Entre outras proezas, ele é responsável
por jogar fora 460 milhões do contribuinte
paulistano
"Xô, corrupção." Assim pregava o primeiro comercial produzido por Duda Mendonça para a campanha do PT, em 2002. A imagem era de um bando de ratos roendo a bandeira nacional. "Ou a gente acaba com eles ou eles acabam com o Brasil", dizia o texto, antes de soltar o "xô" que era a peça de resistência, o fecho de ouro, o bordão concebido para impressionar e ficar na memória. Talvez o "xô" tenha sido pronunciado sem a devida energia. Talvez tivesse sido proclamado com os dedos fazendo figa. Naquele mesmo momento em que era espantada, no mundo de sonho dos anúncios, a corrupção se abria para o autor do "xô", no mundo real, farta e generosa como o Mar Vermelho para Moisés. O anúncio do "xô" foi a peça inaugural de uma campanha em que os pagamentos seriam feitos em ilhas caribenhas, paradisíacas não apenas pelo sol generoso, ou em pacotes de dinheiro que a sócia do marqueteiro ia diligentemente buscar na Avenida Paulista.
Curiosa figura do nosso tempo, esse Duda Mendonça. Tão emblemático de sua categoria quanto Joãosinho Trinta dos carnavalescos, ele se apresentou à CPI dos Correios com paletó escuro sobre camiseta escura. Nada de camisa branca e gravata. Ele é diferente. Os publicitários, ou, pelo menos, boa parte dos publicitários, pretendem-se artistas, e ao artista, como se sabe, não basta ser – é preciso parecer artista. Esse negócio de se apresentar como o comum das pessoas fica para os artistas menores – um Carlos Drummond de Andrade, que num sarau de poesia seria tomado pelo encarregado de recolher os ingressos, um Graciliano Ramos, que continuaria a ter cara de amanuense mesmo num mundo onde não existiam mais amanuenses. Mas o problema não é Duda Mendonça tomar ares de artista quando, evidentemente, não é. O problema é ele tomar ares de simples publicitário, quando, evidentemente, também não é – ou, pelo menos, não é só isso.
É muito mais. Ele faz milagres. Um deles foi vender a idéia de que Paulo Maluf é um ser humano. Isso ocorreu durante a eleição para prefeito de São Paulo de 1992. Duda Mendonça, contratado pelo veterano político, concebido e desenvolvido na incubadeira do regime militar, teve a ousadia de inventar como símbolo da campanha... um coração! Nada menos que um coração, órgão que, como é de geral conhecimento, Maluf não possui. O empenho em operar na natureza mesma do candidato, transformando-o quase num vizinho a quem se confiaria a chave de casa quando se vai viajar (quase, pois até Duda tem seus limites), foi tão bem-sucedido que Maluf obteve, na ocasião, a única vitória em eleições majoritárias pelo voto direto que ostenta em seu currículo.
Outro milagre foi incutir no eleitorado a noção de que o governo Lula seria um primor de zelo, rigor e competência. Um anúncio da campanha de 2002 mostrava um grande escritório, com uma sucessão de escrivaninhas, onde cérebros privilegiados estudavam cada pormenor da realidade nacional. Lula passeava entre as mesas, com a desenvoltura do líder seguro e confiável, dando tapinha nas costas de um, debruçando-se sobre o papel em que outro trabalhava. Parecia a Nasa na véspera de lançamento espacial. Dava-se a entender que o PT se preparava para o governo com idéias claras e soluções na ponta da língua. Lula prometia lançar o foguete Brasil rumo ao futuro. Hoje esse anúncio virou comédia.
Curiosa figura do nosso tempo, essa do marqueteiro. Duda Mendonça foi de Maluf a Lula, e ninguém achou nada de mais. Reclama-se do futebol de hoje porque os jogadores vivem mudando de clube. Reclama-se do político que muda de partido. Mas ao marqueteiro se permite que em um dia se entregue ao campeão da direita e no outro ao da esquerda, um dia acenda velas a Jesus Cristo e no outro reze a Maomé. E no entanto seu poder vai além do da maioria dos políticos. Na campanha de 1996 para a prefeitura de São Paulo, Duda Mendonça inventou para o candidato Celso Pitta uma engenhoca a que deu o nome de "fura-fila". Tratava-se de um fabuloso meio de transporte, capaz de vencer distâncias de modo rápido e seguro, sobre trilhos que repousavam em vias suspensas.
O pior é que Pitta ganhou a eleição (mais um milagre) e teve mesmo de construir o fura-fila. Foram gastos na obra exatos 468.688 000 reais, em valor atualizado, e o resultado são estruturas que apodrecem em alguns recantos da cidade. A obra não foi concluída e talvez jamais será, dada sua duvidosa utilidade. O responsável em última análise pelos 468.688 000 reais do contribuinte paulistano jogados fora é Duda Mendonça. E ainda bem que Marta Suplicy não ganhou a última eleição em São Paulo. Duda Mendonça havia preparado para ela (agora ele tinha trocado, também em âmbito municipal, Jesus por Maomé) um certo Céu Saúde – majestosos palácios onde a população seria curada de suas moléstias.
Essa instituição do marqueteiro político, nas proporções que tomou no Brasil, tem jeito de não ter similar no mundo. A política brasileira está clamando por um "Xô, marqueteiro".
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