Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 14, 2005

Luiz Garcia Jejum da insensatez

Jejum da insensatez

A questão da transposição das águas do São Francisco parece uma pororoca: o choque das águas mais claras da argumentação técnica com aquelas, bem mais escuras, do interesse político. Nunca foi diferente em qualquer discussão sobre a seca no Nordeste, suas vítimas e beneficiários.

Nos últimos capítulos, o debate sobre o desenvolvimento da região ganhou conteúdo religioso — o que talvez desculpe que metam sua colher de pau na discussão até cariocas ateus (ou que se imaginam ateus: já em 1914 se dizia que bastava botá-los nas trincheiras para sumirem todos).

Mexer com as águas é ação defendida como de salvação para extensas regiões e denunciada como dilapidação do patrimônio geográfico da Bahia e arredores. É difícil — como o extenso debate tem mostrado — saber onde está a verdade. Mas será insulto à inteligência nacional desistir de encontrar uma solução. O bom senso diz que ela existe. E recomenda aos ignorantes bico calado.

Isto posto, passo a abrir o meu. Mas apenas para lastimar a insensatez que acometeu o bispo de Barra, dom Luiz Flávio Cappio, ao se declarar em greve de fome até que o projeto fosse abandonado. Certamente é santa figura, e sincero. Não por acaso, seu gesto teve repercussão nacional e apoio de muita gente boa.

Mesmo assim, a greve não fez sentido algum. Primeiro, por propor que se desista do projeto para que o bom d. Luiz não morra de fome. Seria decisão emocional para assunto técnico; por definição, a pior solução possível. E um assustador precedente.

Pode-se imaginar uma greve de fome justa — como último recurso contra a autoridade despótica e injusta. A História jamais condenou os jejuns de Mohandas Gandhi, que o levaram à vitória, de forma mais incruenta — na época impensável — sobre o colonialismo inglês. E Gandhi não tinha o respeito pela própria vida exigido dos cristãos.

Mas não seria sensato comparar a luta pela independência de uma nação com a discussão sobre as virtudes, ou ausência delas, de uma obra de engenharia. Provar tecnicamente que mexer com o curso do São Francisco beneficia poucos e prejudica legiões, ou o oposto, é o que a sensatez recomenda. Afirmar que isso seria impossível é uma bofetada na cara da engenharia brasileira.

Em contrapartida, a marcha da insensatez (obrigado, Barbara Tuchman) iniciada com o jejum do bispo, se não fosse detida, poderia levar à morte de um santo homem. Estimular seu martírio seria oportunismo político cruel. Não inédito, mas cruel assim mesmo. Roma agiu a tempo, graças a Deus (desculpando-se a redundância).

E todos os políticos que estimularam e aplaudiram a greve de fome bem fariam se passassem longo período longe das manchetes, ajoelhados no milho até se arrependerem de estimular o sofrimento do bispo. E, em ironia cruel, sem que o seu martírio provasse quem tem razão na discussão.

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