Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 18, 2006

omo Lula ajuda empresas brasileiras no exterior

Alguém quer comprar?

Em viagens lá fora e em contatos
com líderes estrangeiros, Lula atua
como um bom vendedor


Otávio Cabral

Ricardo Stucket/PR
Lula com Chávez, na inauguração da ponte entre os dois países

Em sua 63ª viagem internacional, realizada na semana passada, o presidente Lula inaugurou uma ponte que liga o Brasil à Venezuela e voltou a subir no palanque eleitoral. Os 20.000 venezuelanos, o palanque, o clima de campanha... e Lula não resistiu: voltou a atacar a imprensa, as elites, os empresários e os banqueiros. A idéia era ajudar seu colega venezuelano Hugo Chávez a reeleger-se pela terceira vez consecutiva. Como a campanha no Brasil já acabou e não há mais novidade nem sequer no comportamento ambíguo do presidente em relação aos alvos de seus ataques de palanque, mais adequado agora é examinar outro aspecto de sua viagem internacional – e sobretudo porque viagens internacionais se tornaram um hábito marcante de seu primeiro governo. Até agora, Lula fez uma média de 1,35 visita ao exterior por mês, contra a média mensal de 0,85 viagem do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem o PT acusava de viver mais no estrangeiro do que aqui. O aspecto positivo é que, nas suas viagens para fora do país, Lula tem agido com boa dose de pragmatismo e se comportado como um defensor exaltado dos interesses de empresas brasileiras no exterior. Nisso ele se alinha com o que faz a diplomacia e os chefes de Estado dos países que estão dando certo.

A ponte de 3,2 quilômetros entre o Brasil e a Venezuela custou 1 bilhão de dólares, levou cinco anos para ser construída e só foi concluída graças a gestões de Lula, que pressionou Hugo Chávez para que quitasse os débitos do governo venezuelano com a construtora – a brasileira Odebrecht. Lula tem feito o papel de mascate brasileiro no exterior com gosto e eficácia. Em junho passado, por exemplo, atuou como representante comercial da Gerdau, a maior produtora de aço do Brasil, comandada por seu amigo Jorge Gerdau – que chegou a aparecer na lista de ministeriáveis do segundo governo. A Gerdau tinha interesse em participar do leilão de privatização da Siderperú, a empresa de siderurgia do Peru, mas a venda estava ameaçada por falta de concorrentes. Informado disso, Lula ligou para o então presidente do Peru, Alejandro Toledo, garantiu que uma grande empresa brasileira daria um lance na compra e pediu que o leilão fosse mantido. Dias depois, Lula tratou do assunto em audiências em Brasília – uma com Gerdau e outra com o próprio presidente peruano. Deu tudo certo. No dia 28 de junho, o leilão foi realizado e a Gerdau arrematou a Siderperú por 60 milhões de dólares.

Fotos Liane Alves/José Cruz/ABR
Gerdau, que recorreu a Lula para um negócio no Peru, e Amorim (à dir.): mudanças

Há duas semanas, na entrega de um prêmio para empresas em São Paulo, Lula fez questão de lembrar seu papel de abre-alas para empresas brasileiras lá fora. "Quem viaja comigo para o exterior sabe que eu sou um verdadeiro mascate", disse. Há casos em que nem é preciso viajar. Em abril passado, o diretor presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, esteve com Lula em Brasília e fez uma queixa objetiva: o governo de Moçambique oferecera incentivos fiscais a mineradoras chinesas para explorar jazidas próximas à explorada pela Vale – e pela qual, sem incentivo algum, a Vale pagou 120 milhões de dólares ao governo moçambicano. A empresa achava que estava sendo discriminada, pois concorria com os chineses em condições desiguais, mas o governo de Moçambique não lhe dava ouvidos. É sabido que Lula telefonou para o presidente de Moçambique, Armando Guebuza, mas não se conhece o conteúdo da conversa que tiveram. O certo é que, depois do telefonema, os benefícios fiscais concedidos às mineradoras da China foram cancelados – e a Vale, agradecida pelo restabelecimento da igualdade na concorrência, doou 6 milhões de dólares a programas sociais destinados à população pobre na região das jazidas.

O recurso a negociações diretas, sem a intermediação dos diplomatas, decorre da personalidade de cada líder. O ex-presidente Bill Clinton fazia a mesma coisa. Quando o governo brasileiro estava discutindo a bilionária construção do Sivam, o sistema de vigilância da região amazônica, Clinton telefonou para o então presidente Fernando Henrique e fez gestões diretas em favor da Raytheon, a empresa americana interessada no negócio – e que acabou vencendo a concorrência. Seu sucessor na Casa Branca, o presidente George W. Bush, é avesso a esse tipo de abordagem e limita-se a ouvir quem o aborda. O primeiro-ministro da Inglaterra, Tony Blair, tem comportamento parecido com o de Lula, e telefona diretamente para seus colegas. A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, não tem o hábito de ligar para chefes de governo em defesa de empresas alemãs, mas faz contatos diretos sempre que entra em pauta algum assunto de interesse de seu país em organismos multilaterais. Lula faz as duas coisas: defende empresas brasileiras e também pontos de vista do governo em órgãos internacionais. Em várias ocasiões, na tentativa de amolecer o protecionismo agrícola dos países ricos, Lula já telefonou para Bush e Blair antes de reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Marcos d'Paula/AE
Agnelli, da Vale: ajuda de Lula em Moçambique
No Itamaraty, sempre cioso de seu espaço, não surgiram sinais de insatisfação com o estilo Lula de negociar – e o chanceler Celso Amorim parece estar entre os poucos nomes cotados para ficar no cargo no segundo mandato. Ele já tomou a iniciativa de promover mudanças em postos-chave, como a substituição do embaixador brasileiro em Washington – Roberto Abdenur, desafeto de Amorim, deixará o cargo em favor de Antônio Patriota, braço-direito do chanceler. Outra mudança prevista é mandar para a embaixada de Buenos Aires o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Guimarães, que construiu uma fama de bedel bolchevique em Brasília. Em seu lugar, deverá ficar José Mauricio Bustani, hoje servindo em Londres. O chanceler Amorim, se realmente ficar no segundo mandato, quer acabar com a prática – pouco disseminada no Brasil, mas ainda viva – de dar postos de embaixador a políticos que perdem as eleições. Sua idéia é que todos os cargos de embaixador passem a ser ocupados por diplomatas de carreira, o que significaria o fim do exílio de Paes de Andrade, o peemedebista embaixador em Lisboa, e Tilden Santiago, o petista em Havana. Com diplomatas ou políticos nas embaixadas, o fato é que, como prova a atuação de Lula como mascate, o Brasil só ganha com a ampliação de suas fronteiras econômicas.

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