Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 19, 2005

Xico Graziano:Salada indigesta

O Estado de S Paulo

Primeiro foi o tal de Marcos Valério. Descoberto saque suspeito, de R$ 21 milhões, em sua conta bancária, o publicitário de araque afirmou ter a fortuna sido empregada na compra de gado. Soou estranho.

Cadê a boiada? Com essa grana se podem adquirir cerca de 40 mil reses, das grandes. Ninguém escapa de ser notado com um plantel assim volumoso. Nas lides da pecuária, era completamente desconhecido o fazendeiro careca. Tudo não passava de vil disfarce.

Os jornalistas continuaram investigando. De repente descobriram operações de financiamento, avalizadas pelo mesmo homem da mala, diretamente para o PT. Quem emprestou? O Banco Rural.

Dias depois, prenderam o cearense com a cueca entupida de dólares, 100 mil verdinhas. Na mala, detectada pelo raio X, havia mais R$ 200 mil. Ao justificar a dinheirama, disse tratar-se da venda – pasmem! – de legumes e verduras. Lá na Ceagesp.

Ora, ao preço médio da alface, o homem precisaria ter vendido 106 caminhões da mercadoria, carregados com 956 mil pés da verdura. Haja tempero! Se fosse abobrinha, a conta daria 665 mil quilos. Negócio esquisito.

Coincidência do azar. As três notícias soam como um tapa na cara do agricultor. O banco suspeito já trás, bem no nome, o rural. Os malandros, ambos, na hora do aperto, tentam esconder sua falcatrua entre bois, verduras e legumes. Sujam o campo.

Passa algum tempo, surge uma explicação: o fulano é "laranja". Piorou. Novamente, a figura de linguagem ataca o campo. É incrível. Por alguma razão que ninguém jamais entendeu, laranja passou a ser designado aquele que, em nome de alguém, manipula dinheiro sujo. Sinônimo de malandragem.

Vem de longe essa mania brasileira de, na linguagem coloquial, se referir depreciativamente às coisas da terra. Curiosamente, a comparação metafórica é sempre negativa. Basta relembrar.

Quando alguém é julgado pouco inteligente, acaba tachado de "burro". Criança, ao se lambuzar com bolacha ou causar sujeira, se parece com um "porco". Sicrano, grosseiro no trato, ou no esporte, é um "animal". Se mulher gosta de entregar seu corpo, vira uma "vaca". Ou, então, uma "galinha".

No reino dos vegetais, as figuras de linguagem também rolam fácil. Chamado para realizar alguma tarefa difícil, especialmente na administração, a expressão surge infalível: "Que abacaxi, hein?" Às vezes, troca-se a fruta pela corcubitácia: "O cara pegou um pepino!"

"Vá plantar batatas" é expressão que parece vir de épocas antigas, quando a lavoura se fazia penosa ao ser humano. Nesse caso, descobre-se uma razão para a telúrica metáfora.

Quando se dizia, até há algum tempo, que alguém era "melancia", os reacionários da época queriam referir-se aos ecologistas, que, na verdade, eram comunistas. Quer dizer, verdes por fora, vermelhos por dentro. Fazia sentido. Nem sempre, entretanto, se conseguem entender as razões no uso dessa linguagem esdrúxula, que torna negativa a imagem rural. O costume parece carregar, na linguagem, um preconceito histórico contra o campo. Uma forma de discriminação.

Recentemente, ao invés de a sociedade superar a esquisitice lingüística, reforçou-a, inventando novas expressões. Aparentemente, sem razão lógica. A mais forte e depreciativa é aquela do "laranja". Afinal, por que laranja? Devido à casca amarela? Aos gomos cheios de garrafinhas? O que tem isso que ver com a safadeza? Vá entender!

Será que esse Marcos Valério botou a culpa na boiada de caso pensado, querendo diluir sua picaretagem entre as mazelas latifundiárias do País? Seu mote pode ter sido a fama, criada no passado, de que os boiadeiros disfarçam seu patrimônio no rebanho, subtraindo do Fisco sua riqueza. Quem sabe?

Pode ter sido – por que não? – um assopro do Zé Dirceu, mineiro matreiro que é. Ou uma idéia do próprio Delúbio, goiano da gema, certamente versado nas lides da pecuária. Vai ver ambos detestam suas origens caboclas, encontrando assim uma forma de se vingar dos seus ancestrais. Pelo sim, pelo não, o arroubo do publicitário urbanóide estimulou uma aversão.

Já com o cara da cueca, apenas uma chance remota pode explicar, racionalmente, sua mentira. A Ceagesp hoje em dia está sob o comando dos sindicalistas de Osasco. Ato falho, a primeira coisa em que o cutista pensou, ao ser pego com a mão na botija, foi nessa salada indigesta da política nacional, temperada pelos petistas.

Triste sina da agricultura. Como se já não bastassem suas próprias desgraças, gente de colarinho branco, políticos suspeitos lhe sujam o nome. Inventam histórias mentirosas, deformam o folclore nacional. Engrossam o antimarketing rural. Fazer o quê? Cabe aos agricultores, como a qualquer cidadão de bem, exigir que se apure devidamente essa maracutaia do mensalão. De quebra, que se passem a limpo as empresas estatais. Como se diz na roça, utilizando a linguagem figurada, da boa, todos esperam que o Lula pegue o "touro à unha"!

Na comunicação, que se esclareçam bem as coisas. Fique certo, de início, que esse Banco Rural não pertence ao setor agrícola. Seu nome faz propaganda enganosa. O careca nem cria gado nem publicitário é, renegado pela própria classe que foi. Ele que não venha, com sua mentira, manchar as mãos calejadas do agricultor.

O assessor político, coitado, de sindicalista virou "mula". Opa, desculpem os asininos pela ofensa. Não passa de um gaiato, um reles malandro. É o que pensam os agricultores.

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