente dúvida sobre a eficácia da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF): aqueles Estados não cumpriram a lei ou a lei é ineficaz para preservar a responsabilidade fiscal dos Estados?

O caso do Rio Grande do Sul é minuciosamente descrito pelo secretário Aod Cunha de Moraes Jr. De acordo com os dados consolidados pela Secretaria do Tesouro Nacional, dos 27 Estados, o Rio Grande do Sul é o que apresenta pior resultado orçamentário, o maior endividamento em relação à receita líquida, o maior comprometimento da receita corrente líquida (RCL) com pessoal e inativos e a mais baixa taxa de investimentos. Em números brutos, o Estado gasta 73% da RCL com a folha de pagamento, sendo que a Lei de Responsabilidade Fiscal permite um máximo de 60%. Mas, para os efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, o gasto com pessoal apurado pelo Tribunal de Contas do Estado é inferior a 50% da RCL. Por esse critério, os gastos com pessoal poderiam ser esticados até consumir 90% da receita líquida. Nesse caso, o comprometimento do Estado com salários e aposentadorias, amortização da dívida e custeio da máquina, que já chega a 116% da RCL, atingiria 134%! E o governo gaúcho não estaria infringindo a LRF.

Essa situação esdrúxula não é resultado de mágica nem de defeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela se deve à exorbitância do Tribunal de Contas do Estado. À semelhança de Tribunais de Contas de outros Estados, o gaúcho interpretou à sua maneira o que são gastos com pessoal. Segundo o secretário da Fazenda, foram excluídos do cálculo gastos com pensionistas, despesas de exercícios anteriores e decisões judiciais referentes a pagamento de pessoal - e, com isso, um terço das despesas efetivas não foi considerado na apuração feita para efeitos da LRF. Afirma o secretário que não há ilegalidade nisso, pois a lei facultaria aos Tribunais de Contas 'aplicar a sua análise sobre a correta forma de apuração dos gastos com pessoal'.

Engana-se redondamente o secretário. A LRF, de fato, criou duas novas funções para os Tribunais de Contas. A primeira é a de alertar as autoridades para a iminência da superação dos limites de gastos. A segunda é verificar os cálculos dos limites de despesa com pessoal, ou seja, certificar-se da correção dos valores dos gastos totais com a folha de pagamento.

Em nenhum momento a LRF autoriza, direta ou indiretamente, os Tribunais de Contas a decidir o que entra ou não entra na formação dos gastos com pessoal. Isso a lei faz de modo explícito, no artigo 18. E, no artigo 19, a lei manda expressamente que as despesas com decisões judiciais relativas a pessoal entrem no cálculo do limite de 60% da RCL.

Nenhuma das exceções 'criadas' pelo Tribunal de Contas tem respaldo legal. Os Tribunais de Contas receberam novas atribuições com a Constituição de 1988. Antes, seu papel se limitava ao exame formal das contas púbicas. Agora, fazem a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos entes estatais e dos órgãos da administração direta e indireta. Mas continuam sendo tribunais administrativos, sem competência para modificar lei pela via da interpretação.

O que acontece no Rio Grande do Sul ocorre em Alagoas e em outros Estados, nos quais os Tribunais de Contas, constituídos por influência política, cederam à tentação de dar cobertura pretensamente legal a gestores despreocupados com a responsabilidade fiscal. Esse comportamento pernicioso não reduz a eficácia da lei. Muito menos se pode dizer que, porque algumas cortes de contas assim procedem, a Lei de Responsabilidade Fiscal está fadada à irrelevância.

A questão é outra. Trata-se de uma violação clara da lei. Por isso, o Ministério Público precisa ser mobilizado para chamar à responsabilidade os seus autores. A interpretação abusiva dada pelos Tribunais de Contas precisa ser contestada nos tribunais superiores. E o Conselho de Gestão Fiscal, previsto na LRF, precisa ser criado, para uniformizar procedimentos.

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