Gabeira consegue criar a CPI das Sanguessugas
e mostra por que tem sido uma voz racional
no pântano de Brasília
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Julia Duailibi
Ana Araújo ![]() | |
| Gabeira hoje, em frente ao Congresso, e em duas fotos antigas, numa usando a famosa tanga lilás no Rio e, na outra, com a então mulher e as duas filhas: político contemporâneo de seu tempo | |
Sergio Berezovisky![]() | Nana Moraes ![]() |
O deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro, obteve, na semana passada, uma vitória quase pessoal. Depois de um mês na batalha, conseguiu arrancar a instalação da CPI das Sanguessugas, que vai investigar o envolvimento de dezenas de parlamentares com a compra superfaturada de ambulâncias. Em homenagem ao seu empenho, está cotado para ser o novo relator da CPI. É uma garantia de trabalho sério e competente. Esse mineiro de Juiz de Fora, que adotou o Rio de Janeiro em 1963, participou do célebre seqüestro do embaixador americano em 1969 e, uma década depois, causou furor ao desfilar em Ipanema com uma minúscula tanga lilás, tornou-se um exemplar de uma espécie cada vez mais rara no Congresso Nacional – a chamada "esquerda ética". Gabeira tem sido um bravo. Foi um dos pioneiros na debandada do PT, armou as barricadas para destituir Severino Cavalcanti do comando da Câmara e já criou uma frente para acabar com o voto secreto nas cassações, cujo objetivo é estancar a farra das absolvições, e outra para defender o Congresso e tirá-lo do pântano do mensalão.
Do passado de guerrilheiro urbano, que lhe valeu quase dez anos no exílio e empregos como maquinista de trem e jardineiro de cemitério, Fernando Gabeira guarda a contundência na defesa de seus pontos de vista. Suas intervenções são certeiras e desinibidas. "Vossa excelência é um bandidaço", disse, há duas semanas, do alto da tribuna, dirigindo-se ao deputado Natan Donadon, do PMDB de Rondônia, que já teve a prisão preventiva decretada e andou foragido. No ano passado, quando Severino Cavalcanti saiu em defesa dos mensaleiros, Gabeira, de dedo em riste, despejou-lhe um prognóstico fatal: "Vossa excelência está em contradição com o Brasil. Sua presença é um desastre para o Brasil. Ou vossa excelência fica calado ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo". Severino, atropelado por seu próprio mensalinho, caiu três semanas depois.
Fernando Paulo Nagle Gabeira, separado, pai de duas filhas – uma estudante de psicologia e a outra surfista profissional –, é um homem do seu próprio tempo. Apesar de ter passado parte de seu exílio em Cuba, Gabeira chamou Fidel Castro de "ditador" há três anos, ao criticar a perseguição aos intelectuais que se opunham ao governo cubano. "O Brasil tem uma visão nostálgica e romântica de Cuba", disse. Recentemente, condenou de pronto a baderna do MLST no Congresso, apesar de já ter sido colega de partido de Bruno Maranhão, o petista que liderou a arruaça. Gabeira começou a distanciar-se do ideário petista no fim dos anos 90, quando já tinha posições lúcidas e sensatas. Ele foi defensor do fim do monopólio das telecomunicações, que era um tabu para as esquerdas. Em 2003, saiu do PT, esse partido de "impostores históricos", "deslumbrados" e "emergentes", criticando o presidente Lula e o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Chamou o governo de "medíocre" e, cheio de premonições, muito antes da devastadora denúncia de Antonio Fernando de Souza, procurador-geral da República, Gabeira vislumbrou a existência de uma "quadrilha" no Palácio do Planalto. Diz ele, com a autoridade de quem foi de esquerda quando isso ainda fazia sentido – no século passado: "O ideal hoje é esquecer a esquerda e ver se é possível encontrar pessoas interessantes, de vários horizontes".
"Ele continua vanguardista, sem ser exótico", diz o deputado Chico Alencar, do P-SOL do Rio de Janeiro. "Gabeira é um dos deputados mais preparados do Congresso", concorda o deputado José Carlos Aleluia, do PFL da Bahia. Sim, Gabeira permanece na defesa das minorias sem voz e no combate ao preconceito. Defende a descriminalização da maconha, a legalização da prostituição, do aborto, do casamento gay. Na vida pessoal, com o passar do tempo, vem amenizando certos rigores. A bicicleta, seu antigo meio de transporte, foi trocada por duas motos, uma no Rio e a outra em Brasília. O vegetarianismo não é mais radical. Ele já come peixe e, de vez em quando, frango. Consome até açúcar, uma vez ou outra, na forma de uma barra de chocolate. A única coisa que parece não mudar é o seu hábito de eventualmente aderir a um cigarrinho proibido. "Vou parar quando fizer 60 anos", diz. Bem, Gabeira completou 65 anos em fevereiro passado.

