Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 02, 2006

CELSO MING Sobre cabos eleitorais

celso.ming@grupoestado.Com.Br

É provável que a principal conseqüência da entrevista que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, deu ontem ao jornal O Estado seja a de que os políticos finalmente entendam que inflação no chão tem mais impacto eleitoral do que aumento do emprego (mais crescimento econômico).

Nem bem tinham sido apurados os votos, a comissão de frente petista dos coveiros do Palocci (os ministros Tarso Genro, Dilma Rousseff, Guido Mantega e o presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia) saiu ao ataque, proclamando o 'fim da era Palocci' e a necessidade da derrubada dos juros a qualquer preço e, para isso, a do desmonte do Banco Central.

A melhor resposta que Meirelles poderia ter dado foi a que deu. Mostrou que, apesar de tudo, a política de juros foi um dos principais cabos eleitorais do presidente Lula. 'Ficou demonstrado nestas eleições que o controle da inflação é um objetivo extremamente popular. Este não é um trabalho solitário do Banco Central. Nisso está fortemente apoiado pela população', disse Meirelles.

É inacreditável que o PT em peso e milhares de outros políticos não se tenham dado conta do apelo eleitoral e do forte impacto político de uma inflação nocauteada. Precisou o presidente Lula enquadrar seus rebeldes para lembrá-los de que a política econômica é dele e não de quem sejam os plantonistas da hora no Ministério da Fazenda e no Banco Central.

Durante muitos anos no Brasil, a percepção prevalecente foi de que a inflação tinha apelo popular na medida em que polpudos mas ilusórios reajustes salariais passavam a sensação de aumento de renda. Além disso, a correção monetária paga na caderneta de poupança e nos títulos de renda fixa dava ao aplicador a falsa idéia de que seu patrimônio engordava na maior moleza.

Foi, pela primeira vez, no Plano Cruzado, com o congelamento de preços e o aparecimento dos fiscais do Sarney, que as elites entenderam que inflação dominada é excelente mobilizador político. Foi nas eleições de 1986, realizada sob o signo do 'Cruzado 2' e do congelamento de preços, que foi cunhada a expressão 'estelionato eleitoral'. Designava uma situação de estabilidade artificial de preços, manipulada para garantir resultados eleitorais. Mas já incorporava a idéia de que baixa inflação garante retorno político.

Em 1994, o PT em peso cometeu o mesmo erro no qual reincide hoje. Não deu nenhuma importância política à derrubada da inflação deflagrada pelo Plano Real. Ao contrário, ridicularizou a chegada da URV e a estratégia estabilizadora do ministro da Fazenda na época, Fernando Henrique Cardoso. O primeiro a dar-se conta de que o povão adorou o Real, em julho daquele ano, foi o então candidato Lula. Foi quando concluiu que seria derrotado nas urnas. Em compensação, aprendeu a lição a que depois deu valor.

Há dois anos, o então candidato à Prefeitura paulistana, José Serra, teve a coragem de reconhecer que uma política consistente de derrubada da inflação produz mais apelo eleitoral do que uma política de aumento do emprego. E o presidente Lula, contra as pressões de mais da metade do seu ministério e do PT em peso, sustentou praticamente sozinho a política de controle da inflação, com os resultados eleitorais agora visíveis, embora ignorados pelo cordão petista já apontado.

Toda campanha eleitoral tem seus símbolos. A que terminou sábado tem dois: o arroz Tio João e o saco de cimento (não importa a marca). Desses dois, apenas o arroz teve algo a ver com a política monetária, na medida em que a queda dos preços dos alimentos está relacionada à escorregada das cotações do dólar no câmbio interno. Os preços do cimento caíram quase à metade em quatro anos por simples aumento da oferta, dada a excessiva capacidade ociosa do setor.

Esses dois produtos ajudaram a consolidar a sensação no coração do povo de que a política econômica do presidente Lula melhorou substancialmente seu padrão de vida.

É verdade que faz sentido discutir qual foi o principal agente da derrubada da inflação: se foram os juros altos ou se foi o mergulho da cotação do dólar. No entanto, ainda que se pretenda dar ao câmbio uma ação independente sobre a queda de preços, não dá para negar que as restrições monetárias (juros altos) e a convergência das expectativas para as metas de inflação tiveram enorme papel nesse processo.

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