A Folha publicou, em 28 de junho, uma excelente reportagem sobre a falta de demanda de doutores formados por nossas universidades. É um problema que vem merecendo atenção cada vez maior da mídia e agora teve um tratamento abrangente. Em geral, a ênfase do noticiário tem sido colocada na resistência das universidades privadas em contratar doutores porque custam mais do que os mestres, que, por sua vez, custam mais que os meros bacharéis. Essa é uma causa, mas, descartando a alternativa do excesso de oferta, outra explicação possível é a qualidade dos doutores formados pelo sistema de pós-graduação brasileiro.
A comunidade de ciência e tecnologia do Brasil e o Estado brasileiro se orgulham do número crescente de doutores. Desde que iniciou seu programa de pós-graduação, em 1970, com base no parecer 977/65, do Conselho Federal de Educação, de autoria do professor Newton Sucupira, o Brasil montou um dos melhores sistemas de pós-graduação existentes entre os países em desenvolvimento. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) teve um papel fundamental, regulando o sistema e fornecendo bolsas aos candidatos a mestrado, doutorado e pós-doutorado.
De acordo com a reportagem, "em 2003, o Brasil bateu seu recorde de formação de doutores: 8.094 (em 1981, eram apenas 551). No período, segundo o Institute for Scientific Information, o país triplicou sua participação na produção científica mundial. Em 1981, o Brasil respondia por 0,42% dos artigos publicados no mundo. Hoje, essa fatia é de 1,55%". Entretanto, enquanto o número de doutores formados se multiplicava por quase 15, o número de citações se multiplicava apenas por 4. Os dois números não são diretamente comparáveis, porque existe uma defasagem entre a formação de doutores e sua produção científica, mas a discrepância é significativa.
Estou convencido de que o governo, com o apoio da comunidade de ciência e tecnologia, vem cometendo um erro ao medir seu êxito pelo número de doutores que forma anualmente. O prejuízo para a qualidade dos formandos torna-se inevitável. A Capes e a própria comunidade há muito usam como principal critério de êxito dos programas de pós-graduação a quantidade de doutores formada, o tempo que demora a formação de um doutor, a quantidade de "papers" publicados pelos professores do programa etc., partindo do pressuposto raramente discutido de que a qualidade está assegurada. E, quando esta é considerada, como no Qualis (sistema de pontuação para trabalhos publicados em revista), atribuem-se muito mais pontos a "papers" publicados em revistas estrangeiras, mesmo no caso de ciências sociais. Mas esse é outro problema.
Ao definir a quantidade como critério, a qualidade fica prejudicada. No caso dos doutorados, o problema está no prazo para a formação dos doutores. Sem dúvida, é necessário ser rígido quanto ao tempo de bolsa de doutorado; a rigidez em relação ao tempo de doutoramento, porém, não faz sentido. Na verdade, é um incentivo à aprovação de teses com discutível valor científico. É necessário ter prazos, mas deve ser relativamente fácil prorrogá-los.
O prazo rígido pode ser visto positivamente como uma pressão sobre o candidato para que cumpra logo seu projeto, mas, para a efetiva cobrança, basta que a bolsa seja improrrogável -como, aliás, já é. Já sobre o orientador e a banca, o prazo rígido acaba se constituindo em uma pressão indevida. Com esse sistema, o orientador é muitas vezes "obrigado" a aceitar trabalhos que não têm ainda condições de merecer o título. O constrangimento nasce quando o candidato apresenta a tese quase no final do prazo, de forma que o orientador fica com duas alternativas: aceitar ou recusar. E recusar significa inutilizar anos de trabalho por uma decisão. Nossos orientadores não podem fazer como os orientadores nos EUA, onde os prazos são maiores, muito menos rígidos, e a quantidade de formados não é considerada nas avaliações. Quando o trabalho ainda não está bom, dizem ao candidato que volte no próximo semestre, e no próximo -até que o trabalho fique realmente bom ou que o candidato abandone o programa. Nesse sistema, nas boas universidades, um grande número de candidatos não termina seu doutorado, mas isso em nada as prejudica. O importante é que a qualidade das teses e dos candidatos seja alta e honre a respectiva universidade.
Para enfrentar o problema da falta de demanda para doutores, a Capes está planejando uma mudança na lei, de forma a obrigar as universidades a ter uma proporção maior de doutores em seus quadros. Está correta a iniciativa, mas deve ser combinada com um grande debate sobre a qualidade da pós-graduação no Brasil e com o abandono do critério quantitativo na avaliação dos programas. A Capes, na atual gestão, vem se preocupando de forma crescente com a introdução da qualidade na avaliação da produção científica dos professores de pós-graduação. Precisa, também, rejeitar as metas quantitativas na formação de doutores e pensar na qualidade desses doutores. Se não o fizer, a própria sociedade o fará e não dará aos doutores a consideração que devem merecer.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
segunda-feira, julho 18, 2005
Qualidade dos doutorados LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
folha de s paulo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Arquivo do blog
-
▼
2005
(4606)
-
▼
julho
(532)
- Do foguetório ao velório Por Reinaldo Azevedo
- FHC diz que Lula virou a casaca
- DORA KRAMER A prateleira do pefelê
- Alberto Tamer Alca nunca existiu nem vai existir
- Editorial de O Estado de S Paulo Ética do compadrio
- LUÍS NASSIF A conta de R$ 3.000
- As elites e a sonegação JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
- Lula se tornou menor que a crise, diz Serra
- JANIO DE FREITAS A crise das ambições
- ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES Responsabilidade e amor ...
- ELIANE CANTANHÊDE É hora de racionalidade
- CLÓVIS ROSSI Não é que era verdade?
- Editorial de A Folha de S Paulo DESENCANTO POLÍTICO
- FERREIRA GULLAR:Qual o desfecho?
- Editorial de O Globo Lição para o PT
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Não é por aí
- Miriam Leitão :Hora de explicar
- Merval Pereira Última instância e O imponderável
- AUGUSTO NUNES :A animada turnê do candidato
- Corrupção incessante atormenta a América Latina po...
- Blog Noblat Para administrar uma fortuna
- Diogo Mainardi Quero derrubar Lula
- Tales Alvarenga Erro tático
- Roberto Pompeu de Toledo Leoa de um lado, gata dis...
- Claudio de Moura Castro Educação baseada em evidência
- Dirceu volta para o centro da crise da Veja
- Ajudante de Dirceu estava autorizado a sacar no Ru...
- Até agora, só Roberto Jefferson disse a verdade VEJA
- O isolamento do presidente VEJA
- VEJA A crise incomoda, mas a economia está forte
- veja Novas suspeitas sobre Delúbio Soares
- VEJA -A Petrobras mentiu
- Editorial de O Estado de S Paulo A conspiração dos...
- DORA KRAMER O não dito pelo mal dito
- FERNANDO GABEIRA Notas de um pianista no Titanic
- Economia vulnerável GESNER OLIVEIRA
- FERNANDO RODRIGUES O acordão
- CLÓVIS ROSSI A pizza é inevitável
- Editorial de A Folha de S Paulo A SUPER-RECEITA
- Editorial de A Folha de S Paulo O PARTIDO DA ECONOMIA
- Zuenir Ventura O risco do cambalacho
- Miriam Leitão :Blindada ou não?
- A ordem é cobrar os cobradores
- Mas, apesar disso, o PSDB e o PFL continuam queren...
- Em defesa do PT Cesar Maia, O Globo
- Senhor presidente João Mellão Neto
- Editorial de O Estado de S Paulo 'Novo fiasco dipl...
- Editorial de O Estado de S Paulo 'Erros', fatos e ...
- DORA KRAMER Um leve aroma de orégano no ar
- Lucia Hippolito :À espera do depoimento de José Di...
- LUÍS NASSIF Uma máquina de instabilidade
- ELIANE CANTANHÊDE Metralhadora giratória
- CLÓVIS ROSSI Socorro, Cherie
- Editorial de A Folha de S Paulo SINAIS DE "ACORDÃO"
- Editorial do JB Desculpas necessárias
- Villas-Bôas Corrêa A ladainha dos servidores da pá...
- Editorial de O Globo Acordo do bem
- Miriam Leitão :Apesar da crise
- Luiz Garcia A CPI e os bons modos
- Merval Pereira Torre de Babel
- DILEMA PETISTA por Denis Rosenfield
- Ricardo A. Setti Crise mostra o quanto Lula se ape...
- Um brasileiro com quem Lula preferiu não discutir ...
- Editorial de O Estado de S Paulo Do caixa 2 ao men...
- Que PT é esse? Orlando Fantazzini
- Alberto Tamer China se embaralha para dizer não
- DORA KRAMER Elenco de canastrões
- LUÍS NASSIF Uma questão de tributo
- PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. Antídoto contra a mudança
- JANIO DE FREITAS Questão de ordem
- Responsabilidade DENIS LERRER ROSENFIELD
- DEMÉTRIO MAGNOLI A ética de Lula e a nossa
- ELIANE CANTANHÊDE Caminho da roça
- CLÓVIS ROSSI Legalize-se a corrupção
- Editorial de A Folha de S Paulo PRISÃO TARDIA
- Lucia Hippolito :Uma desculpa de Delúbio
- Cora Ronai Não, o meu país não é o dos delúbios...
- Miriam Leitão Dinheiro sujo
- MERVAL PEREIRA Seleção natural
- AUGUSTO NUNES Tucanos pousam no grande pântano
- Villas-Bôas Corrêa- Lula não tem nada com o governo
- José Nêumanne'Rouba, mas lhe dá um bocadinho'
- Entre dois vexames Coluna de Arnaldo Jabor no Jorn...
- Zuenir Ventura Apenas um não
- Editorial de O Estado de S. Paulo As duas unanimid...
- Luiz Weiss O iogurte do senador e a "coisa da Hist...
- Nunca acusei Lula de nada, afirma FHC
- Editorial de O Estado de S Paulo Triste tradição
- Editorial de O Estado de S Paulo Lula sabe o que o...
- A mentira Denis Lerrer Rosenfield
- As duas faces da moeda Alcides Amaral
- LUÍS NASSIF O banqueiro e a CPI
- FERNANDO RODRIGUES Corrupção endêmica
- CLÓVIS ROSSI Os limites do pacto
- Editorial de A Folha de S Paulo O CONTEÚDO DAS CAIXAS
- Editorial de A Folha de S Paulo A CRISE E A ECONOMIA
- DORA KRAMER À imagem e semelhança
- Miriam Leitão :Mulher distraída
- Zuenir Ventura aindo da mala
- Merval Pereira Vários tipos de joio
-
▼
julho
(532)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA
Nenhum comentário:
Postar um comentário