Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 04, 2005

AUGUSTO NUNES Sai José Dirceu, entra ''Inocêncio''

JB

Na edição do Jornal do Brasil de 19 de fevereiro de 2004, este colunista publicou na página 12 um artigo com o título "A arte da dissimulação". Depois da performance do agora deputado José Dirceu no Conselho de Ética, vale a pena reproduzir o texto:

"O prenome de menino bem-nascido, Carlos Henrique, combinava com o sobrenome que evocava frondosas árvores genealógicas: Gouveia de Mello. Magro, de estatura mediana, barbas e cabelos longos, nariz acentuadamente aquilino, Carlos Henrique Gouveia de Mello aparentava cerca de 25 anos quando conheceu Cruzeiro do Oeste, interior do Paraná, na primeira metade da década de 70.

Naquelas terras ainda por domar, a chegada de forasteiros não provocava surpresas, não excitava curiosidades. Era o lugar certo para um jovem pouco loquaz, avesso a confidências, sem disposição para conversar sobre o próprio passado.

Meses depois, já proprietário da loja de roupas "O Magazine do Homem", Carlos Henrique passava horas na cadeira atrás do balcão. A freguesia escassa não tomava muito tempo do comerciante. Ele vivia hasteado na porta da loja, contemplando de pé a modorra da Rua João Rezende. As tardes de sábado eram reservadas ao bar perto da loja. Jogava sinuca de vez em quando. Preferia a leitura do semanário Tribuna do Oeste.

Um adolescente da cidade conseguiu alguma intimidade com o forasteiro introspectivo. Gostava de fazer-lhe perguntas sobre História. Gostava mais ainda das respostas, precisas e sucintas. Outros nativos furaram a couraça. E passaram a chamar o novo amigo de "Pedro Caroço".

Era o nome de personagem popularizado pela letra de "Severina Xique-Xique", sucesso musical da época, que estava sempre "de olho na butique dela". Carlos Henrique namorava Clara, uma bonita jovem que tinha, além de cabelos louros e olhos azuis, a melhor butique de Cruzeiro do Oeste. Carlos Henrique virou Pedro Caroço. E o apelido foi consolidado pelo casamento com a mais bela moça da cidade.

Em tempos de eleição, tornava-se ainda mais retraído, lacônico, arredio. Não se interessava por questões políticas, não enunciava preferências por partidos ou candidatos. Quando as conversas no bar invocavam esses temas, voltava para a casa onde morava com Clara e o filho ainda na infância. Foi essa a rotina de Carlos Henrique/Pedro Caroço até 1979, quando vieram a anistia e o epílogo do regime militar.

Só então Cruzeiro do Oeste descobriu que abrigara por mais de cinco anos o perseguido político José Dirceu de Oliveira, dirigente estudantil banido do Brasil em 1969, no episódio do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Vivera exilado na França, aprendera técnicas de guerrilha em Cuba e voltara clandestinamente, pronto para fazer a guerra. Em vez de trocar chumbo, escondera-se no Paraná para trocar alianças com a dona da butique.

Só então Clara soube que vivera com um mestre na arte da dissimulação, e com ele tivera um filho. Sempre o chamara pelo nome de fantasia. Carlos Henrique nunca existiu. Foi só um dos tantos disfarces de José Dirceu. Reassumida a identidade oculta, deixou a família e a cidade, partiu para Cuba, submeteu-se a outra cirurgia para restaurar a antiga fisionomia e voltou ao Brasil como quem vinha do dramático desterro.

José Dirceu anda afirmando que o amigo e assessor Waldomiro Diniz recorreu à dissimulação para enganá-lo. Teve um excelente professor."

Na terça-feira, depois de declarar-se inocente de todas as acusações - passadas, presentes e futuras -, simulou uma troca de letras para divulgar a mudança. "Sou inocêncio", enganaram-se os jornais. "Sou Inocêncio", dissera o deputado, anunciando o novo codinome. Não foi Dirceu quem depôs. Foi Inocêncio.

[04/AGO/2005]

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