Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

Um manual para vigiar o próximo mandato de Lula

A encruzilhada

O presidente em seu gabinete no
Palácio do Planalto: sem a retórica
eleitoral, o discurso é bom


Lucila Soares e Otávio Cabral


Anderson Schneider/WPN
PALAVRAS CERTAS
O presidente em seu gabinete no Palácio do Planalto: sem a retórica eleitoral, o discurso é bom

EXCLUSIVO ON-LINE
Escândalos no governo Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito com 58.295.042 votos – a segunda maior votação que um governante já obteve na história das democracias ocidentais. Além do formidável respaldo popular conquistado nas urnas, o presidente Lula terá a maioria dos governadores do país ao seu lado e sua base parlamentar será mais ampla do que no primeiro mandato. Com esse vasto leque de apoio, o segundo governo de Lula pode ter força política para fazer muito, mas isso não o coloca necessariamente no rumo certo para comandar um país moderno, democrático e com uma economia crescentemente globalizada como o Brasil. A boa notícia é que, logo depois de reeleito, Lula desceu do palanque, despiu-se da retórica eleitoral exibida em seus programas na televisão e mostrou que sabe com clareza o que precisa ser feito para entrar para a história como um presidente modernizador – e não como uma versão adocicada do venezuelano Hugo Chávez.

Para ganhar a eleição presidencial em 2002, Lula se viu obrigado a lançar a famosa Carta ao Povo Brasileiro, um documento no qual conseguiu espantar os receios de que um governo petista rasgaria contratos e destruiria os pilares da estabilidade econômica tão arduamente postos de pé pela sociedade brasileira. Na carta, comprometia-se a pagar as dívidas interna e externa, garantia manter as metas do superávit primário e prometia manter a política de controle da inflação. Desta vez, Lula não precisou lançar carta alguma, mas, mesmo assim, em suas intervenções públicas na semana passada acabou reafirmando uma série de princípios básicos – que, se forem cumpridos nos moldes apontados pelo presidente, proporcionarão um segundo mandato com chances reais de representar um avanço para o país. VEJA compilou os principais pontos abordados pelo presidente em seu pronunciamento à nação, transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão na terça-feira, e nas quatro entrevistas que concedeu às principais emissoras de televisão do país. Dali, emerge um guia bastante claro sobre o que pode ser o governo Lula segundo o próprio Lula. A seguir, confira os sete compromissos do presidente:


Sergio Dutti/AE
ALVO CORRETO
Dilma falou que tinha de cortar gastos. Lula não censurou a ministra

Controle da inflação

" Temos tudo, a partir de agora, para aumentar o emprego, melhorar a educação, a saúde e a segurança. Mas vamos fazer isso com grande responsabilidade na área fiscal e controle da inflação. Só assim vamos entrar, definitivamente, na rota do crescimento de longo prazo. "
Pronunciamento à nação,
31/10/2006

O presidente demonstra ter compreendido claramente que é o controle da inflação que põe comida na mesa na maioria das famílias pobres – e não apenas o Bolsa Família. Essa compreensão é o grande avanço de sua visão sobre o funcionamento da economia. É também o maior mérito do primeiro mandato, quando o controle da inflação foi priorizado mesmo à custa de juros altos e índices de crescimento pífios. Lula está certo quando diz que o Brasil pode voltar a crescer. Mas, para que isso ocorra, é preciso o quê? Justamente não ceder a pressões dos seus "desenvolvimentistas". Eles acreditam que os juros podem baixar na marra porque a inflação está "debelada" – ou seja, não precisa mais ser controlada. Desastre na certa: basta sinalizar que o controle da inflação não é mais prioritário para ela sair em louca cavalgada.

Estabilidade

" Pela primeira vez, o Brasil enfrentou uma disputa presidencial sem nenhum tipo de abalo econômico, seja antes, durante ou depois das eleições. A estabilidade é uma das conquistas que precisamos manter e ampliar. "
Pronunciamento à nação,
31/10/2006

Para entender esse avanço basta lembrar a turbulência que cercou a reta final da campanha de 2002, quando o risco Lula levou o dólar a 4 reais e o risco-país chegou a mais de 2 000 pontos. É um alento ouvir que o presidente preza a estabilidade e deseja mantê-la e ampliá-la. Fazer isso, no entanto, é mais difícil do que parece. Inclui mudanças estruturais, além da reforma tributária e de regras que criem um horizonte previsível para investimentos. Para o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, o presidente precisa compor uma equipe que dê suporte a seu projeto de crescer com estabilidade. "Se ele não tiver uma equipe que homogeneíze o conjunto de medidas e reformas e dê suporte a sua intenção de conjugar estabilidade e crescimento, vai colher mediocridade no crescimento."

Abertura para o exterior

" Quero continuar fazendo um governo que (...) aprofunde, ainda mais, a inserção soberana do Brasil no mundo. "
Pronunciamento à nação,
31/10/2006

Durante a campanha eleitoral, o presidente Lula alardeou o desempenho das exportações brasileiras nos últimos quatro anos. O superávit comercial saltou de 13 bilhões de dólares, em 2002, para 45 bilhões no ano passado. O fundamental é não confundir esse resultado com uma real abertura da economia. Isso exige importações elevadas, para permitir a entrada de máquinas e equipamentos que aumentem a competitividade das empresas. O presidente Lula não tem dado muita ênfase a esse aspecto, mas vem mostrando claramente que o discurso antiglobalização está recolhido ao museu das idéias petistas. Agora, resta ter coragem de dar nova direção à política externa. "É preciso ter mais pragmatismo e menos ideologia", diz Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas.

Parceria com empresas

" O país pode crescer. (...)
Então, o que nós precisamos fazer? Mais crédito, mais poupança interna, mais parceria com a iniciativa privada, e os grandes projetos já estão delineados. "
Entrevista ao SBT,
30/10/2006

A histeria antiprivatista que marcou a campanha eleitoral ficou para trás. O presidente demonstrou ter claro que o Estado brasileiro esgotou sua capacidade de investimento e precisa do apoio da iniciativa privada. Em seu pronunciamento, Lula deu alguns exemplos de projetos que merecerão atenção especial: o Pólo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Pólo Siderúrgico do Ceará, a Ferrovia Transnordestina. Todos envolvem parceria com empresas. O que precisa ser enfatizado é que, para funcionarem a contento, as Parcerias Público-Privadas precisam ser amparadas por marcos regulatórios sólidos em todos os setores. E isso não existe em áreas estratégicas, como saneamento e energia. Diz Langoni: "É preciso ter regras claras e remuneração adequada para o investidor. Sem isso, o país continuará com infra-estrutura ineficaz, um sério entrave ao crescimento".

Desburocratização

" A burocracia é necessária, mas ela não pode ser impeditiva do Brasil dar o salto de qualidade que precisa dar para crescer e distribuir renda."
Entrevista à Rede Bandeirantes,
30/10/2006


Roberto Jayme/AE
A ERA PALOCCI
Tarso Genro anunciou o fim da "era Palocci". Levou um pito público de Lula


O presidente está coberto de razão. No Brasil, demora-se cinco meses para abrir uma empresa. O interessado tem de provar que está vivo, que tem uma residência, seu estado civil e mais uma infinidade de informações até se tornar empresário. Se o negócio não for bem e ele quiser fechá-lo, pode levar mais dez anos até conseguir encerrar a firma. Esses são os prazos médios apurados pelo Banco Mundial, que colocam o Brasil na 119ª posição num ranking sobre os melhores ambientes de negócios, entre 155 países. O primeiro passo para resolver essa questão é o país começar a acreditar mais em seus cidadãos, eliminando a selva de documentos que se exigem a cada passo. "A burocracia é a cereja do bolo de um Estado balofo e ineficaz", diz o ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira.

Redução de impostos

" Se fosse aprovada a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, nós iríamos ter menos impostos, simplificar os impostos e as empresas iriam ter as suas vidas facilitadas."
Entrevista ao SBT,
30/10/2006

A aprovação da lei é necessária e bem-vinda. Os micros e pequenos empresários representam 99% do total de negócios existentes no país. A cada ano, criam-se 500.000 empresas – e 49% delas fecham as portas nos primeiros dois anos de existência, esmagadas pelo peso dos impostos e da burocracia. É importante assinalar, contudo, que a lei não dá conta do problema mais amplo, que é a confusão do sistema tributário brasileiro. O emaranhado de impostos inibe o crescimento, a criação de empregos e atrasa o desenvolvimento. Há empresas que, para atuar em todo o território nacional, necessitam de 27 advogados, cada um cuidando de um sistema tributário estadual diferente. Além de fazer uma reforma que torne o sistema mais ágil e eficiente, o governo precisa gastar menos e melhor o dinheiro que arrecada. O ex-ministro Marcílio Marques Moreira afirma: "A tributação é alta porque o gasto é alto. E o sistema é injusto. Penaliza os que ganham menos".

Ética

" Continuarei empenhado em que os órgãos de investigação e da Justiça apurem todas as denúncias de corrupção e que os verdadeiros culpados sejam exemplarmente punidos."
Pronunciamento à nação,
31/10/2006

O assalto indiscriminado aos cofres públicos foi o lamaçal que manchou todo o primeiro mandato de Lula. Conter a ousadia dos "companheiros" que erram sempre em benefício do próprio bolso e do partido é o grande desafio de Lula nos próximos quatro anos. O presidente tem feito repetidas promessas de empenho na apuração das denúncias e punição dos culpados, mas pouco existe de resultado concreto. A questão ética não se esgota, no entanto, na apuração de escândalos. Ela exige vários desdobramentos. Um deles é a reforma política – uma prioridade a que Lula tem feito referência, embora de forma genérica. Outro é o Orçamento, cuja elaboração envolve um toma-lá-dá-cá entre o Executivo e os partidos que leva em conta tudo, menos os interesses do país. Um terceiro é a fiscalização dos gastos públicos. Conclui o cientista político Murillo de Aragão: "Se o presidente, fiscalizado pela imprensa como ele é, mesmo assim se beneficiou da sua condição de presidente como candidato, imagine o que não acontece na máquina pública nos estados periféricos".


Anderson Schneider
A EVOLUÇÃO
Crianças beneficiadas pelo Bolsa Família na escola (acima) e alimentos à venda num supermercado: Lula compreendeu que o controle da inflação é que põe comida na mesa das famílias pobres
Antonio Milena

Com base nos sete compromissos listados acima, Lula pode fazer um segundo mandato à altura do Brasil. O presidente tem dito com insistência que pretende devotar o segundo mandato a um tripé: crescimento econômico, distribuição de renda e educação de qualidade. O problema é que, para chegar lá, Lula teria de tratar de questões que tem negligenciado em suas entrevistas. A mais gritante delas é a reforma da Previdência Social, cujo rombo de 40 bilhões de reais por ano é um dos elementos que mais emperram a economia do país. Outra é corolário da primeira: a necessidade de cortar os gastos públicos. Em sua entrevista ao SBT na semana passada, Lula chegou mesmo a dizer que é preciso fazer o contrário: aumentar os gastos públicos, o que é disparate diante de uma máquina pública que, só no ano passado, consumiu 352 bilhões de reais (veja reportagem). O único sinal de alento nessa história é que quando Tarso Genro, ministro das Relações Institucionais, disse que a "era Palocci" chegara ao fim o presidente passou-lhe um pito público. E, quando a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, disse que o governo precisava cortar gastos, Lula não lhe fez nenhum reparo.

No seu primeiro mandato, o presidente teve desempenho elogiável na condução da economia – e Lula sabe que esse é o principal motivo de sua reeleição por uma margem tão ampla de votos. É natural, para usar uma metáfora futebolística tão ao gosto do presidente, que não pretenda mexer em time que está ganhando. O aspecto mais sombrio do seu primeiro mandato esteve no campo das tentações totalitárias – e, claro, da ética. Nesse terreno, o eleitorado deve permanecer alerta. É saudável o presidente dizer que pretende investigar os escândalos, mas isso nem de longe é o bastante num governo em que os escândalos se sucedem numa velocidade espantosa. Em menos de dois meses, vieram a público o escândalo das cartilhas superfaturadas (ou fantasmas), o escândalo do dossiê contra os tucanos comprado com dinheiro sujo e o escândalo de Lulinha, o filho do presidente que andou fazendo lobby no governo para a Telemar. Quanto ao viés totalitário que vez por outra volta ao centro da cena política, não há nada a comemorar. Ao contrário. Na semana passada, já no dia seguinte à eleição, enquanto o presidente dava entrevistas às principais emissoras de televisão do país, seus eleitores e aliados, ministros inclusive, voltaram a produzir sinais preocupantes da dificuldade que têm em lidar com uma imprensa independente e crítica (leia Vai sumir pelo ralo...).

Apesar de tudo, é certo que o Lula que se reelegeu agora para um segundo mandato é um político mais preparado que o Lula eleito em 2002. O imenso revés sofrido com os desmandos éticos pode ter ajudado a relegar esse aspecto a um plano mais apagado, mas isso não quer dizer que não exista. Em quatro anos no Palácio do Planalto, é claro que Lula acumulou experiência, ampliou seu conhecimento da máquina pública e, em alguns aspectos, sua visão passou por uma evolução notável. A questão da desigualdade social, tão presente em seus discursos, é um exemplo. Parece claro que Lula deixou para trás a visão tacanha de que a miséria que afeta milhões de brasileiros possa ser superada pelo princípio bolchevique de tirar dos ricos e dar aos pobres – o que é um jogo de soma zero. A miséria só será superada, de fato, pela produção de riqueza. Para esse fim o gênio humano não concebeu nada mais eficiente do que o velho e bom capitalismo, com seus mercados livres, empreendedores ambiciosos e empresas inovadoras. Tudo isso sob um governo que não faça a guerra, cobre impostos justos, proporcione balizas jurídicas seguras e agências reguladoras respeitadas. Fora desse ambiente, o máximo que se consegue é administrar a escassez sob um regime de escravidão, como é o caso da ilha caribenha de Cuba.

Lawrence Jackson/AP
QUESTÃO DE KNOW-HOW
Bush, exemplo vivo da maldição da reeleição, telefonou para Lula


Lula entende isso melhor do que pode externar sem ferir a suscetibilidade dos amigos e de alguns áulicos. Mesmo quando fala do Bolsa Família, um sucesso inquestionável de seu governo e um dos principais sustentáculos de sua reeleição, Lula tem expressado o entendimento, como fez em entrevista à Rede Globo na semana passada, de que o fundamental é dotar o programa de uma porta de saída – o que significa uma saudável superação do velho assistencialismo estatal sem data para acabar. Ainda falta a Lula demonstrar em um único discurso tudo o que os repórteres de VEJA foram garimpar em suas falas recentes. Seria um marco. Uma libertação. Lula poderia aposentar para sempre a idéia de palanque de que o Brasil é como um sobrado – em que só há andar de cima e andar de baixo e, portanto, o único trabalho é fazer com que todos passem a habitar o pedaço de cima. Isso é uma interpretação tão tosca da sociedade brasileira que, na sua estupidez simplificadora, neutraliza o papel crucial e dinamizador exercido pela classe média – segmento ao qual Lula fez acenos na campanha. No campo da modernidade, falta maior clareza sobre como promover de maneira mais vigorosa as condições para que a iniciativa privada produza mais conhecimento tecnológico de ponta, inove mais e multiplique seus índices de produtividade.

"O desafio de Lula é tentar fazer com o que o Brasil todo fique um pouco mais parecido com o Brasil que lhe negou os votos", afirma o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. "Os indicadores das regiões pobres, onde Lula reinou, precisam ficar cada vez mais próximos dos indicadores das regiões mais favorecidas, onde Lula perdeu para Geraldo Alckmin." As piores votações do presidente aconteceram justamente nos estados que concentram as economias mais dinâmicas e os melhores índices de qualidade de vida, como São Paulo e os três estados do Sul. Nas vinte localidades que exibem as melhores taxas de IDH, índice que mede o nível de desenvolvimento humano, o tucano Geraldo Alckmin ganhou em dezessete – e Lula, em apenas três: Niterói, Vitória e Fernando de Noronha. Já nas vinte que registram os piores níveis de IDH do país, Lula venceu em todas – numa delas, a paupérrima Belágua, no interior do Maranhão, levou nada menos que 96% dos votos.

Para fazer o país avançar, produzir riqueza e gerar justiça, o presidente Lula tem muitos desafios para superar – e um deles começa em casa. O Partido dos Trabalhadores, que se transformou numa usina de escândalos, deu recados de que não pretende, de novo, facilitar a vida do presidente. Fortalecido pelo bom desempenho nas urnas ao eleger cinco governadores e uma bancada de 83 deputados, o PT já está rosnando. Na semana passada, depois de uma reunião da cúpula, o partido divulgou uma nota oficial cobrando que no novo mandato Lula faça um "governo de esquerda". Ninguém sabe exatamente o que isso quer dizer, mas é certo que significa mandar às favas o equilíbrio fiscal e o controle da inflação em troca de um crescimento econômico tão duradouro quanto um vôo de galinha. Com sua peculiar falta de generosidade política e sua arrogância hegemônica, o PT também deixou claro que não pretende ceder espaço no governo para os novos aliados. É a máquina petista que se incrustou na máquina pública com o apego das cracas já se movimentando para resistir à expulsão.

Com idéias claras na cabeça e cercado de apoio político mas com um rosário de dificuldades à frente, o presidente Lula começará o segundo governo tendo de desafiar a tradição de acordo com a qual os segundos mandatos são sempre mais difíceis que os primeiros. O cientista político David Fleischer, americano radicado no Brasil há três décadas, fez um estudo sobre todos os presidentes reeleitos nos Estados Unidos nos últimos cinqüenta anos. Concluiu que apenas um deles, Harry Truman, foi melhor no segundo mandato do que no primeiro – e, ainda assim, porque seu primeiro mandato foi tampão, já que assumiu o cargo em função da morte de Franklin Roosevelt e, portanto, sem a legitimidade das urnas. Na terça-feira, um exemplo vivo do fracasso dos segundos mandatos telefonou para Lula. O presidente George W. Bush, que amarga seus piores índices de popularidade e enfrenta agora uma eleição parlamentar em que perderá a maioria no Congresso, cumprimentou Lula pela vitória e brincou: "Você teve uma vitória espetacular. Você tem de me dar um pouquinho do seu know-how". De fato, depois de três derrotas consecutivas, Lula aprendeu a fazer sucesso em eleições. Precisa agora fazer sucesso no governo.

OPOSIÇÃO EM RUMO INCERTO

Paulo Pinto/AE
A CAMINHO DE 2010
O tucano José Serra, que se elegeu governador de São Paulo: altivez de olho na próxima campanha


A oposição foi para o embate das urnas com a certeza de que o discurso contra a corrupção e a favor da ética lhe renderia bons dividendos eleitorais. Afinal, mesmo sendo minoria no Congresso, o PSDB e o PFL, os dois maiores partidos de oposição, conseguiram instalar três CPIs que mantiveram por mais de um ano o governo do presidente Lula submerso em um mar de escândalos monumentais. A lógica da oposição se sustentava na crença de que os eleitores puniriam os áulicos e premiariam aqueles que ajudaram a desmascarar a organização criminosa petista. Não foi isso que aconteceu. Lula foi reeleito com uma votação arrasadora. O PT também elegeu uma bancada expressiva de deputados e senadores e ainda conquistou cinco governos estaduais, além de outros onze que serão comandados por partidos aliados. A oposição, por sua vez, sai das urnas menor e muito menos influente do que antes. Algumas lideranças, surpreendidas com o tamanho da derrota, ainda se mostram completamente grogues, sem saber ao certo como se comportar nos próximos quatro anos. Explica o cientista político Plínio Dentzien, da Universidade Estadual de Campinas: "A oposição não esperava um resultado tão ruim nas urnas. Eles estão atordoados".

O PFL foi o primeiro a acusar o golpe. O partido, que comandava quatro estados, elegeu apenas um governador – o ex-senador José Roberto Arruda, no Distrito Federal, aquele que, em 2001, renunciou ao mandato para escapar da cassação por ter violado o painel eletrônico. O mau desempenho se deu também no Parlamento. De 84 deputados eleitos em 2002, a segunda maior bancada do Congresso, o partido minguou para 65. No Senado, a situação não é melhor. Ex-candidata do partido à Presidência da República, a senadora Roseana Sarney, que perdeu a eleição para o governo do Maranhão no segundo turno, pediu sua desfiliação. Ela vai formalizar sua aliança com o governo Lula. Com isso, o partido perde a supremacia no Senado, passando de dezenove para dezoito senadores e sendo superado pelo PMDB. Deixou, portanto, de ter a prerrogativa de pleitear a presidência do Congresso – um naco efetivo e vistoso de poder. Abatido pelos eleitores, o PFL sinaliza que pretende trilhar um caminho mais radical contra o governo. Instado sobre a proposta do presidente Lula de abrir um canal de diálogo direto com a oposição, o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, desdenhou: "Se quiser, o presidente poderá manter o diálogo através de seus líderes no Legislativo. Não estamos dispostos a ouvir as promessas que ele não cumpriu nos últimos quatro anos. A reforma política, por exemplo, ele trocou pela cooptação e pelo mensalão".


Jonathan Campos/Gazeta do Povo/AE
RESULTADO PÍFIO
O PFL de Bornhausen: apenas um governador eleito em 2006

Enquanto o PFL parte para a estridência, o PSDB já anunciou que pretende fazer uma oposição mais comedida. O partido elegeu seis governadores, três deles em estados estratégicos: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Na Câmara, o desempenho foi mais fraco do que em 2002. A bancada dos tucanos caiu de setenta para 65 deputados, mas o partido está politicamente credenciado a disputar a sucessão presidencial. Não é outra a intenção que vai pautar os passos do PSDB como oposição nos próximos quatro anos. O partido tem dois pretendentes declarados à sucessão de Lula – o governador eleito de São Paulo, José Serra, e o governador reeleito de Minas, Aécio Neves. Na semana passada, Serra deu a partida. Em sua primeira entrevista após a eleição, ele tentou dar o tom de como o PSDB deverá se comportar daqui para a frente. O tucano criticou a condução da política econômica e disse que seu partido não dará eco aos que querem fazer uma oposição estridente. Essa parte do pronunciamento foi interpretada como um aceno de boa vontade com o governo Lula, embora os tucanos garantam que se trata apenas de uma estratégia para convencer o eleitorado de que o partido quer fazer oposição de maneira responsável. Resumiu Serra: "Na oposição, o PSDB vai se comportar com altivez".

O quadro que se desenha nesse início de segundo mandato é politicamente favorável ao presidente Lula. Lideranças do PFL e do PSDB já prevêem o fim da aliança entre os dois partidos, que começou na eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1994, atravessou os oito anos de governo e continuou até as últimas eleições. Uma oposição dividida, é claro, favorece o governo, mas também nisso há uma estratégia bem definida. Os tucanos querem se viabilizar como única alternativa de poder. As urnas deixaram claro que oposição sem proposta concreta não chega a lugar algum. O desafio do PSDB é governar bem os estados, o que é uma tarefa difícil sem a ajuda federal. Por isso, os tucanos tendem a compor com o governo, mantendo o tom crítico mas colaborando na aprovação de projetos de interesse comum no Congresso, principalmente os mais impopulares, como as reformas sindical, trabalhista e previdenciária. "Com perspectivas de retornar ao poder, não há razões para os partidos de oposição se negarem a apoiar reformas impopulares. Afinal, os custos políticos recairiam sobre a situação, mas os frutos seriam colhidos principalmente pelos próximos governantes", analisa a cientista política Fernanda Machiaveli, da consultoria Tendências. Sem ter o que perder, caberá ao PFL o papel mais aguerrido da oposição. Estarão separados, mas continuarão parceiros.

Diego Escosteguy

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