Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 17, 2006

Claudio de Moura Castro A idolatria do diploma

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"O próprio MEC é pródigo em prestigiar
diplomas e em desvalorizar a experiência
e a competência"

Na época em que era aluno de Mário Henrique Simonsen na pós-
graduação, seu nome já estava no catálogo de Harvard, como professor
visitante de economia. Paradoxalmente, era também aluno do 2º ano de
graduação em uma faculdade de economia (sem nenhuma distinção). Por
ser economista da Confederação Nacional da Indústria, sem ter o
diploma, o Conselho de Economia o obrigou a fazer o curso (não
assistiu a uma só aula). Se adotasse o mesmo critério, a Academia de
Ciências da Suécia não daria o Prêmio Nobel de Economia a Herbert
Simon e Daniel Kahneman, ambos psicólogos.

O diploma não passa de um atestado de que o seu portador cursou o
programa indicado e teria satisfeito requisitos formais. Não é nem
bom nem mau. Depende do uso dado a ele.

Nos casos benignos, oferece informações úteis. O diploma e sua
reputação informam a quem precisa saber. Pode atestar conhecimentos
específicos (o diploma de encanador do Senai atesta que praticou na
escola o que fará na minha casa). Em outros casos, é mais vago, por
exemplo: administrador, filósofo etc.

Para certas profissões, faz sentido que a lei exija o diploma, pois
protege consumidores indefesos. É o caso de profissões em que o erro
tem conseqüências graves (saúde, acidentes). Ou nas quais quem
contrata o serviço não está em condições de avaliar o profissional.
Nesses casos estão médicos e pilotos, em quem temos de confiar sem
dispor dos meios de checar seus conhecimentos. Mas quem contrata
engenheiros mecânicos ou administradores sabe avaliar competências,
portanto não precisa ser "protegido", sobretudo, por conselhos
interessados em restringir a oferta.

Nos casos mais malignos, assegura a reserva de mercado, impedindo o
trabalho de quem sabe mas não tem o diploma. Por exemplo:
Chateaubriand e Roberto Marinho não poderiam ser jornalistas hoje. Em
contraste, como a Constituição alemã garante a liberdade de
expressão, lá não se pode exigir diploma para ser jornalista.

Pela nossa Constituição, é o MEC que cuida dos diplomas requeridos
para ensinar nas universidades. Não obstante, os conselhos vêm
tentando usurpar tal prerrogativa, ilegalmente impondo exigências de
diplomas para a docência.

Se no mundo inteiro fossem recrutados os melhores professores de
administração, pela interpretação capenga do conselho, nenhum deles
poderia ensinar nas nossas faculdades, pois não são formados em
administração. Ou seja, os alunos estudam nos seus livros, mas eles
estariam proibidos de ensinar.

O próprio MEC é pródigo em prestigiar diplomas e desvalorizar a
experiência e a competência. Músicos como Villa-Lobos, Turíbio dos
Santos e Jacques Klein não poderiam ensinar em universidades. E
Portinari, que nem tinha primário completo?

Na UFRJ, um aluno brilhante de física foi mandado para o MIT antes de
completar sua graduação. Lá chegando, foi guindado diretamente ao
doutorado. Com seu reluzente Ph.D., ele voltou ao Brasil. Mas sua
candidatura a professor foi recusada pela UFRJ, pois ele não tinha
diploma de graduação. Luiz Laboriou foi um eminente botânico
brasileiro, com Ph.D. pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia
(Caltech) e membro da Academia Brasileira de Ciências. Mas não pôde
ensinar na USP, pois não tinha graduação.

A carreira dos pesquisadores glorifica as publicações e ignora por
completo as realizações no campo específico do trabalho profissional.
O engenheiro que salva uma empresa ou aumenta a sua produtividade não
verá sua carreira docente valorizada. Mas contará pontos um paper
publicado por um colega sobre o trabalho brilhante desse mesmo
engenheiro.

O contrato dos docentes das universidades federais impede o exercício
profissional. Se fosse respeitado, nossos futuros arquitetos
aprenderiam com quem não projeta, nossos engenheiros, com quem não
constrói, nossos médicos, com quem não clinica, nossos músicos, com
quem não toca nem compõe, e nossos advogados, com quem não freqüenta
tribunais.

Podemos e devemos fustigar os rábulas da nossa cartoriolândia. Se não
protestarmos, quem o fará? Mas eles são apenas beneficiários. No
fundo, a culpa é nossa, pois idolatramos os diplomas e deles somos as
vítimas.

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