Não causou surpresa o que disseram o presidente do PT, Ricardo Berzoini, e o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia. Falaram que são contrários à concessão de autonomia legal do Banco Central em um eventual segundo governo Lula. Berzoini aproveitou para sair com um disparate institucional. Para ele, a autonomia significaria "retirar o Banco Central do controle democrático do Legislativo". Seria o contrário.
Mais uma vez, a ideologia e a desinformação turvam a capacidade de muitos petistas de entender certas realidades. Em seu benefício, pode-se dizer que muitos intelectuais e formadores de opinião também defendem a subordinação do BC a políticas desenvolvimentistas do Executivo.
Esse padrão mental está defasado em mais de um século. A atribuição de autonomia a órgãos como o BC remonta ao final do século 19 nos países desenvolvidos, quando se tornou necessário distinguir organizações de governo daquelas de Estado. As primeiras seguem orientação do governo da hora, enquanto as segundas cuidam de políticas permanentes, de interesse geral.
Essas políticas têm a ver com a estabilidade da moeda, a preservação do sistema de pagamentos; o mercado acionário; a concorrência na economia; a regulação de setores como os de energia, transportes e telecomunicações; a supervisão das atividades ligadas à saúde e assim por diante.
Surgiram, assim, agências, entre elas o banco central, com a missão de conduzir tais políticas, dispondo de autonomia operacional para atingir objetivos determinados pelo poder político. Por exemplo, nos países onde vigora o regime de metas de inflação, o Executivo determina a meta e o BC tem autonomia para persegui-la.
A contrapartida da autonomia é a "accountability", a prestação de contas e a transparência. A lei obriga a divulgação de relatórios e o comparecimento ao Congresso para explicar o andamento das políticas.
Nas democracias maduras, a autonomia nasceu naturalmente. Na União Européia, até os anos 1990, fora o caso alemão, a autonomia dos bancos centrais ocorria só na prática. Diretores podiam ser demitidos, mas isso nunca ocorria devido os respectivos custos políticos. No Reino Unido, a autonomia formal (1997) foi um gesto simbólico do primeiro-ministro Tony Blair, para demonstrar que os trabalhistas haviam mesmo abandonado as velhas idéias. Nos demais países, a formalização decorreu do advento da moeda única, o euro, e da criação do BCE, nos termos do tratado de Maastricht (1992).
No Brasil, o BC tem gozado de autonomia na prática desde o governo FHC, malgrado as muitas trocas na diretoria. Vários estudos provam os benefícios dessa situação. A idéia não convence, todavia, os segmentos que gostariam de ver o BC recebendo ordens do Executivo para mudar juros e câmbio e assim "desenvolver" o País.
A autonomia legal dos bancos centrais também chegou à América Latina nos anos 1990, na esteira dos esforços para vencer a hiperinflação, da redemocratização e de avanços institucionais. Luís Jácome estudou 14 países da região e verificou que só em três não há autonomia: Brasil, República Dominicana e Guatemala. A lei não garante a efetividade da autonomia. Há casos em que o governo passa por cima, dá ordens ao BC e demite diretores, como na Argentina e na Venezuela.
Para funcionar, pois, não basta lei. A autonomia deve corresponder às crenças da sociedade e fazer parte do conjunto de instituições fortes, que criem incentivos à gestão macroeconômica responsável. Somente assim, sociedades intolerantes à inflação e mercados que funcionam podem inibir ações voluntaristas para mudar a política monetária, impondo custos políticos elevados aos seus autores.
Há fortes incentivos para que o próximo presidente proponha a autonomia legal do BC. Os benefícios serão enormes: aumento de confiança, redução mais rápida dos juros, economias fiscais e aumento do potencial de crescimento. O BC será tão autônomo como hoje, mas terá que prestar contas.
Se eleito, Lula tem tudo para adotar a medida, mesmo contra o seu partido. Não seria a primeira vez que contrariaria os petistas em questões dessa envergadura no front econômico. Lula parece ter mais neurônios do que os companheiros.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
domingo, junho 18, 2006
Mailson da Nóbrega Por que dar autonomia legal ao Banco Central
Estado
Arquivo do blog
-
▼
2006
(6085)
-
▼
junho
(525)
- A Parte e O Todo - Alô, Geraldo: cuidado com a arm...
- Folha de S.Paulo - Luís Nassif: A Varig e o caso C...
- Folha de S.Paulo - Rio de Janeiro - Nelson Motta: ...
- Folha de S.Paulo - Brasília - Eliane Cantanhêde: A...
- Folha de S.Paulo - Bielefeld - Clóvis Rossi: Manua...
- Folha de S.Paulo - Editoriais: De novo? - 30/06/2006
- Eleição polarizada Blog do NOBLAT
- Merval Pereira Caminho perigoso- Jornal O Globo
- João Ubaldo Ribeiro Überrauschungen?- Jornal O Globo
- Luiz Garcia A Copa dos doentes- Jornal O Globo
- Miriam Leitão Dia de alívio- Jornal O Globo
- Euforia nos mercados CELSO MING Estado
- Dora Kramer Alckmin pensa em ir à Copa- Estado
- EDIDORIAL Estado Lamentação de fachada
- O custo da irresponsabilidade EDITORIAL Estado
- O nosso indefeso presidencialismo Sandra Cavalcan...
- Folha de S.Paulo - Alckmin sobe 7 pontos, mas Lula...
- Folha de S.Paulo - Eleições 2006/Datafolha: Sem En...
- Um BC excessivamente neutro editorial
- O novo ponto fraco do Brasil artigo - Rolf Kuntz
- Jeitinho republicano Coluna - Carlos Alberto Sarde...
- Em busca de brechas na lei
- A 5ª Internacional Artigo - Demétrio Magnoli
- 'Assim não dá! artigo - José Carlos Cafundó
- "Cantar a gente surda e endurecida" Artigo - MARCO...
- Míriam Leitão - A bem da verdade
- Merval Pereira - Os donos dos ovos
- Luís Nassif - A Cteep e a luta da Cesp
- Eliane Cantanhede - "Os melhores"
- Dora Kramer - Um conto mal contado
- Clóvis Rossi - Onde acertamos e onde erramos
- Celso Ming - Melhoram os sinais
- Carlos Heitor Cony - Os caçadores de rolinha Folha...
- Com Lula, sem futuro Roberto Macedo Estado
- Ministro diz que se sentia enganado pelo presidente
- REINALDO AZEVEDO A Parte e O Todo: Lula conseguiu ...
- O arrombamento das instituições artigo - Marco Ant...
- Os protestos a favor e a missa macabra- Rodrigues ...
- ENTREVISTA / REINALDO AZEVEDO
- A Parte e O Todo: tentando negar-se, PSDB cai de b...
- Míriam Leitão - Dribles na lei
- Merval Pereira - Qual dos dois?
- Luís Nassif - Subsídios para uma política de segur...
- Fernando Rodrigues - O engavetador da Câmara
- Élio Gaspari - A demofobia ajuda Lula, como ajudou...
- Clóvis Rossi - "Overdose" e ridículo
- Carlos Heitor Cony - Trivial variado Folha de S. P...
- Celso Ming - Concentração da produção ESTADO
- Vidas salvas EDITORIAL Estado
- O 'faz-de-conta' do respeito à lei EDITORIAL Estado
- O caminho 'de las piedras' Luiz Weis Estado
- Tal candidato, tal eleitor José Nêumanne
- Os maomés vão à montanha Dora Kramer ESTADO
- Folha de S.Paulo - Eleições 2006/Presidência: Publ...
- PT Novo tesoureiro também tem complicações O Estad...
- Amigo de Lula pode ter empresa banida do Senado O ...
- PCC convoca reservas para guerra O Estado de S. Paulo
- Lula quer que Diogo esqueça o que ele disse Blog d...
- O discurso de Lula e os farsantes por REINALDO AZE...
- Merval Pereira - Começa o jogo
- O problema da Previdência Artigo - ALI KAMEL
- O desafio de Lula EDITORIAL O Globo
- Afinal, que Estado queremos? Josef Barat
- A banalidade do mal
- Celso Ming - Falta de confiança
- Míriam Leitão - Caminho da Índia
- Dora Kramer - O mapa da mina A regra da reeleição ...
- Clóvis Rossi - "Essa gente"
- Celso Ming - Falta de confiança
- Arnaldo Jabor - Há Lulas que vêm para o bem
- Luís Nassif - É a realidade, estúpido
- Eliane Cantanhede - Guerra de monarcas
- Clóvis Rossi - "Essa gente
- Carlos Heitor Cony - Ovo frito
- AUGUSTO NUNES SETE DIAS JB
- AUGUSTO NUNES O palanque dos irresponaáveis JB
- Tolerância à inflação editorial O Estado de S. Paulo
- Não são as metas, estúpido artigo - Carlos Alberto...
- Frouxidão fiscal artigo - Martus Tavares
- Flagrante da crise da Justiça editorial O Estado d...
- A recompensa artigo - Denis Lerrer Rosenfield
- Dinheiro do Fundef é o maior alvo de desvios Demét...
- Ex-dirigente do MLST ocupa cargo de R$ 4.998 no go...
- Folha de S.Paulo - Rio de Janeiro - Carlos Heitor ...
- Folha de S.Paulo - Brasília - Fernando Rodrigues: ...
- FRASES FH
- Folha de S.Paulo - FHC reage a Lula e diz que PT s...
- VEJA O juiz está de olho
- VEJA Lya Luft Ensaio sobre a amizade
- VEJA O pit stop da Pixar
- As guerras de Jennifer VEJA
- VEJA A maçã podre que ninguém quer ver
- veja Ele quer fazer escola
- VEJA Choque de realidade
- VEJA Roberto Pompeu de Toledo Dois Ronaldos e o pa...
- VEJA André Petry Moralismo de araque
- VEJA Os melhores reservas do mundo
- AUGUSTO NUNES LIZ TAYLOR QUASE FOI PRIMEIRA-DAMA-JB
- Fwd: FERREIRA GULLAR - O preço da fama
- O insubstituível dólar CELSO MING Estado
-
▼
junho
(525)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA