Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 18, 2006

O imbróglio de Emir Sader

Emir, o mártir

Condenado pela Justiça, o sociólogo
Emir Sader conclama os camaradas.
Mas um deles pergunta: o que é isso,
companheiro?

Fotos Alaor Filho/AE e Fabio Motta/AE
Benjamin (mais à esquerda) e Sader: as marcas da história são indeléveis

"Qualquer um que passe os olhos pelos textos preparados por Emir Sader poderá reconhecer sem dificuldades que eles transitam da nulidade à insignificância. Alguns, por excesso de raquitismo, chegam a ser ofensivos à inteligência alheia."
César Benjamin, cientista político

O sociólogo petista Emir Sader é um personagem que a esquerda brasileira quer entronizar no seu panteão de mártires. Não que ele tenha caído numa ação armada em prol da causa proletária. Os tempos são outros, hão de reconhecer os companheiros. Graças às salvaguardas da democracia burguesa, o nicho dedicado a Sader deverá ficar, supõe-se, a meio caminho entre o de José Dirceu e o de Delúbio Soares. Para quem chegou agora a esta página da história nacional, um resumo: em meio à crise do mensalão, perguntaram ao senador Jorge Bornhausen, do PFL, se ele não estava desencantado com a situação política do país. "Desencantado? Pelo contrário. Estou é encantado, porque estaremos livres dessa raça pelos próximos trinta anos", respondeu Bornhausen, num desabafo que se mostraria otimista demais em relação ao PT. Tomado de ímpetos de presidente de diretório acadêmico (coração de estudante pode ser um perigo), Sader escreveu um artigo no site da Agência Carta Maior, no qual chamou o senador de "racista" e "assassino", entre outras amabilidades. Bornhausen, então, o processou por injúria. No fim de outubro, o sociólogo foi condenado a um ano de detenção em regime aberto e a perder o cargo de professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Por ser réu primário, a pena foi convertida pelo próprio juiz em serviços comunitários. Comunitários, não comunistas, o que deverá ser um pouco mais complicado para o réu, caso ele seja obrigado a cumpri-la.

Como não estamos em Cuba, Sader, é claro, pode recorrer da sentença em primeira instância. Mas seus amigos e colegas de partido, para gáudio e orgulho do próprio interessado, partiram para a pressão sobre a Justiça, na tentativa de reverter a decisão no grito. Lançaram um manifesto com milhares de assinaturas e andam a escrever artigos indignados, numa prova impressionante de como essa raça tem tempo ("raça" na acepção nove do Aurélio, bem entendido, a mesma usada por Bornhausen). A balbúrdia, porém, acabou trazendo à luz um episódio que macula a biografia do mártir da sociologia petista-fidelista. Ele foi revelado na semana passada pelo editor da Folha de S.Paulo Fernando de Barros e Silva e esmiuçado pelo blog de Reinaldo Azevedo. O episódio contrapõe Sader a um ícone da esquerda nacional, César Benjamin, candidato a vice-presidente na chapa da senadora Heloísa Helena. Benjamin acusa Sader de superfaturar um livro financiado por uma instituição alemã, em 2004.

As marcas da história são as seguintes: Benjamin recebeu uma verba generosa – 100 000 euros – da Fundação Rosa Luxemburgo, dedicada à divulgação internacional do "socialismo democrático". Encaminhou metade do dinheiro ao MST e empregou o resto em um projeto de pesquisa e análise da economia e da política brasileiras. Convidou Sader e sua equipe do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro a participarem do projeto. Aí surgiram os problemas: bem treinado nas artes do bolchevismo, Sader acabou tomando o lugar de Benjamin na coordenação do projeto. Quando surgiu a idéia de publicar um livro coletando as análises do grupo, com o título Governo Lula – Decifrando o Enigma, o sociólogo teria escanteado a editora Contraponto, de Benjamin, para abrir uma licitação fajuta na qual venceu a Boitempo, editora de sua namorada, Ivana Jinkings, que levou perto de 30.000 reais para fazer um livro que não custaria mais de 10.000. Houve inflamadas trocas de e-mails. Num deles, endereçado a Ivana, Benjamin escreveu: "A licitação que você e Emir aprontaram foi uma fraude montada para desviar recursos da Fundação. Qualquer averiguação mostrará isso sem dificuldade. Tenho comigo a mensagem em que Emir combina com você a fraude". E tem mesmo: Sader mandou por engano uma cópia do e-mail comprometedor para Benjamin. O qüiproquó, por iniciativa de Ivana e testemunho de seu namorado, foi parar na Justiça – a Justiça burguesa que condenou Sader.

"Qualquer um que passe os olhos pelos textos preparados por Emir Sader poderá reconhecer sem dificuldades que eles transitam da nulidade à insignificância. Alguns, por excesso de raquitismo, chegam a ser ofensivos à inteligência alheia", escreveu Benjamin em outro e-mail. Entrevistado por VEJA, ele contou mais: "Certa vez, ao editar um texto do Emir, eu deparei com o nome de Getúlio Vargas escrito com "lh". Não uma ou duas vezes, mas mais de dez. Não era erro de digitação. Fico imaginando se o texto fosse sobre Juscelino Kubitschek. Ele ia precisar de um pós-doutorado só para escrever isso certo". Ou seja, a julgar pelo relato do desafeto de Sader, caso o mártir sociólogo se veja obrigado a abandonar a universidade, o ensino público superior dará um salto qualitativo.

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