Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 16, 2005

VEJA André Petry


Eles estão chocados

"Que providências eles vão exigir caso
alguém lhes conte que quase um terço dos
330 000 presos brasileiros não foi julgado
até hoje mas segue atrás das grades?"

A batida policial na Daslu e a prisão de sua dona, Eliana Tranchesi, tiveram um efeito semelhante ao dos milagres no Congresso Nacional do mensalão. Sob o choque da operação policial, um grupo de políticos, tal como cândidas donzelas, repentinamente descobriu um quadro de horror – um Brasil onde há violência policial e até prisões arbitrárias!

Arnaldo Faria de Sá, do PTB paulista, subiu à tribuna para denunciar que estamos vivendo sob um "estado policial" e para acusar a Polícia Federal de estar "tentando criar uma luta de classes" jogando os pobres contra os ricos.

Zulaiê Cobra, do PSDB de São Paulo, disse que tal arbitrariedade não pode acontecer "num governo democrático, do povo, chefiado por um homem que já foi pobre". O prefeito de São Paulo, o tucano José Serra, não compreendeu a prisão da dona da Daslu, "uma vez que ninguém ia fugir". O prefeito, ora pois, sabia que ninguém ia fugir.

Luiz Carlos Hauly, do PSDB do Paraná, disse que a operação era "cortina de fumaça" para proteger o presidente Lula das denúncias que o atingem. O deputado Onyx Lorenzoni, do PFL gaúcho, concordou. Disse que a batida policial não passou de uma "manobra diversionista".

Alberto Goldman, tucano de São Paulo, fez questão de dizer que não conhece a dona da Daslu e que nunca esteve na loja, nem no endereço antigo nem no atual, mas, mesmo por fora, sabe que o trabalho da polícia foi "uma ação política predeterminada".

Antônio Carlos Magalhães, do PFL baiano, amigo íntimo de Eliana Tranchesi, ficou desolado. Não entendeu como a polícia pôde ser tão cruel com "uma empresa que produz e que dá mais de 1 600 empregos".

Jorge Bornhausen, do PFL de Santa Catarina, ficou tão perplexo, mas tão perplexo, que previu até o risco da deflagração de uma crise econômica, pois, com uma polícia truculenta e abusada, quem vai querer investir no país?

É, eles estão chocados...

O que será que esses políticos farão no dia em que descobrirem que, no mesmo país onde eles moram, acontecem coisas piores? O que farão se ficarem sabendo que, de 1985 até 2002, houve pelo menos 6.330 prisões arbitrárias de trabalhadores rurais, apenas de trabalhadores rurais? Que providências vão exigir caso alguém lhes conte que quase um terço dos 330.000 presos brasileiros não foi julgado até hoje mas segue atrás das grades?

A Federação das Indústrias de São Paulo, a poderosa Fiesp, também ficou indignada com o tratamento policial dado à Daslu. Tão indignada que até planeja fazer um ato público para "defender o Estado Democrático de Direito". Com toda a razão, a Fiesp acha inadmissível que "alguém possa ser preso" sem que sua culpa esteja evidenciada.

Já pensou se contarem à Fiesp que já houve "alguém" preso e até assassinado nessas circunstâncias? Em agosto de 2003, o comerciante chinês Chan Kim Chang foi preso quando tentava embarcar para os Estados Unidos com 30.500 dólares sem declaração prévia e foi espancado até a morte.

É bom que nem a Fiesp nem os políticos tomem conhecimento dessas coisas terríveis. Eles ficariam escandalizados.

Um comentário:

ARTIGOS disse...

A Daslu e a sede dos canibais
Os canibais fiquem certos. Não me arrependo de uma miserável linha do texto que escrevi em defesa da Daslu ainda que Eliana seja culpada de tudo de que a acusam. Eu o assino de novo

Por Reinaldo Azevedo

Dêem um copo de sangue aos canibais, Eles estão com sede. Se Eliana Tranchesi cometeu um ou todos os crimes de que é acusada, que pague por eles. Mas já foi julgada e condenada? Digamos que seja inocente, algo a fazer com a sua reputação? Que Estado de Direito é este que primeiro pune para depois investigar? Todo empresário “deste país”, como diz aquele, deve recorrer ao STF para conseguir um habeas corpus preventivo. Sob qual pretexto? Qualquer um. A democracia à moda Putin-Lula-Chávez não precisa de motivos. Precisa de pretextos.

Dêem um copo de sangue aos canibais. Eles estão com sede. Quer dizer que a investigação está em curso há dez meses, e só agora se decidiu pela punição, invadindo a empresa e a casa de Eliana Tranchesi com homens armados até os dentes e coletes à prova de bala? Nada menos de 240 foram mobilizados. O que acharam que ela faria? Agredi-los com vestidos Chanel e gravatas Ermenegildo Zegna? Ainda que ela seja realmente sonegadora e tenha formado quadrilha, como se diz: a portaria de Márcio Thomaz Bastos (publicada nesta edição) foi respeitada? Vamos demolir a Daslu, como sugere ironicamente um leitor. Assim como se fez com o Carandiru. Vamos fazer da Daslu um monumento ao ressentimento e à vigarice.

Dêem um copo de sangue aos canibais. Eles estão com sede. Na TV, a casa de Eliana é chamada “mansão”. Vamos comer os ricos. Ricos não têm casa. Ricos têm mansão! Vamos prender Eliana Tranchesi e deixar os contrabandistas da 25 de Março à solta, já que cumprem uma função social. Vamos prender Eliana Tranchesi e deixar Marcos Valério, com seu habeas corpus preventivo (tenha o seu), à solta. E, junto com ele, Waldomiro Diniz e aqueles que compram congressistas e também os congressistas que se vendem.

Dêem um copo de sangue aos canibais. Eles estão com sede. A operação se chama “Narciso”, uma referência, sei lá, às pessoas que recorrem à Daslu para satisfazer a própria vaidade, esse sentimento pernóstico nestes dias. Bonito é roubar merenda escolar. É nomear maganos do partido para a comissão de licitação nas estatais. É superfaturar serviços de propaganda para pagar mensalão. É lotear cargos públicos para achacar empresas privadas. Isso é bonito. E, depois, bater no peito e arrotar moralidade. Sim, é verdade: o governo Lula, finalmente, começou para valer.

Dêem um copo de sangue aos canibais. Eles estão com sede. No caso Kroll, prenderam-se cinco funcionários acusados de grampo. Feita a perícia, tratava-se de antigrampo. No caso Schincariol, fez-se aquele carnaval antes mesmo que a empresa fosse autuada pela Receita. Não querem arrecadar. Querem punir para tirar o peso das suspeitas e das acusações dos próprios ombros. Reitero: se Eliana for culpada, que pague. Mas nada disso era necessário. A Polícia Federal não está defendendo o Estado de direito. Está ocupada em fazer videoclipe.

Dêem um copo de sangue aos canibais. Eles estão com sede. Sem a visibilidade dada à Daslu, nada disso estaria acontecendo. Não enfrentassem o governo e o partido oficial um tsunami de acusações, é provável que mesmo as irregularidades eventualmente comprovadas ganhassem um outro encaminhamento, extralegal talvez. Mas chegou a hora de dar a carcaça dos ricos aos pobres. Começou a fase Chávez do governo Lula. Que, atenção!, continuará, a exemplo do venezuelano, diga-se, absolutamente servil aos mercados e à jogatina financeira. Ou alguém acha que o Maluco de Caracas dá murro em ponta de faca? O risco da Venezuela está sempre pertinho do risco do Brasil.

Dêem um copo de sangue aos canibais. Eles estão com sede. Recebi mais de 40 e-mails sobre a Daslu. Os que me elogiam ou criticam, sem ofensa pessoal, estão publicados. Alguns ainda serão. Boa parte é impublicável, tal a grosseria — não contem comigo para me ofender, cambada! E tudo porque, há alguns dias, escrevi um texto sobre o preconceito e o ressentimento de que a loja e a empresária estavam sendo alvos. Ainda na coluna da Folha desta quarta, Elio Gaspari faz um gracejo com a sacola da Daslu, usada em seu texto como símbolo de alienação e elitismo. A moda pegou. Falar mal da Daslu, de Gaspari ao mais cretino dos homens, rende simpatia. Parece que foi ela que mandou Delúbio Soares ser quem é e fazer o que fez com o seu partido e com o Brasil.

Dêem um copo de sangue aos canibais. Eles estão com sede. As redações já estão coalhadas com as “provas” enviadas pela Polícia Federal. Vocês conhecerão todos os “horrores” de Eliana Tranchesi antes que ela mesma saiba o que se diz dela. Assim entendem ser o Estado de Direito. Acham que, assim, não há discriminação. A regra de ouro é a seguinte: já que não há Estado de Direito para os pobres, que não haja também para ricos. Se um pobre e preto pode ser preso a qualquer momento, sem justificativa, por que não uma loura rica? É o socialismo da miséria material e da indigência intelectual. Não nos ocorre dar ao preto pobre os mesmos direitos da loura rica. A primeira coisa que se faz é cassar os da loura rica. Igualando todo mundo por baixo. Enquanto Lula faz discursos enérgicos na França sobre as injustiças sociais no... Haiti. Lula para presidente do Haiti! Eis o meu lema.

Dêem um copo de sangue aos canibais. Eles estão com sede. Um homem plantado pelo PT na Abin refere-se aos parlamentares da CPI como “bestas-feras num picadeiro”. O seu exagero de agora revela o escândalo pregresso: o da sua nomeação. Recuperem o que disse este senhor quando foi nomeado. Está hoje no site. Ofereceu-se para ser esbirro de um projeto de poder, não para servir ao Estado brasileiro. Assim começam a se desenhar as instituições no país sob o PT. O chefe da Abin deve cair porque ou se precipitou no seu juízo (isso deveria ser para uma etapa posterior da revolução de costumes) ou porque tornou pública a razão que sempre o animou no cargo. Mas é isso o que eles dizem lá entre eles sobre o Poder Legislativo. Mas quem merece a ameaça armada de 240 agentes é Eliana Tranchesi, presa em sua “mansão”. Vamos invadir o Palácio de Inverno dos ricos, expropriá-los, comê-los, satanizá-los, fuzilá-los. A menos que colaborem.

Dêem um copo de sangue aos canibais. Eles estão com sede. Márcio Thomaz Bastos, de fato, está sendo exemplar. Nunca um ministro colaborou tanto com um projeto de poder. Ninguém, como ele, consegue transgredir os limites do Estado de Direito, embora a sua ação mimetize o cumprimento de todas as suas regras. É seu mais fino e delicado operador. Chávez conta com a sua pantomima de Guarda Vermelha, os seus bolivarianos armados. O ministro da Justiça está armando a sua tropa de elite da Polícia Federal. É como se dissesse, em tom de desafio: “Vocês não reclamam da impunidade? Então, tomem!”. Reitero: se Eliana Tranchesi errou, que pague pelo seu erro. Mas será ela a merecer a companhia de agentes armados? Faz-se aqui o que Putin faz na Rússia com os seus adversários políticos, a exemplo do dono da Yukus. Arruma-se o pretexto legal para a prisão, escondendo os seus reais motivos. Democracias lidam com motivos. Ditaduras lidam com pretextos.

Os canibais fiquem certos. Não me arrependo de uma miserável linha do texto que escrevi em defesa da Daslu ainda que Eliana seja culpada de tudo de que a acusam. Eu o assino de novo. Porque suas eventuais transgressões não diluem a névoa de ressentimento e canalhice invejosa que cobriu a inauguração de sua loja. Os que a hostilizavam não o faziam porque ela sonegava, mas porque a queriam responsável pelas misérias do Brasil. A nova Daslu, se não me engano, consumiu R$ 100 milhões em investimentos. Eliana trabalha há mais de duas décadas. Marcos Valério, sem produzir um parafuso ou vender uma gravata, movimentou R$ 1,5 bilhão em cinco anos. Mas o governo Lula, que começa para valer neste dia 13, já escolheu os bandidos do Brasil. Já decidiu quem vai para a cadeia e quem ajuda a governar o país.

Os canibais podem rosnar e soltar a sua baba vermelha. Não arredo pé.

PS: A Justiça acaba de determinar o fim do regime de isolamento, ou que nome tenha, para Fernandinho Beira Mar. É isso mesmo. Um bom país é aquele em que Eliana Tranchesi fique presa, e Beira Mar, mais solto. Estamos escolhendo o nosso futuro.

Arquivo do blog