o globo
O mais provável é que não se aprove qualquer reforma eleitoral para vigorar nas próximas eleições. Por absoluta falta de unidade na base governista, mas, sobretudo, por falta de confiança entre os partidos para acordos políticos delicados como esses que tentam costurar de última hora. A proposta de aprovar reformas que só entrariam em vigor nas eleições de 2010 pode gerar uma baita confusão se reduzir as cláusulas de barreira.
Os partidos que disputarão as próximas eleições estarão sujeitos a exigências mais duras do que as que vigorariam em 2010, e certamente entrariam na Justiça para tentar garantir que essa redução já ocorra em 2006.
Está aí, talvez, a raiz dos desentendimentos entre os diversos partidos. Os quatro maiores — PT, PMDB, PFL e PSDB — já haviam feito um acordo para aprovar uma reforma política que não reduzisse as cláusulas de barreira, mas o PT rompeu o acordo por pressão dos partidos de sua base, à direita — PP, PL e PTB — e à esquerda — PCdoB e PSB.
Mais uma vez a pressão para a flexibilização das regras eleitorais tem a mesma origem, os partidos do mensalão retornados qual filhos pródigos ao lar petista, com força para exigir o cumprimento dos acordos que levaram à eleição de Aldo Rebelo à presidência da Câmara. E o próprio PCdoB de Aldo, agora em posição de força política para encaminhar acordos desse tipo.
Ainda tomando pé de seu novo gabinete e da nova residência — tende a não se mudar para a casa oficial do Lago Sul, que um amigo de seu filho achou parecida com "a casa do Big Brother" -— o deputado Aldo Rebelo garante que não moverá uma palha para ajudar o PCdoB, se seu interesse imediato não coincidir com o da maioria da Câmara. Ele reconhece que a base do governo não tem maioria para impor qualquer decisão, e espera atuar como um fator de equilíbrio que permita fazer a Câmara trabalhar.
Esse equilíbrio precário é que fará com que dificilmente se consiga um acordo que tenha o consenso dos partidos políticos, que têm interesses imediatos diferentes. Até mesmo no PFL há discordâncias quanto ao projeto apresentado pelo seu presidente, senador Jorge Bornhausen, para reduzir o custo das campanhas eleitorais, a maior preocupação de deputados e senadores. A diminuição do período de campanha eleitoral, cortado em um mês pelo projeto de Bornhausen, encontra sérias resistências na oposição.
O PSDB, por exemplo, não entende por que facilitar a vida do governo encurtando o período de debate político nos programas de rádio e televisão. Também a proibição de apresentar cenas externas nos programas de propaganda política não tem o apoio nem da oposição nem dos governistas. Os oposicionistas querem mostrar cenas das CPIs, por exemplo, e o governo quer poder mostrar as obras que realizou.
A falta de uma liderança política que possa atuar apartidariamente também prejudica a negociação, apesar do empenho de Aldo Rebelo para desempenhar esse papel. Ainda é muito recente o embate político que o elegeu com todo o empenho do Palácio do Planalto.
Além de todas essas dificuldades, existe também a questão legal, pois já expirou o prazo para mudanças na legislação. As interpretações mais estapafúrdias surgem para superar a restrição legal, como a que diz que as cláusulas de barreira têm a ver com o funcionamento interno dos partidos políticos, e não com a legislação eleitoral.
Uma consulta sobre a legalidade de alterar a constituição para ampliar o prazo para mudanças na legislação até dezembro será feita ao Tribunal Superior Eleitoral, mas dificilmente uma decisão do TSE dirimirá as dúvidas. O órgão correto para esclarecer questões constitucionais é o Supremo Tribunal Federal, para onde a questão deve ser encaminhada, pelo próprio TSE, ou por um recurso a uma eventual decisão.
Outra questão polêmica que está em jogo nessas mudanças é o fim da verticalização, que obriga que as alianças políticas nas disputas regionais obedeçam à aliança para disputa da Presidência da República. Quem, como PT e PSDB, tem como objetivo maior a disputa da sucessão de Lula, quer manter a verticalização.
Mas há partidos como o PMDB e o PFL que preferem ter liberdade para fazer acordos regionais sem ficarem presos à disputa presidencial. Sem falar nos pequenos partidos que vivem de vender apoios regionalmente.
Mesmo no PSDB, o governador de Minas, Aécio Neves, trabalha contra a verticalização, num movimento político que indicaria que está mesmo disposto a disputar a reeleição ao governo de Minas com uma coligação de amplo espectro. Se a verticalização permanecer, o PMDB, que é uma federação de líderes regionais, terá mais uma razão para se decidir pela candidatura própria, ou não fazer acordo oficial com qualquer candidatura a presidente.
Fica prejudicada assim a possibilidade de o partido dar o vice à chapa de Lula, o que de qualquer maneira parece impossível de ser aprovado em uma convenção com o partido dividido como está agora, especialmente depois da disputa da presidência da Câmara.
A tese de que a verticalização pode ser abolida a qualquer momento, por se tratar de uma alteração constitucional, sofre do mesmo mal de origem da emenda constitucional que quer permitir a alteração da legislação fora de hora: fere a segurança jurídica, e deve ser questionada na Justiça.
O deputado Miro Teixeira, que luta contra qualquer reforma política alegando que a adoção da cláusula de barreira por si só é forte suficiente para dar uma organizada no quadro partidário, promete ir à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para protestar contra a mudança.
A única mudança possível, por se tratar do regimento interno da Câmara, é a definição de que vale a bancada da eleição para o preenchimento de cargos na Mesa, de comissões. Essa simples alteração deve reduzir em muito o troca-troca partidário.
Entrevista:O Estado inteligente
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