Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 18, 2005

Qualidade dos doutorados LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

folha de s paulo


A Folha publicou, em 28 de junho, uma excelente reportagem sobre a falta de demanda de doutores formados por nossas universidades. É um problema que vem merecendo atenção cada vez maior da mídia e agora teve um tratamento abrangente. Em geral, a ênfase do noticiário tem sido colocada na resistência das universidades privadas em contratar doutores porque custam mais do que os mestres, que, por sua vez, custam mais que os meros bacharéis. Essa é uma causa, mas, descartando a alternativa do excesso de oferta, outra explicação possível é a qualidade dos doutores formados pelo sistema de pós-graduação brasileiro.
A comunidade de ciência e tecnologia do Brasil e o Estado brasileiro se orgulham do número crescente de doutores. Desde que iniciou seu programa de pós-graduação, em 1970, com base no parecer 977/65, do Conselho Federal de Educação, de autoria do professor Newton Sucupira, o Brasil montou um dos melhores sistemas de pós-graduação existentes entre os países em desenvolvimento. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) teve um papel fundamental, regulando o sistema e fornecendo bolsas aos candidatos a mestrado, doutorado e pós-doutorado.
De acordo com a reportagem, "em 2003, o Brasil bateu seu recorde de formação de doutores: 8.094 (em 1981, eram apenas 551). No período, segundo o Institute for Scientific Information, o país triplicou sua participação na produção científica mundial. Em 1981, o Brasil respondia por 0,42% dos artigos publicados no mundo. Hoje, essa fatia é de 1,55%". Entretanto, enquanto o número de doutores formados se multiplicava por quase 15, o número de citações se multiplicava apenas por 4. Os dois números não são diretamente comparáveis, porque existe uma defasagem entre a formação de doutores e sua produção científica, mas a discrepância é significativa.
Estou convencido de que o governo, com o apoio da comunidade de ciência e tecnologia, vem cometendo um erro ao medir seu êxito pelo número de doutores que forma anualmente. O prejuízo para a qualidade dos formandos torna-se inevitável. A Capes e a própria comunidade há muito usam como principal critério de êxito dos programas de pós-graduação a quantidade de doutores formada, o tempo que demora a formação de um doutor, a quantidade de "papers" publicados pelos professores do programa etc., partindo do pressuposto raramente discutido de que a qualidade está assegurada. E, quando esta é considerada, como no Qualis (sistema de pontuação para trabalhos publicados em revista), atribuem-se muito mais pontos a "papers" publicados em revistas estrangeiras, mesmo no caso de ciências sociais. Mas esse é outro problema.
Ao definir a quantidade como critério, a qualidade fica prejudicada. No caso dos doutorados, o problema está no prazo para a formação dos doutores. Sem dúvida, é necessário ser rígido quanto ao tempo de bolsa de doutorado; a rigidez em relação ao tempo de doutoramento, porém, não faz sentido. Na verdade, é um incentivo à aprovação de teses com discutível valor científico. É necessário ter prazos, mas deve ser relativamente fácil prorrogá-los.
O prazo rígido pode ser visto positivamente como uma pressão sobre o candidato para que cumpra logo seu projeto, mas, para a efetiva cobrança, basta que a bolsa seja improrrogável -como, aliás, já é. Já sobre o orientador e a banca, o prazo rígido acaba se constituindo em uma pressão indevida. Com esse sistema, o orientador é muitas vezes "obrigado" a aceitar trabalhos que não têm ainda condições de merecer o título. O constrangimento nasce quando o candidato apresenta a tese quase no final do prazo, de forma que o orientador fica com duas alternativas: aceitar ou recusar. E recusar significa inutilizar anos de trabalho por uma decisão. Nossos orientadores não podem fazer como os orientadores nos EUA, onde os prazos são maiores, muito menos rígidos, e a quantidade de formados não é considerada nas avaliações. Quando o trabalho ainda não está bom, dizem ao candidato que volte no próximo semestre, e no próximo -até que o trabalho fique realmente bom ou que o candidato abandone o programa. Nesse sistema, nas boas universidades, um grande número de candidatos não termina seu doutorado, mas isso em nada as prejudica. O importante é que a qualidade das teses e dos candidatos seja alta e honre a respectiva universidade.
Para enfrentar o problema da falta de demanda para doutores, a Capes está planejando uma mudança na lei, de forma a obrigar as universidades a ter uma proporção maior de doutores em seus quadros. Está correta a iniciativa, mas deve ser combinada com um grande debate sobre a qualidade da pós-graduação no Brasil e com o abandono do critério quantitativo na avaliação dos programas. A Capes, na atual gestão, vem se preocupando de forma crescente com a introdução da qualidade na avaliação da produção científica dos professores de pós-graduação. Precisa, também, rejeitar as metas quantitativas na formação de doutores e pensar na qualidade desses doutores. Se não o fizer, a própria sociedade o fará e não dará aos doutores a consideração que devem merecer.

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