Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 04, 2005

DEMÉTRIO MAGNOLI Ninguém segue o líder

FOLHA DE S PAULO

  "O que temos visto é que os EUA vão apoiar o candidato que a região apóia. Se sentirem que o vento está indo numa direção, eles mudam e apóiam outro candidato." Segundo o prognóstico esperançoso, formulado há duas semanas por Rogério Studart, diretor-executivo do Brasil no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Washington abandonaria na reta final a candidatura do colombiano Luis Alberto Moreno, assegurando a vitória do brasileiro João Sayad à presidência do banco. Studart acertou e errou: os EUA apoiaram "o candidato que a região apóia", que era Moreno, e não Sayad. A política externa brasileira perdeu outra batalha, desta vez lutando na arena que escolheu.
Antes do BID, foi a vez da OMC (Organização Mundial de Comércio), onde a improvisada candidatura brasileira naufragou na primeira rodada de consultas. Naquela ocasião, o Itamaraty colocou-se na constrangedora posição de apoiar o candidato uruguaio, contra quem tinha lançado o nome de Seixas Corrêa, apenas para assistir à escolha do francês Pascal Lamy, um ardente defensor do protecionismo agrícola europeu.
O contexto do fracasso no BID é diferente. A candidatura de Sayad não foi uma aventura e o brasileiro figurava, de longe, como o postulante mais bem preparado para o cargo. Mas o que salta à vista não são as diferenças e sim a semelhança entre as duas derrotas sucessivas: faltou ao Brasil o apoio regional. Seixas Corrêa não conseguiu apoio de nenhum país da América do Sul, que pendeu para o postulante uruguaio. Sayad, numa disputa circunscrita ao continente, contou com parcos quatro votos sul-americanos e, no Mercosul, apenas com o apoio da Argentina. Os EUA, patrocinadores da candidatura colombiana, mais uma vez evidenciaram que não se consideram em dívida com o país que desempenha a função de seu pistoleiro de aluguel no Haiti.
Lula e Celso Amorim estão, agora, intelectualmente impedidos de reiterar suas patéticas mas freqüentes proclamações sobre a "liderança brasileira" na América do Sul. Tais proclamações refletem a política arrogante conduzida pelo Brasil na região, que por sua vez contribui para dissolver a aliança estratégica com a Argentina e a base de confiança cuidadosamente construída no marco da América do Sul. A oportunidade para uma profunda mudança de rota encontra-se na 1ª Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações, no fim de setembro, em Brasília. Mas tudo depende da capacidade de empreender uma humilde revisão da concepção sobre a qual se assenta a política externa de Lula e Amorim: o conceito geopolítico de potência média.
A concepção, elaborada pelo pensamento militar ao longo do século 20, perdeu sua consistência com a globalização e com a renúncia brasileira ao desenvolvimento de tecnologia nuclear com fins bélicos. O Mercosul e a integração sul-americana emanaram de uma reorientação da política externa brasileira que, embora incompleta, desenhava os contornos de uma esfera regional de cooperação econômica e articulação política amparada sobre valores e interesses. O fio dessa meada, cortado há quase três anos, ainda pode ser recuperado. O obstáculo está em nós: a crença sectária da cúpula atual do Itamaraty nas fantasias de potência inventadas pela sua própria linguagem e incensadas por intelectuais que giram como mariposas em torno da luz do poder.

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