Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, novembro 20, 2006

Celso Ming - O Sebastião errado

Celso Ming - O Sebastião errado


O Estado de S. Paulo
18/11/2006

Até para criticar a política econômica e a mediocridade do crescimento econômico brasileiro é preciso examinar com cuidado as estatísticas que o IBGE divulgou ontem sobre a situação do comércio varejista.

Os números não mentem. Em setembro, as vendas ao consumidor saltaram 10,1% quando comparadas com as de setembro do ano passado; 5,8% no acumulado de janeiro a setembro sobre igual período do ano anterior; e 5,5% se considerado o período de 12 meses terminado em setembro. Por aí se vê que, neste ano, o consumo está avançando entre 5% e 6%, graças ao aumento do salário, do poder aquisitivo e do crédito a pessoas físicas que, apenas nos bancos, cresce a 26,5% em 12 meses, terminados em setembro.

Com base nessas estatísticas e no que já se sabe, dá para tirar pelo menos cinco conclusões: (1) que o consumo cresce bem mais do que a produção, que se arrasta a 3%; (2) se avança 5,5% ao ano, não há nada de especialmente errado tolhendo o avanço do mercado consumidor; (3) mesmo levando em conta que continuam os mais altos do mundo, os juros básicos não estão emperrando o avanço da demanda; (4) se a produção industrial está andando de lado, são obviamente as importações que estão complementando a oferta que se expande; e (5) não fosse o dólar barato que, por sua vez, garante preço baixo para as importações, o descolamento entre consumo e produção já estaria produzindo inflação.

Vamos convir em que os juros têm de baixar. E, também, em que não será a derrubada dos juros que vai garantir o crescimento econômico. Se já não estão inibindo o avanço do mercado interno (consumo), também não estão emperrando a produção.

Alguém poderá contra-argumentar que o importado está tomando fatias internas do mercado porque a indústria brasileira está perdendo competitividade. E isso é assim porque o câmbio está fora de lugar e o produto importado está chegando barato demais aos portos nacionais. Se isso explica tudo, então o aumento das importações tem seu lado bom na medida em que ajuda a aumentar a demanda por dólares (para pagar o fornecedor externo), o que, por sua vez, tenderá a ajustar o câmbio.

Na realidade, o câmbio baixo explica apenas um pedaço da verdade. O importado chega mais barato ao consumidor brasileiro do que o produto nacional por um punhado de razões e não só por força de um câmbio baixo. O produto importado em geral incorpora mais tecnologia e, nessas condições, tende a ser mais "moderno". E é fabricado num ambiente econômico que leva uma carga muito mais leve de impostos, juros quase simbólicos e custos mais baixos de infra-estrutura.

Assim, outra vez, vamos desembocar no alto custo Brasil, que tem a ver com a gastança do setor público brasileiro, que arrasta uma dívida asfixiante, tem de praticar juros altíssimos, cobra os impostos do olho da cara, que não deixam nada para o investimento, e que, por tudo isso, trava o crescimento.

No momento, os críticos da política econômica estão usando os juros como tábua preferencial de tiro ao alvo. Tudo de ruim está, segundo eles, concentrado no Banco Central, no Copom e, obviamente, no jogo das elites rendeiras. Pois bem, os juros vão continuar caindo e talvez chegue o dia em que as pessoas vão entender que estavam flechando o Sebastião errado.

Um dos economistas brasileiros que mais se tem notabilizado pelas críticas à atual política econômica, o professor Luciano Coutinho, da Unicamp, reconheceu em artigo publicado ontem no jornal Valor que a derrubada dos juros, por si só, não será a solução. "Mesmo se, de forma voluntarista, em 2007 os encargos de juros da dívida pública pudessem ser reduzidos à metade (dos atuais 7,5% do PIB para 3,75% do PIB), isso apenas diminuiria a necessidade do Tesouro de contratar dívida nova, mas não propiciaria folga fiscal para despender em investimentos."

Coutinho desemboca no mesmo diagnóstico feito pelos economistas conservadores. Se o País pretende crescer tem de cuidar, primeiramente, de cortar despesas correntes do setor público, reformar a Previdência, reduzir a carga fiscal do setor produtivo e, é claro, reduzir os juros.

De todo modo, já seria um progresso enorme se os analistas se perguntassem por que o consumo cresce a quase 6% ao ano e, no entanto, a produção vai ficando tão para trás.

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