Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 03, 2005

Miriam Leitão :A grande tormenta

O GLOBO

Ontem foi mais um dia da grande tormenta: dia de ouvir o duelo aguardado entre os dois protagonistas da mais estarrecedora novela política que o país já viu. O deputado José Dirceu usou a palavra certa: tragédia. Mas ele usa um reducionismo. Acha que a tragédia se abateu sobre o Partido dos Trabalhadores. Foi sobre o país. O mercado segue outra lógica e achou que ontem era dia de comemorar. Temia que o deputado José Dirceu fosse afundar atirando. Quando entendeu que isso não aconteceria, o dólar caiu e a bolsa subiu.

O mercado tem a seguinte interpretação dos fatos: enquanto o presidente e o ministro da Fazenda não forem atingidos, estará preservada a política econômica. Sendo assim, é hora de comemorar o bom momento mundial. O mundo cresce puxado pela China e os juros estão baixos na maioria dos países — com aquela extravagante exceção que todos os leitores conhecem. Neste momento, o capital não vê os óbvios perigos que assombram os outros mortais. Calcula, inclusive, que a crise está perto do fim. Pessoas de visão normal não enxergam ainda luz no fim da tormenta.

O presidente, que o mercado acha preservado, continua errando diariamente. Curioso é que ele foi aquele mesmo presidente que um dia fez a insensata declaração de que não cometeria erros, como se divino fosse. Ontem, soltou mais uma farpa contra a imprensa. Na segunda-feira, fez parte de uma patética visita aos taxistas de Brasília. Em seguida fez pior: recebeu um grupo do "Sindicato" dos Aposentados e a eles entregou algumas das explicações que deve ao país. Afirmou que não há nada que o atinja, disse que Delúbio afundou o partido e outras considerações que deveriam constar da conversa sincera que o presidente ainda deve ao país como um todo. Os atos do presidente não seguem lógica alguma: por que se negar a uma entrevista decente, ou a um pronunciamento franco e conversar apenas com os aposentados que foram ao seu gabinete? A comunicação do presidente da República é um barco à deriva.

O deputado José Dirceu, na sua fala inicial — nem humilde, nem arrogante, mas no tom adequado — passou algumas informações nas entrelinhas. Ainda que tenha dito nada saber sobre o que se passou no PT e ele mesmo classificar os fatos como "tragédia", disse que Delúbio era vítima de campanha. Ora, ou bem ele é autor da tragédia que vitima o partido ao qual o deputado dedicou 25 anos de sua vida, ou ele é uma vítima de campanha. Faltou dizer quem comandava a suposta campanha.

Em determinado momento, disse: "Considero isso uma cassação política." Podia-se entender disso que ele já se considera cassado? Em outro, lembrou que era deputado licenciado, portanto não pode ter quebrado o decoro, indicando que brigará também no Supremo por seu mandato. Seu pior argumento desde o começo dessa briga é tentar transformar um caso escabroso de corrupção em um processo político. "Por que estou sendo julgado? Pelo que represento na História do país, na esquerda, no PT e na campanha do presidente." Isso é balela. Ele é inteligente demais para se abrigar nessa casamata toda furada. Seu melhor argumento em defesa é sua vida pública, sua história, as diferenças entre a sua biografia e a do seu principal algoz. Roberto Jefferson aproveitou as câmeras para mais um show. Não falava para o Congresso, não falava para os seus pares, não falava nem para o depoente. Olhava para as câmeras, fazia todo os gestos teatrais de sempre e usou, de novo, o truque de liberar mais uma denúncia da sua lista inesgotável.

Para o mercado financeiro, o que houve ontem foi o começo do fim da crise:

— O mercado entendeu como a saída do último bode da sala. Depois disso, não há mais nada muito importante para acontecer, por isso acho que nesta quarta-feira o mercado vai estar ainda melhor — disse Nathan Blanche, diretor da Tendências.

O economista José Márcio Camargo, também da Tendências, acha que a economia tem agüentado a crise por estar com excelentes fundamentos, construídos ao longo das últimas décadas:

— As privatizações e a abertura explicam grande parte do sucesso atual. Sem privatização, a Vale não estaria exportando hoje US$ 8 bilhões. Com a abertura, o agribusiness pode importar máquinas que aumentaram a produtividade. Hoje o setor produz um saldo comercial positivo de US$ 27 bilhões. Se não fosse a crise política, estaríamos numa conjuntura muito melhor, com queda maior de risco- país — avaliou.

O Brasil vive realidades paralelas e, diariamente, quem está na fronteira dos dois mundos reconhece essa divisão irreconciliável. Na economia, ontem John Snow, do lado do ministro Palocci, era só elogios ao Brasil e à política econômica; o dólar caía, a bolsa subia e as análises do mercado eram de alívio. Enquanto isso, na cena política se via mais um dia da grande tormenta que se abateu sobre o país por desastrados atos cometidos por integrantes do governo Lula e dirigentes do Partido dos Trabalhadores. Certos juízes de José Dirceu que estavam ontem na Comissão de Ética têm passado tão duvidoso que é preciso fazer um esforço para não concluir o dia desacreditando das instituições brasileiras.

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