Vivemos no passado de nós mesmos Em 1942, meu pai foi aos Estados Unidos e comprou uma máquina de filmar, de 8 mm Kodak. Tenho essa câmera até hoje e, de vez em quando, fico olhando o buraco da objetiva e penso que ali, naquela lente, passou minha vida inteira. Meu pai fez um verdadeiro longa-metragem de nossa família, entre 42 até 62. Minhas primeiras imagens são quase de fraldas e as últimas mostram-me com 20 anos, recebendo a espada de aspirante a oficial da reserva, perfilado no quartel do Exército. Outro dia, lancei minha coleção de filmes em DVD onde está o meu melhor trabalho que é o filme "Tudo bem", cujos letreiros de apresentação são trechos dos filmes caseiros de meu pai. Lá estou eu com 4 anos correndo atrás de um pião, lá está minha irmã Lucilia recém-nascida, lá estão meus pais, lindos, jovens, se beijando. Minha mãe era a Greta Garbo e meu pai um sheik meio Rodolfo Valentino e eles se beijam, ali, por toda a eternidade. Meu filho de 7 anos brinca com a câmera de 8 mm e eu fico olhando o tempo dele. Explico-lhe o mistério do buraquinho mágico da câmera, mas ele não se liga nessas falas analógicas, metafísicas, ele, digital, contemporâneo, já na internet. Sozinho, na minha nostalgia careta, fui atrás dos outros velhos filmes que já se degradavam na caixa onde dormiam há anos. Queria ver no meu passado se havia alguma chave que explicasse meu presente, que prenunciasse minha identidade ou denunciasse algo que perdi ou que o Brasil perdeu... Em meio às imagens trêmulas, riscadas, fora de foco, vi minha pobre família de classe média, tentando exibir uma felicidade precária, constrangida, me vi de novo, menino comprido feito um bambu ao vento, com a insegurança que até hoje me alarma. Minha crise de identidade já estava traçada. Mas o que me impressionou nos filmes velhos foi o "décor", foram os exteriores, as ruas do Rio da época. Na película, estava gravado aquele presente dos anos 40, que me pareceu um presente atrasado, aquém de si mesmo. A mesma impressão tive ao ver o filme famoso de Orson Welles, "It's all true", com as cenas do carnaval carioca de 1942, em tecnicolor. Espantosamente, são as únicas imagens a cores do Brasil naqueles anos remotos. Nas cenas, dava para ver nos corpinhos dançantes do carnaval uma medíocre animação carioca, com pobres baianinhas em tímidos meneios, galãs fraquinhos imitando Clark Gable, uma falta de saúde nos corpos, nos olhos baços, uma falta de vitamina nas fisionomias, adivinhando-se a alimentação pobre e a informação rala. Dava para ver a fragilidade indefesa e ignorante daquele povinho dançando, iludido pelos burocratas da capital. Dava para ver ali que, como no filme de minha família, todos estavam "aquém" do seu presente, dava para ver que já faltava muita substância naquele passado. No entanto, se vemos os filmes americanos dos anos 30 e 40, não sentimos falta de nada. Com suas geladeiras brancas e seus telefones pretos, tudo já funcionava como hoje. Eles são uma decorrência contínua daqueles anos. Mudaram o corte das roupas e dos cabelos, mas eles, no passado, estavam à altura de sua época. A Depressão econômica tinha passado, como um grande trauma, mas não era mais visível, como em nosso subdesenvolvimento endêmico. Nós, em 42, éramos carentes de alguma coisa que desconhecíamos, aliás, como hoje, pois continuamos "anestesiados mas sem cirurgia", como bem definiu o grande Mário Henrique Simonsen, um dos poucos seres pensantes de nossa História. Olhando nosso passado, vemos como somos atrasados no presente. A recessão americana foi um trauma que passou, mas o subdesenvolvimento não passa, persiste como uma anemia parada no tempo. Nos filmes brasileiros antigos parece que todos morreram sem conhecer seus melhores dias. Por que não avançamos do atraso para uma modernização que não chega nunca? Quando nossos dias melhores virão? Durante o governo de FHC, estávamos nas portas de uma modernização político-econômica, prontos para uma revolução administrativa e conceitual, mas chegaram populistas boçais e bolchevistas tardios que, numa aliança louca com a velha direita patrimonialista, seguraram a transformação e voltaram a adorar o bezerro de ouro do Estado. E assim vamos. Acabamos de ver, perplexos, o rabo da lagartixa do atraso se recompondo, a volta de todos os canalhas denunciados nos escândalos, a retomada de todos os vícios da legislatura passada, sob a arrogância populista do presidente negando o óbvio - que a Previdência não tem déficit e poderá gastar sem cortes. Como disse Dora Kramer, "Lula será elogiado pelos acertos que não fez (Plano Real) e não será cobrado pelos erros que vai fazer agora, que serão empurrados para seu sucessor". Não adianta; povo ignorante e intelectuais idiotas não entendem que o Estado não é a solução; é o problema. Ninguém entende que o Estado não é a cura, mas a doença. Um país clamando por modernidade vive dramaticamente preso a um imaginário político arcaico e ridículo. O Brasil está tonto, perdido entre tecnologias novas cercadas de miséria e estupidez por todos os lados. A tecnologia nos enfiou uma lógica produtiva de fábricas, fábricas vivas, chips, pílulas para tudo. Temos de funcionar, não de viver. Estamos cada vez mais em trânsito. Somos carros, somos celulares, somos circuitos sem pausa. Assistimos a chacinas diárias entre chips e websites. Só nos resta viver nessa ansiedade individualista medíocre, nesse narcisismo brega, nessa desinformação, nessas notícias brutais e irrelevantes, nessa reclamação vaga, sem cultura, sem união para protestos e lutas, sem desejos claros a serem vocalizados. Nosso atraso cria a utopia de que, um dia, chegaremos a algo definitivo. Mas ser subdesenvolvido não é "não ter" futuro; é nunca estar no presente. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, fevereiro 06, 2007
Arnaldo Jabor - Quando nossos dias melhores virão?
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