Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 10, 2007

Cinco mitos sobre o câmbio no Brasil

Antonio Corrêa de Lacerda*

A questão cambial no Brasil é bastante polêmica. Desde o início de 1999, o País convive com o regime de câmbio flutuante. Houve ganhos na opção realizada. Com a ajuda de um cenário internacional favorável, houve uma expressiva diminuição da vulnerabilidade externa nos últimos anos. No entanto, alguns mitos têm dificultado uma discussão mais aprofundada sobre o tema, especialmente quanto às causas e conseqüências da valorização do real ante as demais moedas.

O primeiro mito é que a opção pelo regime de flutuação cambial implica aceitar a taxa definida pelo mercado. Não por acaso, a imensa maioria dos países adota o câmbio flutuante, porém administrado. Também chamada de flutuação suja, os bancos centrais definem uma banda, na maioria das vezes não explícita, mas a partir da qual conduzem os instrumentos de políticas, monetária e cambial, para evitar volatilidade excessiva, com valorização ou desvalorização cambial. Isso é ainda mais relevante para os países, como o Brasil, que não possuem moedas conversíveis, ou seja, moedas transacionadas no mercado internacional.

O segundo mito é que a valorização do real nos últimos anos não tem afetado o desempenho das exportações. Os defensores dessa tese se apóiam no expressivo superávit comercial brasileiro de US$ 46 bilhões em 2006. O fato é que nosso desempenho pífio tem sido mascarado pela valorização de preços no mercado internacional, especialmente das commodities. Em volume físico (quantum) o ritmo de crescimento das nossas exportações está em queda livre. De 19,9% em 2004, reduziu-se a 9,9% em 2005 e a apenas 3,3% em 2006. A prevalecer essa tendência, o desempenho de 2007 será muito provavelmente negativo, mesmo com um mercado mundial que cresce cerca de 7% ao ano.

O terceiro mito é o de que as empresas acabam se adaptando ao câmbio valorizado. Elas de fato se adaptam, mas essa adaptação, embora justificável do ponto de vista microeconômico, diante da necessidade de sobrevivência ou expansão das empresas, na maioria das vezes não é favorável à Nação. Ocorre um processo de desestímulo aos investimentos produtivos. O câmbio valorizado significa uma espécie de “subsídio” às importações. Não por acaso, ao contrário do que está ocorrendo com as exportações, as importações brasileiras em volume físico (quantum) vêm crescendo fortemente, 16% em 2006, com destaque para o crescimento de 74% nas importações de bens de consumo.

O quarto mito é que o câmbio valorizado promove mais competitividade e se traduz em desenvolvimento. O que tem de fato ocorrido é que esse processo de valorização cambial está roubando parcela expressiva do Produto Interno Bruto. Em 2006, estimativas dão conta de que o setor externo representou uma contribuição negativa de 1,7% de crescimento anual por conta desse fator, com uma perda de investimentos, valor agregado local, empregos e renda.

O quinto mito é que as elevadas taxas de juros praticadas no Brasil não influenciam a taxa de câmbio. A questão é que, a despeito da queda de 6,75 pontos porcentuais na taxa nominal (Selic) ocorrida gradualmente, desde setembro de 2005, a taxa de juro real de 8,5% ao ano continua substancialmente acima da média internacional. Apesar de a entrada de capitais atraídos pela taxa de juro não ser relevante, o juro elevado distorce os preços dos produtos comercializáveis, influenciando a cotação da taxa de câmbio. O recurso do adiantamento dos contratos de exportação faz da taxa de juros um compensador. Além disso, há as operações cambiais no mercado internacional em que se negocia sem, necessariamente, realizar a entrada ou saída física de moeda (as NDFs).

A questão é complexa, mas precisa ser enfrentada. O Brasil tem recorrentemente incorrido no erro da valorização do câmbio, em um caminho exatamente inverso ao adotado pela maioria dos países em desenvolvimento mais bem-sucedidos no crescimento. Isso pode trazer resultados de curto prazo, mas, no médio e longo prazos, inviabiliza qualquer projeto de desenvolvimento. É preciso aperfeiçoar o arcabouço das políticas macroeconômicas - cambial, monetária e fiscal - para sair dessa verdadeira armadilha.

*Antonio Corrêa de Lacerda, doutor em economia pela
Unicamp, é professor doutor da PUC-SP e autor, entre outros livros, de Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil (Saraiva). E-mail: aclacerda@pucsp.br

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