Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 18, 2006

VEJA Entrevista: Antonio Carlos Magalhães


O príncipe da Bahia

À maneira de Maquiavel, o pensador
florentino, ACM diz que, entre ser respeitado
e ser querido, fica com a primeira opção


Thaís Oyama

Marcio Lima

"Vou voltar com mais força do que tinha antes, porque os meus adversários fracassarão"

Só há um assunto do qual o senador Antonio Carlos Magalhães entende mais do que política, e esse assunto é poder. Seja por usufruir dele há mais de meio século, seja por ter convivido com quem o teve em abundância, ACM lida com naturalidade com o tema – e o aprecia também. "Tenho gosto pelo exercício do mando", diz. Nas últimas eleições, o mando do senador sofreu um baque histórico. Além de assistir a seu grupo perder a hegemonia de dezesseis anos na Bahia, viu-se, pela primeira vez, cercado de adversários por todos os lados: na prefeitura, no governo estadual, no governo federal. Próximo de completar 80 anos de idade, ele admite a derrota, mas não o fim do jogo. "Voltarei com mais força do que tinha antes", afirma. ACM, que se orgulha de ser "a única sigla que pegou no Brasil, além de JK", recebeu VEJA em sua cobertura em Salvador para uma conversa em que falou de política, presidentes – e, claro, poder.

Veja – Em 2004, seu grupo já havia perdido a prefeitura de Salvador e, nas últimas eleições, foi derrotado também no governo estadual. Em 2007, o senhor fará 80 anos. Acha que ainda pode recuperar sua antiga força política?
ACM – Tenho certeza. Vou voltar com mais força do que tinha antes, porque os meus adversários fracassarão. E fracassarão porque sabem fazer campanha mas não sabem governar. De maneira que minha volta não será fruto do meu trabalho, e sim fruto do erro deles. Como já disse, derrotados não falam, derrotados esperam. Quantas vezes já disseram que o carlismo havia morrido?

Veja – Algumas.
ACM – Em 1986, quando perdi o governo para Waldir Pires; em 1998, quando o meu filho (deputado Luís Eduardo Magalhães) morreu; em 2001, quando renunciei; em 2004, quando João Henrique ganhou a prefeitura. Hoje, se você perguntar sobre João Henrique em Salvador, ninguém dirá uma palavra simpática. E digo mais: não é justo dizer que fui derrotado no governo estadual. O próprio Paulo Souto (atual governador da Bahia, candidato de ACM à reeleição e derrotado no primeiro turno pelo petista Jaques Wagner) disse à imprensa: "Quem perdeu fui eu. Até porque o ACM se meteu muito pouco ou quase nada no meu governo".

Veja – Não foi o senhor que mandou que ele desse essa declaração?
ACM – Não, eu não tenho conversado muito com ele. Só vou lá para dar carinho a Paulo Souto, não para chateá-lo. Ele mesmo achou que tinha a obrigação de fazer isso. Mas que eu estava com vontade de dizer isso, estava.

Veja – O senhor conheceu dezesseis presidentes da República. Conviveu com diversos deles e foi íntimo de alguns. Quem, dentre todos, considera o melhor?
ACM – Juscelino, de quem fui mais próximo (ACM prepara um livro sobre o período em que ele, jovem deputado udenista, se tornou amigo do presidente bossa-nova). Juscelino foi o melhor porque tinha gosto pela administração e porque tinha o dom de não guardar mágoas de ninguém, mesmo daqueles que mais o injuriavam, mais o atacavam.

Veja – Essa é uma qualidade positiva num político?
ACM – Para aqueles que conseguem, sem dúvida é uma boa qualidade. Evidentemente, não é o meu caso.

Veja – O senhor é admirador de Napoleão Bonaparte e leu quase todas as suas biografias. Que características admira nele?
ACM – O gosto pelo poder é a primeira. Também admiro sua visão de mundo – para alguns, imperialista. E o fato de que ele sabia mandar. Saber mandar é uma coisa vocacional. Se você sabe mandar, vai poder mandar em tudo: da sua casa até o órgão mais importante da República. Se você não sabe mandar, pode assumir grandes postos e não adiantará nada – acontece o que está acontecendo hoje no Brasil. Esse problema do controle aéreo, por exemplo: quando isso ocorreu nos Estados Unidos, o presidente (Ronald) Reagan resolveu em 24 horas. Quem está aí não sabe mandar.

Veja – O senhor se refere ao presidente Lula ou ao ministro da Defesa?
ACM – O presidente é o maior responsável, mas o ministro da Defesa não poderia estar ali. Ele não conhece o assunto, fica sabendo das coisas por terceiros, e o resultado é que acha que está tudo na maior normalidade. Um apagão aéreo! Isso é normal? Se tivesse lá alguém de pulso, isso já teria terminado.

Veja – Dos presidentes que o senhor conheceu, quem melhor sabia mandar?
ACM – O presidente mais completo era Juscelino, mas comandava com suavidade. O mais duro no mando, mas muito competente, era Geisel. A figura dele já impunha autoridade. Nem por isso deixamos de ter algumas divergências, como no caso da Light. Quatro ministros já haviam assinado a entrega da Light por uma bagatela, um negócio que iria beneficiar umas vinte pessoas no Rio de Janeiro. Eu era presidente da Eletrobrás e resisti. O Geisel chegou a se levantar e dizer: "Você quer mandar? Sente na minha cadeira, então". Mais tarde, ele me chamou para uma viagem a Santarém e disse: "Olha, vou lhe dar razão no caso da Light. Mas, se você sair por aí contando vantagem, eu o demito". Isso também é saber mandar.

Veja – Qual dos presidentes não tinha essa vocação?
ACM – Figueiredo. Figueiredo não sabia mandar. Quando tentava, não era obedecido. Havia uma forte razão para isso: ele mandava muito errado. Seu fracasso como presidente acabou apressando o fim do regime militar.

Veja – E Lula?
ACM – Não manda. Ele me disse certa feita que havia comprado um carro novo e o partido o obrigou a vendê-lo. Noutra vez, a Erundina (ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina) o convidou para um espetáculo no Teatro Municipal e o partido achou que ele não devia ir, porque era no Municipal – muito burguês. Ele me disse isso numa conversa em 18 de dezembro de 1995, na casa de um amigo comum, o doutor Márcio Thomaz Bastos. Agora, está tentando se livrar do petismo criando o lulismo. Ele está tentando, não sei se vai conseguir. Sei que, se conseguir, isso será prejudicial ao país. No momento em que se tenta fortalecer os partidos, fazer uma reforma política, vem o lulismo? Isso é um retrocesso do ponto de vista democrático.

Veja – Como o senhor avalia os primeiros movimentos do presidente depois da reeleição?
ACM – O mal do Lula é que, em seu primeiro mandato, ele fez um governo fraco com homens fracos. Tudo leva a crer que vai repetir esse erro. Se você olhar os nomes que estão visitando o Palácio do Planalto nesses últimos dias, verá que são tão fracos como os que estão aí. Todos com passado ruim. Lula fez um ministério de derrotados. À exceção do doutor Márcio Thomaz Bastos – que é a alma deste governo, porque, com a prática da advocacia criminal, o salvou –, só tem a Dilma Rousseff. No governo Lula, a pessoa que sabe mandar é Dilma Rousseff. Ela tem capacidade.

Veja – O que o senhor acha da estratégia de Lula de aproximar-se dos governadores como forma de driblar a oposição no Congresso?
ACM – É um grave erro. Mesmo porque, de modo geral, os governadores não têm levado as suas bancadas. No Senado, temos hoje uma maioria provável para determinadas votações. Jamais o presidente Lula conseguirá uma reforma constitucional, que exige 49 votos, se não for acertando conosco. Agora, o campo dessa conversa tem de ser o Congresso, e não o Palácio do Planalto. O Congresso é para conversar. O Palácio do Planalto é para cooptar.

Veja – O pensador florentino Nicolau Maquiavel dizia que o governante deve ser antes temido do que amado. O senhor concorda?
ACM – O ideal é ter as duas coisas, mas, entre ser respeitado e ser querido, prefiro ser respeitado. O amor é instável. Hoje você é querido, amanhã não é. Já o respeito é permanente. É fruto da credibilidade que você adquire. O sujeito não chega batendo em sua barriga. Agora, autoridade não significa autoritarismo. O autoritarismo é coisa dos incompetentes, dos que querem aparecer pela força.

Veja – Mas o senhor mesmo já destruiu gravadores de repórteres e agrediu fisicamente adversários. Não foram manifestações de uma personalidade truculenta?
ACM – Os meus adversários me adjetivam assim, mas não sou. Eu lhe digo sinceramente: há jornalistas de quem não gosto. Nunca me fizeram nada, mas não gosto deles. Eu sei que não gostam de mim, por que vou gostar deles? Sou muito intuitivo: olhando para você, sei o que você pensa de mim. Depois de cinqüenta anos lidando com pessoas, isso não é nenhum dom sobrenatural.

Veja – Voltando à questão da autoridade: que atitude é necessária para preservá-la?
ACM – Por exemplo: se você me faz uma pergunta altamente ofensiva, fecho a cara para você e você não faz a segunda.

Veja – Entendi.
ACM – Não, não estou falando isso para você. É um exemplo que não precisa servir para um jornalista, pode ser para um deputado. O que não pode é você deixar passar de um certo limite. Um limite que você adquiriu com o quê? Com seus três mandatos de governador, não sei quantos de ministro, com cinqüenta anos de política, com seus cabelos brancos, tudo isso.

Veja – O senhor disse que tem "gosto pelo exercício do mando". Quais as boas coisas que o poder proporciona?
ACM – O poder tem de ser um instrumento para você realizar, para você servir à coletividade. O poder pelo poder, pela satisfação pessoal, nunca dá certo. Os que quiseram fazer isso fracassaram. (Fernando) Collor é um exemplo.

Veja – Mas o senhor preza os ritos do poder. Quando era presidente do Senado, fazia questão de que seus assessores o aguardassem todos os dias na entrada do Congresso, por exemplo.
ACM – Até hoje é assim. Quando chego ao Senado, gosto que os meus auxiliares estejam me esperando na porta. E que me levem à porta na hora de eu ir embora. Meu ritual é completo. Eu disse uma vez a Luiz Viana Filho (seu antecessor no primeiro mandato como governador da Bahia) que era muito chato passar em revista as tropas. Ele me disse: "No início você acha chato, depois se acostuma e depois sente falta".

Veja – Qual foi o seu maior erro político?
ACM – Acho que foi a troca de agressões com Jader Barbalho.

Veja – Por quê?
ACM – Porque resultou no meu afastamento do Congresso e no dele.

Veja – O senhor costumava se aconselhar muito com o seu filho, Luís Eduardo. Desde a sua morte, qual foi o momento em que mais sentiu falta desses conselhos?
ACM – Eu sinto a falta de Luís Eduardo todos os dias – diria até que em todos os momentos. Mas dos seus conselhos, da sua ajuda, acho que senti mais falta em 2000, 2001, quando tive aqueles problemas no Congresso.

Veja – O senhor se refere à violação do painel de votação do Senado e à descoberta de que adversários seus e uma amiga haviam sido grampeados? (Ambos os episódios foram atribuídos a ACM).
ACM – Eu não tive nada com o painel. Nada com o painel. Eles me puniram exclusivamente porque não puni o (José Roberto) Arruda (então líder do governo no Senado) e a dona Regina (Regina Borges, então funcionária do Senado). Entendeu? A tese era essa: eu tinha de puni-los quando tomei conhecimento do fato. E não puni porque achava que era muito pior tornar sem efeito a votação do que consumá-la. A votação era uma vontade do Congresso e era uma coisa justa.

Veja – Quanto ao episódio dos grampos, o senhor também o considera uma injustiça?
ACM – Quando eu digo que não tive nada diretamente com o assunto, as pessoas não acreditam por causa das coincidências que existiram. Mas o fato é que não tive nada diretamente com isso. Agora, confesso que esse é um assunto de que, em respeito às pessoas que estiveram envolvidas nele, eu não trato. Se Luís Eduardo estivesse comigo naquele momento, eu não teria passado por nada daquilo, tenho certeza. Ele próprio teria atuado em meu favor e resolvido os assuntos, com certeza absoluta.

Veja – Existe alguém que o senhor não perdoe?
ACM – Tenho um caso apenas. É o de uma pessoa que afrontou a memória de minha filha (Ana Lúcia, que se suicidou em 1986, aos 28 anos). Mas tenho como regra não declarar o nome dos meus inimigos. Inimigo você deve esquecer. Se você o esquecer, ele morre por si. Claro que nem sempre você consegue esquecer, mas, na aparência, tanto quanto possível, deve ignorá-lo – o que não significa que não deva destruí-lo no tempo certo.

Veja – O senhor se considera vingativo?
ACM – Não. Ao contrário do que dizem, não sou vingativo. Meus inimigos se destroem por si próprios.

Veja – O senhor tem medo de quê?
ACM – De nada. De nada, nada, nada. Aquilo que o Schmidt (o poeta e editor Augusto Frederico Schmidt) disse de Juscelino, podem dizer de mim também: "Deus o poupou do sentimento do medo". Agora, uma coisa devo dizer: os homens que têm juízo devem sempre temer o ódio das mulheres.

Veja – O senhor já perdeu uma filha e um filho. Já adoeceu gravemente, já sofreu grandes derrotas políticas e já teve de renunciar a um mandato sob a ameaça de tê-lo cassado. Em todas as ocasiões, pensou-se que o senhor submergiria e isso não aconteceu. O que lhe dá energia para voltar sempre?
ACM – A vontade de demonstrar aos meus adversários que eles são bem mais fracos do que eu. É isso que me move. Se não fossem os meus adversários, talvez eu já tivesse deixado a vida pública. Eles são o melhor incentivo que tenho para continuar lutando. Os inimigos nos fustigam, nos chateiam, mas, sem eles, não tem graça.

Arquivo do blog