Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 02, 2006

Meta de crescimento, novo fetiche? Rolf Kuntz*



Está relançado o debate sobre as metas de crescimento, proposto há tempos pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, e agora retomado pelo professor da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda, diretor de Economia do Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). Segundo ele, o governo deveria produzir um plano de desenvolvimento e tomar como objetivo uma expansão econômica de pelo menos 5% ao ano, indispensável para a criação de um número suficiente de empregos. A adoção do plano e a fixação da meta não criariam, argumenta Lacerda, problemas para as políticas de câmbio, de juros e de ajuste fiscal. O 'modelo atual', afirma o economista, 'está esgotado'. Na tradução mais favorável, a proposta pode ser simples manifestação de bom senso: é preciso fixar um objetivo razoável, identificar obstáculos, desenhar uma estratégia e cuidar da execução. É o sentido mais comum de planejamento. No Brasil, foi parte da concepção de governo durante décadas e produziu resultados apreciáveis. Nos últimos 60 anos, a modernização brasileira resultou, em boa parte, da execução de bons planos, alguns muito amplos, outros setoriais. Essa prática foi gradualmente esquecida a partir dos anos 80 e o Brasil pagou caro por isso. O planejamento, segundo Lacerda, não é incompatível com a globalização. Pode-se dizer mais: planejar é tão necessário quanto noutros tempos, com algumas diferenças importantes. Há uma nova divisão de funções entre setor público e setor privado e a dimensão internacional dos problemas tem muito mais peso. Mas parece haver algo mais nas palavras de Lacerda. O 'modelo esgotado', segundo ele, tem um defeito: o foco numa única meta, a de inflação. Em primeiro lugar, a noção de modelo, usada por ele e por outros críticos da política econômica, está deslocada. Não houve uma escolha intencional de uma única meta. Houve, sim, um desnível de competência entre diferentes áreas da política econômica. Para o combate à inflação, escolheu-se um método: fixado um objetivo, o Banco Central usou o instrumental disponível - basicamente a taxa de juros - para alcançá-lo. Deu certo. Quanto à ambição de crescimento econômico, nunca foi realmente secundária. O problema foi outro. Nunca houve, de fato, o planejamento necessário, nem se forjaram os meios necessários para obter uma expansão na faixa de 4% a 5%. A política industrial nunca decolou, as medidas tributárias foram descontínuas e pouco articuladas. Nada ou quase nada se fez para ampliar os investimentos na infra-estrutura. Faltou comando para a definição de objetivos e de meios. Disso resultou uma porção de impasses. O governo precisava de capitais privados, mas foi incapaz de implantar as parcerias público-privadas. Aparelhou e enfraqueceu as agências reguladoras. Perdeu-se em conflitos internos, enquanto os problemas se acumulavam. Não foram fixadas prioridades para as políticas industrial, agrícola e tecnológica. Não se tomaram de forma clara as decisões difíceis sobre alocação de recursos. Gastou-se um dinheirão com uma política agrária inepta e se deixou a agricultura afundar na crise. O nome correto para essas trapalhadas não é 'modelo'. É incompetência. Como essas falhas nunca foram reconhecidas, o baixo crescimento foi sempre atribuído às políticas de juros e de contenção de gastos públicos. Metas para o PIB foram propostas como contraponto às políticas de estabilização. Para o País crescer, seria preciso aceitar uma inflação 'um pouco' maior e um superávit primário menor. Nessas condições, explicitar metas de crescimento seria um mero exercício de pensamento mágico. É inútil fixar um objetivo de expansão do PIB, quando não se definem com clareza os meios necessários e não se tomam as decisões politicamente custosas. O resultado teria sido apenas uma combinação de contas públicas mais desequilibradas e inflação maior. 'Metas', nesse caso, seriam apenas mais um fetiche. Então, por que não tomar como objetivo um crescimento de 8% ou 12% ao ano? O resultado seria o mesmo e sempre se poderia jogar a culpa nos maus espíritos da globalização. Há uma pauta de tarefas importantes para os próximos quatro anos. Se essa pauta for cumprida, a economia poderá crescer mais velozmente, mesmo sem a definição numérica de um objetivo. Se não forem, a escolha da meta será inútil. A sugestão de Antonio Corrêa de Lacerda parece, a um primeiro exame, mais sensata do que isso. Nesse caso, vale apenas desenvolvê-la a discuti-la, acentuando a idéia de planejamento e dando menos atenção à palavra 'meta' e à sua ressonância mágica.

*Rolf Kuntz é jornalista

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