Em meio à crise avassaladora que vivemos, há constatações quase certas e cenários impossíveis de definir. Dentre as constatações, destacam-se pelo menos duas: 1) o processo de impeachment do presidente Lula é muito improvável; 2) a possibilidade de tudo terminar em pizza também, embora seja difícil medir o alcance da cirurgia.
As razões para que não se promova o impeachment são várias e bastante conhecidas. Não é que haja carência de fatos para lastrear uma iniciativa dessa natureza, mas, se excluirmos os desejos da minúscula extrema esquerda, ninguém quer ver Lula fora do poder até o fim de 2006. Se alguma conspiração existe no ar, é a conspiração pela sua permanência.
Em favor desse paradoxal desejo, militam fatores diversos: a preservação da estabilidade econômica; o prestígio do presidente, arranhado, mas ainda em nível alto; os arrepios provocados pela possibilidade da ascensão ao poder do vice José Alencar ou, na linha de sucessão, do deputado Severino Cavalcanti; a falta de legitimidade do atual Congresso, onde tramitaria o processo de impeachment; a impossibilidade de mobilizar setores da população em favor de uma medida extrema.
Não me parece, porém, que tudo vá terminar em pizza. A tentativa esboçada dias atrás nesse sentido não chegou a sair do forno, embora se sentisse um cheiro de orégano no ar, como disse uma colunista dotada de faro apurado -Dora Kramer, em "O Estado de S. Paulo".
A repulsa ao "acordão" derivou de setores da classe política que, por razões de princípio, por razões pragmáticas ou por uma combinação de ambas, repeliram as manobras que redundariam numa desmoralização de algumas instituições e da vida política ainda mais profunda do que a atual, figurando nesse quadro o Congresso, em primeiro lugar.
Não me parece que tudo vá terminar em pizza. A tentativa esboçada dias atrás nesse sentido não chegou a sair do forno |
Derivou também da atividade da mídia, que tem desempenhado um papel essencial no sentido de informar a opinião pública. Ressalvados exageros, talvez inevitáveis, na competição por trazer à tona novas revelações, a mídia responsável vem se comportando como um ator político de primeira plana, impedindo que a lama seja jogada para debaixo do tapete. Isso aconteceu no episódio do afastamento de Collor e se repete felizmente agora. Convém entretanto ressalvar que, se a pizza se tornou muito improvável, é bem difícil afirmar qual o grau das decisões cirúrgicas, dizendo respeito não apenas ao número de cassações mas também aos vários efeitos institucionais.
Por outro lado, são múltiplos os cenários de quase impossível definição. Fico com o caso das incertezas em torno da sucessão presidencial que se delineiam, paradoxalmente, a partir de uma certeza: os fatos -e que fatos!- transformaram uma reeleição quase inevitável do atual presidente numa corrida cujas dimensões só o tempo dirá.
A imprevisibilidade tem levado, muitas vezes, a uma falta de foco da estratégia da oposição. Por convicção ou pragmatismo, em maior ou menor grau, os oposicionistas têm repelido as seduções do processo de impeachment, marcando uma distância que só os valoriza, em contraste com a campanha do "fora FHC", promovida a partir dos cérebros férteis de alguns bacharéis, já lá vão alguns anos.
A oposição não cogita de iniciativas extremas, mas hesita diante da calibragem do comportamento a adotar: deixar o presidente Lula meio preservado, na medida em que isso ainda é possível, ou partir para uma ofensiva direta, em busca de erodir mais ainda e a curto prazo a imagem presidencial? Na primeira hipótese, não haveria o risco de a oposição contribuir para que, de um jeito ou de outro, o atual presidente chegasse a ser um candidato forte à reeleição? Seria mesmo melhor guardar a ofensiva para uma campanha em que Lula como candidato estaria sujeito aos ventos e às tempestades, sem as deliberadas salvaguardas que hoje o cercam?
Se descartarmos como improvável -embora não impossível- o pior dos desastres, ou seja, o triunfo de um candidato salvacionista com tons bíblicos, assentado em bens de barro, nem por isso a reeleição do atual presidente deixaria de ser também fonte de sérias preocupações. Já imaginaram o segundo mandato de um presidente sem legitimidade, sem vocação para governar -para dizer o menos-, com uma bancada partidária presumivelmente menor do que a atual e sem contar com iscas saborosas para alimentar os apetites de uma presumível base aliada?
Mas, quem sabe, os pesadelos se desfaçam e cedam lugar ao sonho da eleição de um presidente que presida, capaz de obter, pela força da convicção, um consenso básico que incluiria um PT supostamente refundado. Quem sabe, a partir do tão desejável consenso, seria possível tornar viável uma agenda de proposições e de reformas que nos levasse a caminhos mais positivos e menos tristes do que os inevitáveis caminhos atuais?
Para concluir, noto que, não por acaso, este texto está permeado de interrogações. Pois como já se disse, "quem achar que tem claro o que vai acontecer é porque não está entendendo nada".
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