Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 05, 2005

eliane cantanhêde Chávez, nem anjo nem demônio

folha on line
 
Hugo Chávez nunca passa em branco e não passou, quando veio a Brasília na semana passada. Teve um arranca-rabo com Lula e com Celso Amorim por causa do documento final da reunião de cúpula (ou meia cúpula, pois só metado dos presidentes veio) da América Latina e, como fecho-de-ouro, deu uma entrevista muito importante para o Roda Viva. Foi gravada na sexta-feira e transmitida na segunda passada.

Por que foi importante? Porque Chávez fugiu do velho estilo Fidel Castro e, em vez de falar horas e horas sem parar, foi afirmativo, sem ser agressivo, e respondeu a todas as questões de forma precisa, clara e surpreendentemente rápida.

Chávez, enfim, explicou quem é Chávez e qual o projeto Chávez. Na versão dele, evidentemente, mas ainda assim de forma suficiente para que cada um tire suas conclusões.

Chávez bateu duramente no governo dos EUA e defendeu o povo norte-americano, o que não tem nenhuma novidade. Mas teve tempo e platéia para explicar como a Venezuela foi usada durante décadas, ou séculos, para servir a um único senhor: os EUA. A maior riqueza do país, o petróleo, serviu para abastecer o país alheio, para enriquecer meia dúzia de venezuelanos e centenas de americanos. E não reverteu para a Venezuela, não gerou uma planta industrial. Hoje, o país depende só do petróleo. E o esforço de Chávez é diversificar, com enorme atraso, essa economia monoprodutora.

No embalo, Chávez bateu na elite venezuelana, voraz para obter seus próprios lucros e mesquinha ao distribuir renda. E deu sua versão para ter entrado em confronto com banqueiros, empresários, Igreja, academia, imprensa: todos queriam mandar no seu governo.

Citou, inclusive, o grande empresário Cisneros, que ele chegou a levar a Washington no início do governo para negociações governo-a-governo. E por que romperam? Porque, segundo Chávez, eles queriam indicar o presidente do Banco Central, o ministro da Fazenda. Queriam mandar no seu governo, repetiu.

A "deixa" foi ótima. E a pergunta, óbvia: no Brasil, Lula cedeu às eleites, às ligarquisas, compôs. Nesse sentido, o projeto Chávez é bem diferente do projeto Lula. E Chávez, saindo pela tangente, alegou que não ficaria bem analisar o presidente de outro país e se recusou a responder. O que não deixa de ser uma ótima resposta...

Chávez se proclamou várias vezes "um revolucionário", depois disse que os revolucionários são uma espécie de divindade na Terra, seres superiores. Cada um conclua o que quiser.

E deixou claro que, na sua opinião, nunca esteve tão clara a distinção entre esquerda e direita. O símbolo da esquerda é Cristo, o da direita, Judas, que se vendeu por um punhado de moedas. "O início do capitalismo", disse.

Confrontado com dados da Cepal e do instituto de pesquisas a própria Venezuela, dando conta de que a situação social no país piorou (segundo a Cepal, ela está em penúltimo lugar entre 17 países da região), Chávez fez uma longa defesa de seus projetos sociais, inclusive sobre a existência de 20 mil médicos cubanos nas favelas de todo o país.

Em seguida, entrou uma pergunta, gravada, do senador e ex-governador Cristovam Buarque, sobre o fim do analfabetismo na Venezuela. Chávez adorou e contou o método e os resultados. Não houve contestação.

Aliás, a melhor contestação foi quando ele fazia uma enorme defesa da esquerdização do continente e da força da democracia. E Cuba? Há democracia em Cuba? Em vez de defender o regime do amigo, ele atacou os EUA: "No Bronx também há miséria". E o repórter: "Mas, lá, de quatro em quatro anos, o povo decide quem manda".

Enfim, Chávez impressionou bem. E, cá pra nós, repetiu um discurso de igualdade social que nós todos, de várias gerações, sempre defendemos e lamentamos profundamente que tenha caído no vazio. Chávez recupera esse discurso. A grande dúvida que permanece é se, rompendo, confrontando, radicalizando e cindindo o país ao meio, até onde e quando ele vai conseguir implantar o discurso que aplaudimos e queremos.

Como digo há anos, em meio às minhas 6 idas a serviço à Venezuela: as intenções são ótimas, os métodos é que são elas....

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