Os jornais de 31 de janeiro informaram que, na véspera, o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, fora devolvido ao recesso do lar. Aos 78 anos, condenado a 26 e meio de prisão por ter desviado R$ 169,5 milhões das obras do Forum Trabalhista, tivera o sossego interrompido, na semana anterior, por uma juíza convencida de que a lei vale também para desembargadores gatunos.
Até então, Lalau vinha cumprindo a pena em casa. A decisão transferiu-o para a carceragem da Polícia Federal, reservada a delinqüentes que sabem comer com os talheres certos. Paulo Maluf, por exemplo, ali se hospedou por 40 dias. Lalau só ficou seis. No sétimo, saiu da prisão de maca e embarcou na ambulância que o entregaria, de novo, ao convívio da família.
De bermuda amarela, camisa xadrez e sandálias, cruzou a calçada de olhos fechados e sem palavras. "Ele está muito deprimido", jura o advogado Ricardo Sayeg. "Precisa de cuidados médicos e psiquiátricos". Deve ser tratado, concordou a Justiça. Em casa.
Nos jornais do mesmo dia 31, outra notícia reafirmaria dramaticamente que o Brasil de Lalau é muito distinto do habitado pela gente humilde. Neste, faltam médicos, faltam enfermeiros, falta misericórdia. Pobres não conhecem atestados médicos que libertam. Só atestados de óbito.
Na madrugada de 28 de janeiro, enquanto um médico examinava o juiz Lalau na carceragem da PF, Joana Gomes de Almeida, 17 anos, acordou com fortes cólicas no barraco que dividia com a avó na Baixada Fluminense. Grávida de nove meses, sentiu que Ronald Jr. estava para nascer.
Chegou às 6h30 daquele domingo, no caminhão de um vizinho, à maternidade de Xerém. Não havia anestesista. Joana foi levada ao hospital de Caxias. Entrou na fila às 7h30. A demora no atendimento, as dores e os relatos que ouviu dos companheiros de calvário a aconselharam a partir.
Às 11h, estava implorando por um médico no saguão da Pro Matre, maternidade particular do Rio. Para uma brasileira desempregada, que se aproximava da maioridade graças à aposentadoria da avó, não é fácil chamar a atenção de doutores de luxo. Joana queixou-se. Segundo a prima Bianca, uma médica repreendeu-a: "Na hora de fazer neném, você não sabia que isso ia doer?"
Um desconhecido, intrigado com o choro convulsivo daquela jovem na entrada de um hospital, perguntou o que havia. Deu-lhe dinheiro para procurar de táxi outro hospital. Joana chegou às 17h ao hospital do Andaraí, da rede federal. Só seria atendida à noite. Os médicos enfim admitiram que a moça estava em trabalhos de parto. O filho nasceu morto. A mãe morreu às 4h30 de segunda-feira. Lutara 22 horas.
"O atendimento à saúde no Brasil está perto da perfeição", discursou há meses o presidente da República. Lula já não vive há muito tempo no mundo das joanas, onde nasceu. É o dos mortos prematuros. Ele agora passa quase o tempo todo no Brasil dos lalaus. É o dos vivos demais.