Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 01, 2006

Presidente paizão

Brasil S.A


Correio Braziliense
1/6/2006

Afago de Lula incha folha do funcionalismo em até R$ 9 bi, com o Judiciário, e estoura orçamento

O reajuste rotineiro dos salários do funcionalismo público é de direito, assim como na iniciativa privada, se há perdas frente à inflação e ganhos de produtividade a distribuir. Tais quesitos são questionáveis nesta megasafra de aumentos anunciada pelo governo.

A quatro meses da eleição a que concorre sem ainda formalizar que é candidato, o presidente Lula assinou a primeira das seis medidas provisórias com aumentos salariais a todo o quadro de servidores federais até agora não contemplado, inclusive dos militares, além de vantagens para algumas categorias. Fica difícil não captar na decisão a visível intenção de agradar os sindicados de servidores com fins eleitoreiros, embora alguns não se dêem por satisfeitos.

Em quatro anos de mandato, a folha de salários com encargos, mas sem incluir a contribuição previdenciária da União, saltará de R$ 71,8 bilhões para R$ 105,1 bilhões, conforme prevê o Ministério do Planejamento, já incorporando o efeito da baciada de aumentos. É uma projeção provavelmente subestimada devido às isonomias.

O aumento nominal será de 46,3%, ou 13,5% real, descontando-se a taxa de inflação acumulada nestes quatros anos, prevista em 29%. É difícil encontrar na iniciativa privada algum setor atendido com aumento real dessa grandeza. Na mediana das negociações salariais acompanhadas pelo Dieese, o órgão de estudos dos sindicatos, os acordos mais freqüentes desde 2002 só repuseram as perdas e mais aumento real de 1% a 2% acima do INPC.

O aumento da folha da União também cresceu pelas contratações de servidores nesta administração. Foram abertas nada menos que 82 mil vagas por concurso, afora os cargos comissionados preenchidos habitualmente por indicação política, interrompendo a tendência de queda do quadro de funcionários desde 1995. O governo FH lançou mão da contratação de terceirizados, sobretudo para administração e serviços gerais, e deixou de preencher vagas por aposentadoria.

A intenção era clara. Primeiro, priorizar a contratação para as funções típicas de Estado, onde estão as maiores carências tanto de gente como de aptidão profissional. É o caso das carreiras mais nobres, como de advogados, engenheiros, auditores e policiais. O segundo objetivo era cortar despesas, dada a situação deficitária das contas públicas, e minimizar o passivo de pessoal, já que o servidor concursado tem estabilidade vitalícia e se aposenta em condições gravosas para a Previdência oficial.

Sucateando o caixa
Lula reverteu esta tendência, sob o entendimento de que o Estado estava sucateado. Em seu governo, pelos dados do Planejamento, o quadro de pessoal incorporou mais 22,7 mil contratados, excluindo os servidores que se aposentaram e os terceirizados substituídos. As contratações impactam as despesas com a folha, mas nem por isso minimizam a constatação de que os novos aumentos distanciam ainda mais os salários médios pagos pelo setor público em relação ao mercado privado. No executivo, a média salarial antes da correção era de R$ 3.389,79, segundo cálculos oficiais. No Legislativo, R$ 9.917,59. No Judiciário, R$ 9.113,93. O Ministério Público, então, pratica salários médios de 1º mundo: quase R$ 12 mil.

O diretor da Faculdade de Economia da FGV-SP, Yoshiaki Nakano, a partir de sua experiência como secretário da Fazenda de São paulo, não tem dúvida em afirmar que não há, no serviço público, nenhuma categoria com salário médio menor que na iniciativa privada. Além disso, são crescentes as distorções, como revela estudo de Marcos Mendes, consultor de Economia do Senado. Enquanto um servidor de nível médio da Polícia Federal recebe R$ 7,2 mil, um médico que trabalhe 40 horas em hospital público recebe R$ 3,8 mil. Também há desequilíbrios entre carreiras equivalentes. Um médico perito do Ministério do Trabalho ganha 49% mais que seu colega do Ministério da Saúde para uma mesma jornada de trabalho.

Virão mais impostos
Ao todo, a liberalidade do governo vai custar mais R$ 8,7 bilhões a R$ 9 bilhões de gasto com folha no orçamento da União, computando o que pede projeto de lei do Supremo Tribunal Federal para o Judiciário: reajustes de 70% a 114% para o quadro administrativo, num total de R$ 5,2 bilhões. Porteiro de tribunal ganhará mais que um professor da rede pública. Assim, e la nave va. E mais impostos logo virão.

É certo que a generosidade de Lula seria menor se ele próprio não tivesse dúvida de sua reeleição, ao final de 2005, quando liberou a ministra Dilma Rousseff, com apoio do então presidente do BNDES, Guido Mantega, a mirar abaixo da linha do casco o plano defendido por Antonio Palocci e paulo bernardo, titular do Planejamento, de redução progressiva do gasto público. Foi a senha para que a ala sindicalista do governo combinasse o reajuste salarial em massa com as lideranças do funcionalismo representadas pela CUT, ligada ao PT, cujas bases sofrem o assédio da central rival Conlutas, do PSTU, e do PSol, da senadora Heloisa Helena.

Em ano eleitoral, decisões contrárias à boa gestão só divergem, de um governo para outro, na intensidade, já que todos se servem do Estado para cooptar adesões. A situação de impasse fiscal a que se chegou no país, porém, forçará o próximo presidente, talvez o próprio Lula, a ter de buscar de volta parte das bondades agora distribuídas, sob pena de lhe faltar caixa para apenas respirar. Os excessos somente acentuam a necessidade do choque fiscal.

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