Nada mais simbólico dos dias que vivemos do que a imagem do AeroLula alçando vôo para levar o presidente, seus parentes e amigos para o descanso do feriadão em uma praia particular da Marinha na Bahia, enquanto nos aeroportos de todo o país milhares de brasileiros comuns, provavelmente a maioria deles eleitores de Lula pelo menos no segundo turno, se espremiam na tentativa vã de voltar para casa, ou de também aproveitar o feriadão. No texto do jornalista americano Jack Anderson que citei ontem sobre a liberdade de imprensa, há um trecho em que fala sobre as regalias dos presidentes, que os afastam dos cidadãos comuns: “(...) Cercas altas, patrulhadas por homens armados, e complexos dispositivos eletrônicos mantêm o presidente alheio à realidade.
Limusines à prova de balas transportam-no pelas estradas.
Há sempre helicópteros prontos para transpor os congestionamentos de tráfego, que irritam a maioria da população. (...)” O presidente Lula, no pleno uso de suas prerrogativas, conseguiu salvar o AeroLula da “sanha privatista” de seu adversário e faz bom uso dele, deixando para trás, no entanto, um simbólico gesto de desprezo pelos demais cidadãos que, graças ao apagão aéreo produzido pelo seu governo, viveram dias de horror nos inúteis aeroportos remodelados do país.
Bastou a propaganda eleitoral sair do ar para que o país que estava “todo arrumadinho para crescer” mostrasse sua verdadeira face. O espetáculo do crescimento não virá sem os investimentos na infra-estrutura do país, e não adianta mostrar diversos aeroportos novinhos em folha, se não há estrutura, nem humana nem tecnológica, para fazê-los operar.
Quando o jornalista americano que viajava no Legacy que se chocou com o avião da Gol, matando 154 pessoas, escreveu no “The New York Times” que o sistema de controle de vôo na Região Amazônica era falho, nosso patriotismo aflorou logo, e vieram desmentidos de todos os lados.
O fato é que descobrimos agora, graças à operação padrão dos controladores de vôo, que o sistema é precário mesmo, opera com deficiência de homens e equipamentos, tem zonas cinzentas em que os radares não funcionam a contento, e todos nós que viajamos de avião corríamos perigo há muito tempo.
O apagão aéreo que marcará indelevelmente o governo do presidente Lula, assim como o apagão de energia de 2001 marcou o de Fernando Henrique, ocorreu por falta de investimento, e é um exemplo gritante do que vai pelos meandros de um governo que só é eficiente na propaganda eleitoral.
Propaganda essa, diga-se de passagem, tão enganosa quanto eficaz, pois foi durante sua exibição no horário gratuito do rádio e televisão que os índices de aprovação do governo Lula aumentaram, como se ninguém tivesse notado tanta coisa boa que aconteceu no país nos últimos quatro anos.
Quando o candidato tucano Geraldo Alckmin disse que, se Lula ganhasse, seu governo nem começaria, tentaram compará-lo ao antigo líder udenista Carlos Lacerda, que certa vez disse que Juscelino não poderia ser candidato à Presidência, se fosse candidato não venceria, e se vencesse não deveria tomar posse.
Alckmin não tem, nem de longe, o brilho nem a agressividade de Lacerda, e tinha um objetivo bem menos contundente com a sua frase.
Queria dizer que, com os processos que existem contra o presidente Lula, ele poderia ter impugnada sua candidatura pelo Tribunal Superior Eleitoral antes mesmo de assumir seu segundo mandato.
Essa possibilidade, embora seja real, é bastante improvável diante do clima de “oposição propositiva” adotado pelo PSDB devido à vitória acachapante de Lula no segundo turno. Os processos correrão normalmente e, se o ambiente político continuar estável como agora, provavelmente o TSE não terá clima político para ser mais rigoroso do que a oposição.
A culpa pelo dossiê não será atribuída à campanha de reeleição do presidente, mas à ação individual de alguns “aloprados”, e estará superada mais essa crise. Mas o PT continua empenhado em desestabilizar o ambiente político, e parece que quem está querendo mesmo um “terceiro turno” são os petistas.
Abriram uma guerra contra a imprensa que está longe de terminar, e, no plano interno, já se engalfinham em disputas pelo poder que podem dificultar as negociações com os demais partidos aliados. A verdade é que o PT continua disposto a não abrir mão de nacos de poder para dividi-lo, especialmente com o PMDB, que saiu das urnas mais parrudo do que nunca, com as maiores bancadas da Câmara e do Senado e o maior número de governadores.
Foi por abrir mão do PMDB no seu primeiro Ministério que o presidente Lula acabou tendo que cooptar os pequenos partidos para montar sua base política. Foi numa briga assim, pelo domínio da máquina dos Correios, que o PTB de Roberto Jefferson sentiu-se traído e acabou botando a boca no mundo, denunciando o esquema do mensalão.
Foi também por uma disputa pela presidência da Câmara que o PSDB atropelou o PFL e elegeu Aécio Neves para o lugar que estava prometido ao então pefelista Inocêncio de Oliveira, abrindo caminho para desfazer a aliança política que levara Fernando Henrique ao poder e que, em 2002, não deu suporte à candidatura de José Serra.
Foi também na disputa pela presidência da Câmara que o PT se dividiu a tal ponto que abriu passagem para a eleição de Severino Cavalcanti.
O PT, recuperado do susto e vendo que não sofreu tanto quanto se previa devido a todos os escândalos em que se envolveu, já volta a se sentir dono do terreiro governista, e a exigir mudanças no rumo, especialmente na política econômica. Pelo visto, vamos ter mais do mesmo neste segundo mandato, que nem bem começou e já parece desgastado pelos problemas de sempre.
Entrevista:O Estado inteligente
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