Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 04, 2005

Destempero e desespero por Ricardo Antunes *

JB




Sociólogo*

Já escrevemos aqui, há algum tempo, que Lula, ao agir como paladino do neoliberalismo, operava uma migração de alto risco, que lhe impossibilitaria, posteriormente, de fazer qualquer tentativa de retorno. Isto porque, ao destroçar sua base social de sustentação, construída e respaldada em sua história ao longo de duas décadas junto aos assalariados, frente a uma situação de crise política, poderia ficar na incômoda situação de depender de uma base social tornada inexistente. Ficaria, então, pendurado, ''sem a escada e com a brocha na mão''.

É quase essa a situação política do governo Lula. Com a ampliação devastadora e cada vez mais incontrolável da crise política que avassalou seu governo, tenta, então, num gesto simbólico, ainda que mistificador, reencontrar sua antiga base social de sustentação. Mas ela já se encontra em grande medida destroçada. É isso que explica descontrole completo, ao falar a alguns poucos setores do sindicalismo que ainda mantém atrelado ao governo, como é o caso do setor dominante da CUT que cresceu sob a batuta e controle de Delúbio e assemelhados. Alias, é sempre bom lembrar que foi lá que Delúbio começou sua carreira na matemática das finanças.

Como o (des)governo Lula age de fato para o grande capital, ele precisa, neste quadro de crise política amplificada, esboçar uma fala demagógica e vazia para ''os de baixo''. Tenta recuperar tardiamente sua base social assalariada, embora garanta, através de sua política econômica, o apoio efetivo aos capitais, especialmente o financeiro, que não pára de crescer em seu governo. Foi por isso, aliás, que o secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, acabou de lhe emprestar efusivo apoio, em plena explosão do lamaçal do mensalão.

Lamaçal que deverá obrigar o Congresso a rever as votações feitas com a compra dos votos, pagos de modo vil para garantir uma aprovação aviltada pelo mensalão. Não será difícil fazer a correlação entre as datas dos saques milionários do esquema Delúbio/Valério e as votações das (contra) reformas do governo Lula, como a privatização da previdência e sua financeirização, a extorsão e saque dos aposentados, a aprovação das PPPs (parcerias público-privadas), a liberação dos transgênicos, dentre outras propostas que nunca estiveram no programa do PT e que configuram o estelionato eleitoral e político praticado pelo governo Lula.

Por tudo isso, o descontrole é visível e não há Duda Mendonça capaz de sintonizar uma política econômica e social destrutiva com a recuperação de sua base social de origem. Quando Collor, depois de vilipêndio que guarda certa similitude, tentou voltar aos ''descamisados'', lembramo-nos bem do que isso lhe rendeu. Saiu pela porta dos fundos. Os episódios recentes envolvendo De La Rua, na Argentina, e Gutiérrez, no Equador, são ainda mais eloqüentes: defenderam, no processo eleitoral, propostas contra o neoliberalismo e, uma vez eleitos, tornaram-se o seu contrário.

A situação do governo Lula é, entretanto, singular: continua tendo a sustentação dos palácios das finanças. Mas estes lhe olham com completo desdém, uma vez que o outrora líder sindical jamais será um deles. Será sempre um ex-operário que lhes serviu, mas que lhes causa muito estranhamento.

Suas representações políticas tradicionais, como o PSDB e o PFL, ainda preferem, ao menos por enquanto, vê-lo chegar em 2006 cambaleante e nocauteado, padecendo de anorexia. Mas podem ficar atiçados com a idéia de desfazer o estelionato eleitoral que Lula lhes impôs. Já tiraram do tablado José Dirceu, que se atolou ainda mais em seu depoimento na Comissão de Ética da Câmara, com sua sagacidade tão intensa que impede a qualquer mortal imaginar que ele nada soubesse das práticas exercidas pela máfia que achincalhou o PT.

Lula, embora culpe as ''elites'', numa ação contingente que tem algo de indigente, depende delas para ficar onde está. Pode falar despautérios, desde que Palocci e o Banco Central façam o que as ''elites'' exigem. Mas parece não dispor da força social organizada e sólida que o elegeu, o que é perceptível pelo desmoronamento do PT, da CUT e pelo torpor que se abateu sobre o eleitorado popular de Lula. Isso porque, no governo, não fez outra coisa senão desconstruir os interesses do mundo do trabalho, embevecido que ficou com os cantos e contos do capital. O grito que vem realizando, então, é tristemente o destempero de um governo que cada vez mais se pauta pelo desespero.

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