Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 04, 2005

Editorial de O Estado de S Paulo Terça-feira negra


Enquanto o presidente Lula acusava a imprensa de destacar as 'coisas ruins' em detrimento das boas, como se ela inventasse as primeiras e não se apercebesse das outras, as coisas ruins continuaram a assediá-lo no dia em que o quadro da corrupção se tornou ainda mais ominoso. Nessa terça-feira, o ex-ministro José Dirceu não convenceu nem o mais crédulo dos brasileiros de que era, como disse, 'inocêncio'; o seu acusador Roberto Jefferson disparou contra ele a nova e gravíssima acusação de ter urdido, com a anuência do presidente, a operação indecorosa pela qual a Portugal Telecom e o Banco Espírito Santo financiariam as dívidas do PT e do PTB; a relação dos 31 destinatários dos R$ 55,8 milhões da SMPB de Marcos Valério comprometeu, entre outros, o presidente da Casa da Moeda, o segundo homem do Ministério da Integração Nacional, e a sócia do marqueteiro de Lula, Duda Mendonça. Até o ex-procurador da República Aristides Junqueira, que advogou para o PT no caso de Santo André, recebeu por essa via os seus honorários. Enfim, a terça-feira em que o ex-secretário de Segurança Nacional Luiz Eduardo Soares confirmou que Dirceu sabia quem era o Waldomiro Diniz que levava para a Casa Civil.
Diante de tantas novas evidências, tão mais inconvincentes soam os protestos de santidade de Dirceu. É provável, como apontou o deputado José Carlos Aleluia, do PFL baiano, que ele não tivesse outra saída, porque, se confessasse que no mínimo estava a par do que fazia a dupla Delúbio-Valério, estaria envolvendo implicitamente o presidente, de quem não poderia ocultar tais fatos. Condenado a tentar tapar o sol com peneira, saiu-se, por exemplo, com isto: 'Não tenho nenhuma denúncia de corrupção em toda a minha vida pública, como posso ser chefe do maior esquema de corrupção do País?' Primeiro, de uma coisa não se segue a outra. Segundo, ele nunca antes teve tanto poder como nos 30 meses em que foi 'primeiro-ministro' da República. Terceiro, é inconcebível que, no papel de interlocutor político por excelência do governo, ignorasse o 'maior esquema de corrupção do País'. Se a situação não fosse de abismar, seria o caso de rir quando o fundador, ex-secretário-geral e ex-presidente do PT disse que 'desde dezembro de 2002' se dissociou por completo dos atos da executiva nacional do partido.
Já das denúncias de Roberto Jefferson se pode dizer que, embora nem todas sejam verossímeis e algumas, francamente implausíveis - como a de que o presidente em pessoa teria tratado com os dirigentes da
Portugal Telecom do socorro a dois partidos brasileiros -, têm a seu crédito que o que veio a público até agora só as confirma. À parte uma coisa ou outra, o mesmo parece provável em relação à espúria garimpagem de capitais portugueses para fins partidários, o que teria levado a Lisboa, mais de uma vez, o ubíquo Marcos Valério, o seu inseparável parceiro Delúbio Soares e o então tesoureiro da agremiação de Jefferson.
Afinal, ele já não tinha mencionado antes a tentativa de se transferir para o Banco Espírito Santo os US$ 600 milhões do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) no exterior? A esta altura, quem não aposta no quanto pior, melhor só pode desejar que as conexões por
tuguesas trazidas por Jefferson sejam tão frágeis como tudo indica serem os desmentidos de Dirceu.
Ou tão insustentáveis como o argumento de que lançou mão logo no início de sua fala - e que, pelo inusitado, chamou a atenção do relator do Conselho de Ética da Câmara, Jairo Carneiro, a ponto de levá-lo a pedir que se
explicasse. Dirceu praticamente só faltou proclamar que, se o seu mandato for cassado por quebra de decoro parlamentar, contestará a decisão no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a especiosa alegação de que, mesmo se fosse culpado do que o acusa Jefferson, as culpas se refeririam a atos praticados quando estava no Gabinete de Lula. Ocorre que, para se tornar ministro, ele não renunciou ao seu mandato de deputado; apenas se licenciou. Além disso, se fosse processado e condenado no STF por crime de responsabilidade cometido enquanto na Casa Civil, também perderia o mandato. De qualquer forma, a questão se esfumará se ficar demonstrado que ele mentiu no seu depoimento. Isso será suficiente para o seu desligamento da Câmara - destino que espera diversos de seus companheiros e aliados.

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