Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 03, 2005

Merval Pereira Coincidências

O GLOBO

Duas novidades surgiram no depoimento de ontem do deputado José Dirceu no Conselho de Ética da Câmara: a acusação de Roberto Jefferson de que o então chefe da Casa Civil negociou com a Portugal Telecom uma contribuição para o PT e o PTB acertarem suas contas; e a afirmação de José Dirceu de que nunca foi stalinista. O resto foi a repetição de vários outros depoimentos, com uma peculiaridade: a testemunha foi tratada como acusada; e o acusado portou-se como acusador, sem que ninguém estranhasse. Na verdade, os fatos conspiram contra o governo e favorecem os acusadores.

Todas as denúncias feitas pelo deputado Roberto Jefferson estão sendo comprovadas; todos os detalhes contados pela secretária Karina Somaggio estão sendo confirmados, até mesmo as malas recheadas de dinheiro que pareciam metafóricas e se transformaram em dura realidade. O agora ex-deputado Valdemar da Costa Neto renunciou atingido duplamente: pelas acusações de Jefferson e pela sinceridade maliciosamente ingênua de sua ex-mulher Maria Christina Mendes Caldeira, que também via malas de dinheiro passando de mão em mão.

Até o momento, apenas a secretária do deputado Sigmaringa Seixas apresentou explicação correta para sua presença na agência do Banco Rural onde os saques eram feitos. Todos os demais deputados petistas que apareciam nas listas de saque do Banco Rural, ou seus assessores, começavam alegando que se tratava de um homônimo, ou motivos triviais como pagar a conta da TV a cabo, para, no fim, quando já não havia mais como mentir, assumirem os saques.

O deputado Paulo Delgado não sabia realmente que seu assessor apanhara dinheiro como dirigente petista do Distrito Federal, e o demitiu. A alegação geral é que esse dinheiro representa o caixa dois de campanha eleitoral, o que iguala a todos e a todos absolve. O deputado José Dirceu ainda está no estágio anterior: nega peremptoriamente que seu assessor informal Bob Marques seja a pessoa autorizada pela diretora Simone Vasconcelos a sacar dinheiro na boca do caixa.

Também o ministro Ciro Gomes não acredita que seu secretário-executivo Márcio Lacerda tenha recebido R$ 457 mil de Marcos Valério, mas, por via das dúvidas, aceitou sua demissão. O irmão de José Genoino também não sabia como explicar os dólares na cueca de seu assessor, mas acabou aparecendo na lista do Banco Rural.

E é impressionante como esses petistas acreditam no ser humano. Delúbio Soares mal conheceu o lobista Marcos Valério e já se sentiu à vontade para pedir que fosse avalista de vários empréstimos para o PT. E Marcos Valério jura que nada ganhou em troca, embora suas agências de publicidade sejam as preferidas pelas estatais. Bastou o ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira revelar para um executivo da empresa GDK seu sonho de consumo, para ganhar de presente do novo amigo um Land Rover novinho em folha. E é claro que também não deu nada em troca, nem lhe foi pedido, embora a GDK tenha vencido uma licitação milionária na Petrobras.

A maior prova de que Sílvio Pereira considerava esse tipo de favorecimento normal é que, ao apresentar uma ex-mulher do então ministro todo poderoso José Dirceu a Marcos Valério, confidenciou-lhe que o sonho dela era morar num apartamento maior com a filha de Dirceu. Como para arranjar um empréstimo que viabilizasse a mudança Maria Ângela Saragoça precisava também de um emprego melhor, Valério, que Maria Ângela achava ser "um petista solidário", conseguiu não apenas um emprego no BMG como um financiamento no Banco Rural. E, por solicitação de Ivan Guimarães, então presidente do Banco Popular, mais uma vez Valério surge em cena, desta vez para comprar o apartamento antigo da ex-mulher de Dirceu, permitindo assim que ela comprasse um maior.

A confirmação de que o lobista Marcos Valério viajou a Portugal com o ex-tesoureiro do PTB Emerson Palmieri, tendo sido recebido por um ministro de Estado a pedido do presidente da Portugal Telecom, dá à nova denúncia de Roberto Jefferson ares de verdade. Com um agravante: tanto o ministro português quanto o presidente da Portugal Telecom eram ex-executivos do braço financeiro do grupo Espírito Santo, para cujo banco em Lisboa Marcos Valério tentou transferir as reservas cambiais no exterior do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), cuja presidência era da cota do PTB.

Os personagens são os mesmos, e os bancos também. E até o momento só temos duas manifestações do presidente Lula sobre o assunto: em Paris, disse que o que o PT fez foi usar dinheiro de caixa dois na campanha eleitoral, o que seria feito sistematicamente no Brasil. Uma coincidência com a versão que, horas depois, Delúbio Soares e Marcos Valério dariam para explicar os empréstimos. E na segunda-feira, queixou-se a sindicalistas de que o ex-tesoureiro Delúbio Soares havia falido o PT. Não moralmente, mas gerencialmente. Para o presidente Lula, até o momento, portanto, temos apenas um problema de má gestão.

A coincidência é que, horas antes, havia falado para sindicalistas de táxis, prorrogando a isenção do IPI até 2007. A mesma categoria que o ex-presidente Collor recebeu no Palácio do Planalto quando exortou a que todos saíssem às ruas de verde e amarelo para protestar contra o impeachment que armavam contra ele. O país saiu às ruas de preto, e o resto é história. Enfim, todas as coincidências, mesmo a mais desimportante, conspiram contra o governo e seus aliados. E, como disse Nelson Rodrigues, "Deus está nas coincidências".

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