FOLHA DE S PAULO
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Não é do interesse dos mercados financeiros internacionais uma crise no mercado brasileiro, o que explica, em parte, a tranqüilidade em relação à crise política que causa turbulências no país, avaliou ontem o economista Joseph Stiglitz, professor da Universidade Columbia e ganhador do Nobel de Economia de 2001.
Stiglitz, que participou ontem de conferência com empresários em São Paulo, a convite do Bladex (Banco Latino-americano de Exportações), disse também que parte da calmaria nos mercados financeiros internacionais deve-se à melhora nas instituições brasileiras. "A institucionalização da política econômica já faz parte do espírito, da mentalidade brasileira", disse, lembrando que, por isso, há menos receio de que crises na política comprometam a condução da economia.
Fé no Brasil
Jaime Rivera, presidente do Bladex, concordou. "Há mais fé nas instituições brasileiras fora do Brasil do que no mercado local", disse ele, lembrando que foi no mercado financeiro local que ocorreram as reações mais fortes em relação à crise política.
Stiglitz não descartou, no entanto, impactos da crise política na economia. Ele diz que o diagnóstico feito hoje tanto por analistas quanto pelo mercado financeiro pode mudar, caso o próprio governo adote medidas econômicas em resposta à crise -como o aumento de gastos. "Enquanto ocorrem apenas mudanças de faces, de pessoas, não há impacto."
Ele não deixou de lembrar que o cenário totalmente favorável do mercado mundial também beneficia o Brasil. Por um lado, com a maior liquidez nos mercados de títulos e ações, há menos interesse em provocar ataques especulativos contra um país como o Brasil. Por outro, a alta dos preços das commodities ajudou o Brasil a aumentar o valor de suas exportações, argumentou o economista norte-americano.
Stiglitz, no entanto, não poupou críticas à política econômica brasileira. Pelo contrário, ele diz acreditar que o Brasil entrou em um círculo vicioso, em que os juros altos obrigam o governo a se endividar e, como conseqüência, tem que manter os juros altos por conta do alto endividamento.
O Nobel de Economia critica o uso apenas da taxa de juros para atingir a meta de inflação e, ao mesmo tempo, diz que os governos não podem reduzir o objetivo da política econômica apenas ao controle da inflação. "Emprego e justiça social também devem ser objetivos da política econômica."
Ele lembrou que o atual governo tinha duas escolhas quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, em 2003. A primeira era adotar uma política econômica mais agressiva, o que certamente causaria alguma turbulência no mercado financeiro internacional. A segunda, que foi a adotada por Lula, a de optar por uma política econômica de linha ortodoxa. "Não vamos saber o que teria acontecido caso a primeira opção fosse escolhida. Mas a política ortodoxa não surtiu ainda os efeitos que se esperava", disse, lembrando que o Brasil continua com uma das maiores taxas de juros do mundo.
Sobre os juros, comentando o fato de o Brasil figurar no topo do ranking de juros reais, ele lembrou que, quando o Federal Reserve subiu os juros durante o mandato do ex-presidente norte-americano Bill Clinton (1993-2001), o presidente chegou a dizer que o Fed "destruiria a economia norte-americana". Os aumentos, diz Stiglitz, eram de menos de 1 ponto percentual. "Vocês imaginem agora o que essas taxas de juros [brasileiras] fazem para as empresas e negócios no Brasil."
Argentina
Ele também comentou a política econômica argentina adotada após o calote na dívida do país. Não fez nenhum juízo de valor a respeito do calote, mas das medidas adotadas depois do desfecho da crise. Em resumo, disse que acredita que ela está correta por:
1) priorizar o crescimento do mercado interno;
2) ter incluído a negociação da dívida com um desconto razoável, de maneira que o país possa pagá-la;
3) abrir mão de fluxos de capital especulativo, adotando controles de capital.
O economista, no entanto, recusou-se a dizer se considerava o conjunto de políticas adotado pela Argentina correto, enquanto o do Brasil estaria equivocado. Ele disse apenas que considerava que a Argentina estava "no caminho certo". Sobre o Brasil, limitou-se a dizer que, quanto ao caso brasileiro, "o júri ainda não decidiu".
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