Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 04, 2005

Editorial de O Estado de S Paulo O cinismo de Severino


Na presidência da sessão em que o presidente nacional do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto (SP), renunciou ao mandato de deputado federal, seu colega Severino Cavalcanti (PP-PE) mandou publicar esta decisão antes que algum desavisado a pusesse em dúvida. E, para surpresa geral, elogiou a iniciativa: 'Não posso deixar de ressaltar a prova da dignidade da maneira correta como Vossa Excelência agiu para engrandecer o mandato popular que espero que São Paulo faça (sic) de volta.' Em seu linguajar pitoresco e, sobretudo, fiel ao próprio conceito de moral política, o segundo substituto eventual do presidente da República agrediu, neste elogio gratuito, o bom senso e a ética, além de dar uma idéia exata do equívoco de seus conceitos sobre a representação popular. Fê-lo expondo de maneira inequívoca o real motivo que levou o ex-colega à renúncia: a perspectiva de reconquistar o mandato nas eleições de 2006, afastando o risco de longas férias parlamentares de oito anos, prazo da inelegibilidade prevista por uma eventual sentença de cas sação de direitos políticos resultante de investigações que venham a comprovar a procedência da denúncia do deputado Roberto Jefferson, presiden te nacional afastado do PTB, que o acusa de ser um dos beneficiários do 'mensalão' - segundo a denúncia, uma remuneração mensal feita pelo PT a parlamentares da base aliada para mudarem de partido ou votarem a favor de projetos de interesse do governo petista.
O recurso à renúncia não é
inédito. Muitos dos acusados no escândalo dos 'anões do Orçamento' usaram o estratagema e alguns recuperaram, em eleições posteriores, os mandatos antes ameaçados de cassação pela pressão da opinião pública. Há um caso mais recente e também ruinoso para a imagem da instituição perante a opinião pública: os então sena dores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA) protagoniza ram uma briga de rua e, antes de serem processados no Senado, renunciaram aos mandatos. Na eleição seguinte, volta ram ao Congresso, um como
O ELOGIO ESTAPAFÚRDIO A UM GESTO QUE NADA TEM DE ELOGIÁVEL
senador, o outro como deputado federal.
Há contra Valdemar Costa Neto, contudo, uma agravante,
até mesmo em relação aos exemplos citados. Ao contrário dos parlamentares que antes dele recorreram ao estratagema e nunca confessaram publicamente os crimes de que fo ram acusados, o ainda presidente nacional do PL negou ser beneficiado por pagamentos do 'mensalão', mas confessou ter recebido dinheiro do PT, admitindo ter sido 'induzido a erro'. Ou seja, trata-se de réu confesso que nem mesmo pode apelar para o benefício da dúvida, preceito jurídico pretextado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para man ter em seus cargos auxiliares acusados de irregularidades.
A cidadania não vê com bons olhos esse privilégio que seus representantes no Poder Legislativo têm em relação aos cidadãos comuns - renunciar ao mandato para se livrar de penas por delitos eventualmente cometidos. O presidente nacional do PL, repetimos, continua no cargo partidário, sem que seus correligionários se mobilizem para dele deslocá lo. Um deles, o vice-presidente José Alencar, chegou ao acinte de elogiar a coragem do gesto de Valdemar, que confessou ter praticado crimes eleitorais. Ainda mais execrável foi o pronunciamento extemporâneo do presidente da Câmara dos Deputados, considerando o artifício da renúncia para se livrar da pena, mesmo tendo sido o delito confessado, uma prova de dignidade e um motivo para que recupere nas próximas eleições o mandato ao qual teve de 'abrir mão'.
Apesar de partir de alguém que já mostrou que não tem noção de compostura, o elogio estapafúrdio da terceira autoridade da linha da sucessão presidencial espanta pelo cinismo.
Não são poucos os políticos que se eximem de punir seus 'nobres pares', transferindo a responsabilidade para o eleitor nas eleições seguintes. Severino Cavalcanti fez pior que estes ao eleger o eleitorado paulista como cúmplice de seu colega Valdemar, apelando pa ra que este reconquiste nas urnas um mandato de que foi obrigado a abrir mão por haver violado a lei, ferindo regras elementares do decoro parlamentar.

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