Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 20, 2005

Editorial de A Folha de S Paulo PROPOSTA ESTAPAFÚRDIA

 Como em outras situações de crise, já se levantam vozes costumeiras clamando pela convocação de uma nova Assembléia Constituinte ou pelo menos de um Congresso com poderes ampliados para emendar a Carta. A proposta é defendida por alguns setores como um caminho de "refundação" de algumas instituições nacionais, que estariam se mostrando ineficazes à luz da crise política deflagrada com as denúncias de corrupção.
É uma proposta duplamente estapafúrdia. Em primeiro lugar, ela é franca e manifestamente inconstitucional. Além disso, é totalmente desnecessária. Assembléias Constituintes não se convocam a qualquer momento e sob qualquer pretexto. Um Poder Constituinte originário (com amplos poderes para realizar mudanças de vulto) só surge quando há ruptura da ordem anterior. Foi o caso, nos anos 80, quando se passou de uma situação de ditadura militar para um contexto democrático. Não é absolutamente o caso agora.
Já o Poder Constituinte derivado (de segundo grau) tem, por definição, capacidades limitadas pelo próprio texto vigente para proceder a emendas. Os requisitos, enunciados no artigo 60 da Carta, não podem ser alterados, por ser o próprio artigo 60 uma cláusula pétrea, isto é, não passível de alteração.
Ainda que se aposte nas boas intenções dos proponentes da assembléia ou da revisão, em termos jurídicos ela equivaleria a um golpe de Estado.
No mais, o brasileiro parece ter criado um fetiche em torno da idéia de reforma. É evidente que o atual texto constitucional apresenta problemas. Eles podem e devem ser solucionados, mas dentro das regras do jogo -a ânsia por burlá-las é, aliás, uma das máculas do país.
É preciso sepultar de vez a idéia de que um dia produziremos leis perfeitas e nos concentrarmos em aplicar corretamente os bons diplomas de que já dispomos. Apesar de pontos fracos, a Constituição de 1988 vem se mostrando bastante sólida num aspecto fundamental, que é o de suportar crises políticas.
No mais, sempre que a Carta se colocou como uma barreira concreta a políticas que o país estava preponderantemente inclinado a adotar, foi modificada sem maiores traumas. Assim se passou com a quebra do monopólio do petróleo, as privatizações, a reforma da Previdência. Não é por outra razão que o número de emendas ao texto original -que ainda nem completou 18 anos- já se aproxima de 50.

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