Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 04, 2005

Desmorona o governo cenográfico JORGE BORNHAUSEN

 FOLHA DE S PAULO

Cansado de repetir "não" aos apelos governistas por "união nacional" -golpe para estancar as investigações sobre a corrupção petista-, venho lembrar que o papel da oposição não é socorrer governos que desmoronam. Muito menos quando se arrastam para o término daqui a 16 meses, certamente improrrogáveis pela não-reeleição.
Ainda em outubro de 2002, quando o triunfalismo petista não permitia prever o desastre que seria o governo Lula, o PFL não titubeou nem esperneou.
Assumimos o papel reservado a quem perde eleições nas verdadeiras democracias. Construímos sólidas estruturas partidárias, depuramo-nos (operação facilitada pela corrupção com que o governo, por meio do seu primeiro "operador de cooptações" no Congresso, Waldomiro Diniz, atraiu os que se haviam infiltrado indevidamente no partido). Até promovemos um processo consistente de "refundação" da legenda. Preparamo-nos para viver nosso papel ideológico de partido democrático, centro-reformista e modernizador.
E aqui estamos, puros de espírito, limpos de conduta, livres de suspeitas, comprovados como partido que faz oposição responsável. Fazemos oposição ao governo, não ao Brasil.
Enquanto isso, arrogantes, os petistas montavam um governo cenográfico. Construído com o papelão da corrupção, o governo e seu partido agora se desfazem aos jatos d'água da CPI dos Correios. Fundado na criação do maior ministério da história, com 36 ministros, que significaram gastos com salários, automóveis, milhares de DAS, verbas de propaganda, viagens, instalações etc. -aliás, bote-se etc. nisso- para servir de "seguro-desemprego" a mais de uma dezena de petistas derrotados nas eleições de 2002. Foram 36 rostos e nenhum espírito comum que os integrasse ou comprometesse.

Ao findar seu mandato, já irá tarde e atrasado. Governo que se afoga na própria corrupção não merece socorro

O presidente não governa, faz discursos que o próprio Lula classifica como discursos de "bravatas", alguns; "bobagens", outros; todos shows histriônicos. Quem governava era um poderoso "primeiro-ministro", cargo que só existe no sistema parlamentarista, que o PT combateu com todas as armas no plebiscito de 1993. Mesmo assim, um "primeiro-ministro" exercia informalmente superpoderes e até os transferia a colaboradores, como Waldomiro Diniz, o tal homem que chantageava bicheiros no Rio e estabeleceu no Palácio do Planalto seu escritório de lobista para favorecer os donos de bingos. Ou Silvinho Pereira, Marcelo Sereno, Delúbio Soares e essa espantosa figura de Marcos Valério, aventureiro travestido de publicitário, empresário, financista e, principalmente, corrupto e corruptor exemplar. Quem deu poderes a Marcos Valério para operar o processo petista de distribuição de propinas com dinheiro público ou tirado "do bolso gordo dos salafrários, do bolso raso dos operários", para usar o verso do poeta Manuel Bandeira?
"União nacional" para salvar um governo de espantalhos? Não, ora essa! Se for para proteger a economia, também não. Primeiro, porque graças à crise a burocracia imobilizada faz crescer o superávit das contas do governo: em maio, mal deflagrado o escândalo dos Correios, o superávit foi de R$ 3,4 bilhões, enquanto em junho, com a temperatura da crise crescendo, subiu para R$ 5,9 bilhões. Uma economia de gastos de quase R$ 3 bilhões. Pela amostra, vê-se que a crise não é econômica, mas do governo Lula, que aumentou impostos já próximos de 40% do PIB; subiu os juros e não cumpriu seu compromisso de campanha de criar 10 milhões de empregos, com tudo que tal meta representa. Quanto aos indicadores do mercado mais divulgados, câmbio e Bolsa de Valores, só oscilam mais seriamente quando o presidente fala "bobagens", como ele mesmo classifica seus excessos verbais, como antes reconheceu dizer "bravatas".
Não é verdade que as instituições estejam ameaçadas. Nunca neste país houve tanta consciência dos direitos civis nem se respirou tanta liberdade, garantias individuais e o funcionamento adequado dos três Poderes da República.
Nem a população esteve tão vigilante. Oito em cada dez brasileiros se declaram informados sobre a sujeira moral e as cifras dos prejuízos causados pela corrupção apurada pela CPI dos Correios. O país não está em crise, a crise é do governo e se esgota no governo. Assim como depende do governo, se não tentar sabotar, que as CPIs cumpram seu papel constitucional. Não há conspirações, muito menos ações públicas golpistas, como eram os gritos de "fora FHC", regidos pelo próprio Lula.
O que desmorona é o PT, tão cenográfico quanto o governo Lula, que se esvai moral, política e administrativamente e, ao findar seu mandato a 31 de dezembro de 2006, já irá tarde e atrasado. Governo que se afoga na própria corrupção não merece socorro.
E que as CPIs cumpram, sem medo ou acordos, o seu papel, até o fim. Amém.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog