Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 23, 2005

VEJARoberto Pompeu de Toledo Uma furtiva lágrima


Uma tentativa de explicar
a origem da barafunda em que
se meteram o governo e o PT

Que se passava na cabeça deles? Eis o supremo enigma. A esta altura já emerge claro, com base não só nos indícios como nos documentos, não só no que foi dito nos depoimentos como, mais ainda, no que neles foi silenciado, que a grande obra do governo Lula foi a montagem de uma gigantesca estrutura de compra de pessoas e solapamento das instituições do Estado. Qual era a idéia por trás disso? Qual o projeto? O primeiro motivo de perplexidade é a própria insistência num estratagema que, não faz muito, foi tentado, neste mesmo e pobre país, com resultado desastroso para seus artífices. Se já não deu certo com Collor, por que ia dar agora? O governo do PT lembra o de George W. Bush. Os Estados Unidos conheceram o maior desastre militar de sua história, entre os anos 1960 e 1970, ao se enfiarem numa terra estranha e se engajarem numa guerra impossível de ser ganha. Imaginava-se que a lição do Vietnã tinha sido assimilada para não se repetir jamais. Pois, com o desastre ainda fresco na memória histórica da nação, ainda assim lá vai W. Bush e enfia de novo o país numa terra estranha, e engaja-o numa guerra impossível de ser ganha. Se não deu certo no Vietnã, por que daria no Iraque?

Mas a questão principal não é essa. É o porquê. Por que fizeram isso? Com que objetivo? Uma possível explicação começa com uma certa lágrima derramada em Havana, em setembro de 2003. A lágrima escorreu do olho do então todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, em visita oficial a Cuba, como membro da comitiva do presidente Lula, ao ser abraçado por Fidel Castro. A saudação do comandante foi demais para ele. Não passou despercebida, na ocasião, a fragilidade do coração do número 1 do gabinete, o "capitão do time", como o classificava Lula. Mas a lágrima era também um manifesto político. Exprimia a duradoura fé no regime personificado pelo comandante. Pouco antes, em Cuba, setenta intelectuais opositores do regime tinham sido encarcerados e três pessoas executadas por seqüestrar um barco. Dirceu não chorou por eles. O lado para o qual direcionou o choro indicava um persistente desprezo pelo "Estado burguês". Para o dono da lágrima, apesar das afirmações em contrário, e em desacordo com a conclusão a que uma ampla maioria das esquerdas mundiais chegou, ao cabo de um doloroso processo de purgação de seus erros, a democracia continuava um meio, não um fim.

Daí que a chegada ao poder devesse ser aproveitada para iniciar um processo ao término do qual um outro regime, radioso e libertador, seria instalado no país. Desde logo se desencadeou um movimento de pinça pelo qual, por um lado, os órgãos do Estado foram assaltados pelos apparatchiks, seguindo a cartilha dos regimes totalitários, e por outro se saiu comprando os apoios e silêncios disponíveis – e eles estão sempre disponíveis em abundância – na praça. Assim se preparava o caminho para uma longa permanência no poder, durante a qual se assistiria à derrocada do vício e ao triunfo da virtude. É paradoxal que, na montagem de tal estratagema, Dirceu e os cabeças do partido sofressem a oposição da esquerda, ao mesmo tempo em que cumulavam a direita de gentilezas. Eram conseqüências inevitáveis da tática escolhida, semelhante à dos agentes secretos que se infiltram no ambiente onde lhes cabe agir, nele se entrosam e com ele se confundem, sem levantar suspeitas, até o dia em que se sentem seguros o bastante para começar a operar.

Se não isso, por quê? A hipótese aventada é no fundo uma homenagem a José Dirceu. Qualquer outra, para a origem do festival de roubalheiras e safadezas que assola o país, lhe seria mais desairosa. Esta lhe permite distinguir-se, no fim último, do esquema Collor. Diga-se de passagem que aqui se insiste tanto em Dirceu porque não se é promovido a capitão do time impunemente. Quanto a Lula, estava ocupado demais em festejar a vitória, e satisfeito demais em ter quem governasse por ele, para se incomodar com tais questiúnculas.

Se tem um lado de homenagem, no entanto, a hipótese é ao mesmo tempo devastadora para a reputação do ex-chefe da Casa Civil. Como é que ele foi imaginar que isso podia dar certo? "Não podia dar, os senhores são muito atrapalhados", sentenciou a deputada Denise Frossard, na CPI dos Correios, ao expor tese parecida de golpe nas instituições. Dirceu não calculou o potencial explosivo da contradição em que estava montado, ao unir revolucionários, oportunistas, corruptos e inocentes úteis no mesmo barco. Não levou em conta logo a "contradição", palavra tão preciosa no dicionário marxista, e ela estourou-lhe na cara com as denúncias de Roberto Jefferson. Não levou em conta, além disso, que, uma vez solta, a corrupção impõe sua própria lógica, e que mesmo entre os melhores soldados o carrão da moda, o apartamento de luxo e a casa na praia não demoram para virar objetivos em si mesmos, delícias irrecusáveis, regalos com mais promessas de gozo e prazer do que o nirvana da revolução.

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