Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 03, 2006

Míriam Leitão - No país de Evo


Panorama Econômico
O Globo
3/11/2006

Negociar com o governo de Evo Morales tendo do outro lado da mesa um americano, de nome George, e um mexicano, Eloi Barbará, é bem esquisito. Mas mais esquisito é gostar disso. Para a Petrobras, foi um alívio a chegada dos profissionais de negociação contratados pelo governo boliviano porque apressou o que estava emperrado. O decreto de Morales dava seis meses para a negociação, mas tudo acabou acontecendo em uma semana muito tensa, quando o Brasil se preparava para votar.

Tudo continua difícil por lá. Só no dia 13, o contrato vai ser enviado ao Congresso boliviano. Não se sabe ainda se o Congresso irá alterá-lo ou apenas referendá-lo. Ainda tem a Constituinte, com poderes de alterar todas as leis. Então, pode-se dizer que se vive num vácuo jurídico?

- Vivemos um vácuo jurídico desde 2005. Havia uma lei que foi alterada em 17 de maio de 2005, aumentando de 18% para 50% o total de impostos e royalties, que teria de ser regulamentada em 6 meses. Vencido o prazo, o presidente Eduardo Rodriguez comunicou que não havia sido possível cumprir o cronograma e, por uma resolução administrativa, continuamos operando como dizia a lei. Em 1º de maio, o presidente Evo Morales baixou o Decreto Supremo estabelecendo o pagamento de 82% como royalties e impostos por 6 meses. O prazo venceu agora e foi assinado o contrato que tem de passar pelo Congresso - diz o presidente da Petrobras Bolívia, José Fernando de Freitas.

Nesses tempos de oscilação dos impostos de 18% para 50% para 82% - ou, na versão do contrato que é 50%, e a divisão do lucro com a YPFB - foram sepultados planos e investimentos.

- Tínhamos projetos ambiciosos para a Bolívia: o pólo gás químico na fronteira, que estava previsto em US$1,5 bilhão; aumentaríamos o investimento em exploração e produção, porque já tínhamos feito uma licitação em que a demanda futura de gás ficou em mais 15 milhões de metros cúbicos/dia, para isso teria que ser construído um novo gasoduto; e mais um gasoduto Bolívia-Argentina a ser construído por um pool de empresas: Petrobras-Total-Techint-Repsol. Tudo estava em carteira quando houve esse tremor no marco regulatório - conta o presidente da Petrobras Bolívia.

Os projetos eram conectados. Para fazer o pólo gás químico, teria que haver demanda para o gás. Uma coisa viabiliza a outra, pois o pólo usa só as partes pesadas do gás para transformar na usina petroquímica. Havia a demanda pelo gás e pelos produtos químicos, interesse dos investidores, até que o governo Morales decidiu mudar as regras do jogo. Tudo isso é ruim para o Brasil, mas é péssimo para a Bolívia. Nós estamos com um problema de curto prazo, a Bolívia está perdendo seu futuro.

O contrato que a Petrobras assinou obriga a estatal brasileira a investir? Freitas diz que não. Tudo dependerá do fim de tanto impasse. A Bolívia precisa desesperadamente de investimentos. A capacidade máxima de produção hoje lá é de 41.000.000 m³/dia. O acordo com o Brasil é para oferecer 30 milhões; o consumo interno é de 5 milhões; o acordo com a Argentina é para fornecer 7,7 milhões já, e, em 2008, 16 milhões, para depois chegar a 20 milhões. Para atender só à Argentina, a Bolívia precisa de US$3 bilhões de investimento, informa um especialista, que quer saber:

- De onde virá esse dinheiro?

Qual é efetivamente a segurança de se investir num país cujas regras podem mudar de forma tão drástica e tão bruscamente?

- Esse é o ponto. Isso sempre estará na nossa cabeça - admite Freitas.

A imprensa tem falado de vários pontos nebulosos do acordo. Um deles é o foro para a solução de controvérsias. Freitas conta que a Bolívia queria que constasse do acordo que as empresas estrangeiras abririam mão de qualquer recurso internacional, mas que, na última hora, isso foi retirado. A Petrobras diz que nada mudou do que era antes. Numa nota divulgada na entrevista do presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, ficou dito que "permanece o direito de recorrer ao poder judiciário na Bolívia. Solução de conflitos: busca de solução amigável; ou arbitragem de acordo com a lei boliviana (sede La Paz), e conforme os procedimentos e regulamento da Câmara de Comércio Internacional - CCI (sede Paris)."

Lei boliviana, Justiça boliviana e em La Paz, mas com regras internacionais. Que garantia tem isso? Freitas diz que, pelas regras, tem de haver, em cada caso, três juízes: um escolhido por cada uma das partes e um de comum acordo.

- Além da garantia dada pelo acordo de proteção de investimento, assinado entre o Brasil e a Holanda.

A Holanda entra na história, porque a empresa que é dona dos negócios na Bolívia é a Petrobras da Holanda. Por razões administrativas e fiscais, a Petrobras tem em outros países sedes para responder por suas 90 empresas externas. Brasil e Bolívia não tem acordo de proteção de investimento, mas, com a Holanda, a Bolívia tem.

Precisa ser negociado ainda o preço do gás. No dia 10, acaba o terceiro prazo fatal dado 135 dias atrás para se chegar a um acordo. O Brasil alega que, desde 96, quando foi estabelecida a forma de reajuste, o preço já subiu 400%. Além disso, precisa ser negociada a indenização pelo confisco das refinarias. Muita confusão pela frente entre Brasil e Bolívia.

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