Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 24, 2005

Pizzolato questiona acordo entre Previ e Citi entrevista à Folha de S Paulo


Antônio Gaudério/Folha Imagem
Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil e ex-presidente do Conselho Deliberativo da Previ


JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

A atual diretoria da Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil -o maior da América Latina-, ignora os participantes e tem fechado acordos para favorecer interesses políticos e governamentais, acusa Henrique Pizzolato, ex-diretor do BB e ex-presidente do Conselho Deliberativo da Previ.
"Meu nome está sendo fritado, metralhado, a mando dos que não querem que os acordos da Previ venham a público para ser esclarecido quem ganha e quem perde com eles." Petista histórico, Pizzolato pediu aposentadoria no dia 15, depois de a imprensa ter revelado que, por ordem sua, um contínuo que prestava serviços à Previ sacou R$ 327 mil de uma conta da DNA Propaganda no Banco Rural, em janeiro de 2004. Dias depois, o petista comprou um apartamento de R$ 400 mil. Parte do imóvel foi paga em dinheiro. Pizzolato diz que o saque não tem nenhuma relação com o negócio.
Abatido, sem a tradicional gravata borboleta, o ex-diretor do BB recebeu a Folha no escritório de seu advogado, em São Paulo. Na entrevista, Pizzolato sustentou que o ex-ministro Luiz Gushiken influenciava diretamente os fundos de pensão, era informado e dava opinião nos acordos da Previ antes deles serem conhecidos pelo Conselho do fundo de pensão do BB. Ele confirmou que nenhum contrato de publicidade acima de R$ 50 mil era fechado na área de publicidade sem obter sinal verde da Secretaria de Comunicação do Planalto, a Secom.
A versão de Pizzolato contraria o que sempre disse Gushiken. Apontado como o integrante do núcleo duro que decidia os rumos dos fundos de pensão, ele sempre negou qualquer tipo de ingerência nas instituições. A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

Folha - O sr. recebeu dinheiro da DNA para comprar o apartamento?
Henrique Pizzolato -
Não. Ele foi comprado com meu próprio dinheiro, é só verificar no meu Imposto de Renda. Eu tinha uma aplicação e baixei. Consegui acumular US$ 30 mil porque queria fazer uma viagem. O dólar vinha caindo, então vendi boa parte.

Folha - Por que pediu ao contínuo para sacar o dinheiro da DNA?
Pizzolato -
Eu não sabia o que era. Em janeiro de 2004 recebi um telefonema no meu celular de Belo Horizonte, da agência DNA. A pessoa se identificou dizendo que estava ligando em nome do presidente da agência, Francisco Castilho. Perguntou se eu poderia apanhar documentos da DNA em um escritório no centro. Liguei para a secretária e perguntei se alguém poderia ir buscar o pacote para mim. Ela colocou o Luiz Eduardo Ferreira da Silva, mais conhecido como Duda, na linha. Ele foi, trouxe o pacote e eu o guardei até o final do dia, quando um cara veio buscá-lo. Tocou a campainha, pegou o pacote e foi embora.

Folha - O sr. perguntou o que havia no pacote e quem era a pessoa?
Pizzolato -
Não. Era um funcionário da DNA falando em nome do presidente da agência. Tenho dificuldades de guardar nomes.

Folha - O sr. tentou checar a história com Francisco Castilho?
Pizzolato -
Antes não parecia importante. Agora? Do jeito que a DNA está? Ele sumiu.

Folha - E com a Previ?
Pizzolato -
Na quinta à noite conversei com o Sérgio Rosa [presidente da Previ] e disse: "Foi uma cilada ou um incidente". A única coisa que ele disse foi: "Se vire. Você que está envolvido nisso".

Folha - A cúpula da Previ é do PT. O que mudou na relação de vocês?
Pizzolato -
Tínhamos uma série de lutas em comum, mas é óbvio que isso não significa que haja lealdade. Eu já vivi isso na eleição para diretor na Previ, quando fui candidato contra o representante do Sindicato dos Bancários de São Paulo, o Toninho Nogueirol, que hoje é diretor da Telemar. Na época eu dividia o apartamento em Brasília com [Luiz] Gushiken [ex-ministro da Secom]. Ele me disse que apoiaria a outra chapa, numa boa. Perto das eleições foram enviadas cartas com informações falsas sobre mim aos associados da Previ. O Gushiken disse que não sabia de nada e eu acreditei. E ganhei as eleições, apesar de tudo.

Folha - O sr. queria ser indicado presidente do BB. Está atacando os ex-companheiros por mágoa?
Pizzolato -
Não. O problema é que a diretoria-executiva da Previ não gostava muito que o Conselho, do qual eu fazia parte, desempenhasse o seu papel. Um exemplo aconteceu com a Iberdrola na NeoEnergia, a antiga Guaraniana. O Conselho ficou sabendo depois e queriam que a gente aprovasse depois que tudo já estava assinado. Está tudo registrado em ata.

Folha - Por que o sr. não veio a público relatar o que acontecia?
Pizzolato -
Há uma série de restrições. Se [um conselheiro] procurar a imprensa estando no quadro da ativa pode ser punido. Eu agora sou aposentado. O fato é que muitas vezes eles mandavam as coisas para serem aprovadas a toque de caixa ou "ad referendum". A questão se agravou a partir do segundo semestre do ano passado, por conta de uma decisão da Anatel que determinava à Previ fazer uma opção, de escolher em qual ativo de telefonia ela ficaria. A diretoria tomou uma decisão sem comunicar ninguém. Um dos conselheiros pediu uma reunião extraordinária para saber o que tinha acontecido e eu convoquei. No dia da reunião, o presidente da Previ viajou a Brasília e me ligou de lá quando instalei a reunião. Disse que havia conversado com o ministro Gushiken, que estava indo ao encontro do ministro [Antonio] Palocci e que era para aguardamos, não tomar nenhuma decisão porque ele viria fazer um relato. O conselho decidiu marcar outra reunião para uns dias depois. Nessa reunião a gente resgatou um estudo que a Previ havia encomendado sobre a reestruturação do setor de telecomunicações. Pedimos em ata para a Previ levar esse parecer em consideração e aprofundar os estudos. Nesse mesmo dia, o Sérgio [Rosa] me chamou para uma sala privativa. Eu perguntei: "O que está havendo? Não estou entendendo nada". Ele disse: "Olha, tem interesse político nisso, tem gente querendo se meter aí, tem coisa de campanha no meio".

Folha - Que coisa de campanha?
Pizzolato -
Não quis entrar no mérito. Senti que tinham coisas que não eram só do âmbito da Previ porque, em vez de conversar com o Conselho ou com o presidente do banco, ele foi conversar com dois ministros. Eu disse para ele: "Nós temos de nos preservar". Ele disse: "A pressão está sendo muito grande. Se continuar eu não vou agüentar". Respondi: "Então a gente sai junto, mas vamos manter a nossa coerência".

Folha - Essa pressão era política?
Pizzolato -
Ele só disse que havia uma pressão política sobre a questão das telecomuncações.

Folha - Mas ele afirmou que era uma questão de campanha?
Pizzolato -
Ele falou que havia questões de campanha ligada a isso. O fato é que o Conselho nunca mais foi informado sobre o assunto [os motivos pelos quais a Previ escolheu ficar na Telemig e sair da Telemar]. Por que a Telemig sendo que os estudos da Previ indicavam que deveria ser a Telemar? Ele disse é porque nós precisamos vender a Telemig e precisamos estar lá dentro. Não disse para quem. Se era para vender e ao invés disso ele está assinando um acordo que, ou vende junto, ou compra... Se ele tem uma determinação que ou sai de uma ou sai de outra. Então, se ele comprar ele tem de sair da Telemar. A conclusão é que existem muito mais interesses nisso do que os que vieram a público. É isso que fez com que eles tivessem tanto medo do que eu disse e ao mesmo tempo tanta raiva e me tratassem da forma como trataram. Um belo dia, eu fico sabendo por um fato relevante na imprensa que a Previ tinha feito um acordo com o Citi, para a venda conjunta dos ativos. Brasil Telecom, Telemig, Tele Amazônia e Telemar. Imediatamente liguei para ele e perguntei se o presidente do banco sabia disso. Ele disse que não tinha tido tempo de informar. Pedi urgente uma cópia do acordo. O Sérgio [Rosa] disse que mandaria. Por ordem dele foi um funcionário a Brasília que, em vez de trazer a cópia do acordo, levou a nota técnica com a decisão da diretoria. O argumento usado por ele é que o acordo com o Citi estava pulverizado em vários escritórios de advocacia e que isso dificultava reunir a documentação. Aí eu avisei ao Rossano [presidente do BB]: "Isso aí, um dia, vai sobrar para nós". Até hoje não recebi cópia do acordo. Depois que o Conselho chamou uma reunião para discutir o assunto, o Sérgio fez uma exposição, não entregou nenhum documento e informou o conselho do acordo: em dois anos, se não vender de forma conjunta, os fundos têm de comprá-los. Ele disse que não gostaria de ter assinado, mas era a única forma que tinha de trazê-lo como parceiro. Foi questionado. Disse que tinha parecer jurídico de que estava na alçada dele e que não precisava consultar ninguém.

Folha - O que teria de errado nesse acordo dos fundos com o Citi?
Pizzolato -
Estranhamos o acordo porque os fundos são obrigados a comprar a parte do Citi, mas o Citi não é obrigado a comprar a dos fundos. E isso não foi precificado. Há informações de que esse acordo valeria US$ 200 milhões. O indexador usado é o IGP-DI [que leva em conta a variação cambial] mais 5%. Não é o índice que a Previ usa, o IPC. Temos um prazo a cumprir, a Anatel determinou. Com a proximidade do fim do prazo, as pessoas vão pagar o que eles querem.

Folha - Os fundos compraram o apoio do Citi?
Pizzolato -
Se comprou apoio... É uma coisa que tem de ser muito investigada. Não é uma coisa normal. Eles foram assessorados o tempo todo pela Angra Partners, que tem pessoas vindas do Citi. Isso nunca foi colocado de uma forma transparente. Conheci essa Angra porque eles vieram à Previ uma vez fazer uma exposição sobre ferrovias. A gente não sabe qual é o contrato entre a Previ e ela. A diretoria fazia questões de não trazer essas informações. Saiu uma boataria de que eles teriam contratado o escritório de Mônica Góes, que, me disseram, era amiga do presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal.

Folha - Havia ingerência de Gushiken nos fundos?
Pizzolato -
Se você classificar como ingerência o fato de que ele se reunia com os presidentes dos fundos, sim. No caso específico.

Folha - Por que a Previ não daria ao sr. pleno direito de defesa?
Pizzolato -
Vejo que havia um interesse de que eu saísse o mais rápido possível. Quando puderam me usar, me usaram. Depois, como legalmente eu tinha direito às informações, decidiram me tirar. Aí vieram os vazamentos de informações para a imprensa. Meu nome está sendo fritado, metralhado, a mando dos que não querem que venha a público e seja esclarecido para os associados da Previ e para o Banco do Brasil o que são esses acordos, quem ganha e quem perde com eles.

Folha - Quem foi beneficiado?
Pizzolato -
Não posso falar em nome do governo. Mas [o acordo de put] pode ter sido para beneficiar pessoas e grupos, porque essas coisas são muito dinâmicas. Há seis meses, imaginar que Opportunity e italianos poderiam fazer um acordo era um sacrilégio. E o Citi e os fundos entrarem em acordo era algo fantasioso. Mas os acordos surgiram -de uma forma monocrática, que não respeita as instâncias- e envolvem muito dinheiro, interesses muito grandes. O que não pode é uma pessoa se avocar o direito e assinar acordos que envolvem recursos dessa monta e que são recursos que não são dele. A mando de quem? Se o conselho não pode saber, os associados também não foram informados. Quem autorizou?

Folha - O ministro Luiz Gushiken interferia nos fundos de pensão?
Pizzolato -
Ele se reunia com os presidentes dos principais fundos de pensão e, pelo que relatavam, era para discutir assuntos relativos às entidades.

Folha - Ninguém questionou Rosa por conversar com ministros que não eram da área?
Pizzolato -
Houve certo desconforto, mas todo mundo estava ansioso para saber o que era. Disse que a Previ estaria cumprindo a decisão da Anatel.

Folha - Ninguém reclamava da postura à Secretaria de Previdência Complementar?
Pizzolato -
A SPC estava preocupada em criar a Previc e, no meu caso, a obrigação era me reportar ao BB. Foi o que fiz. Falei com Cássio Casseb e ele disse que não queria saber porque não era associado da Previ. Depois, falei com o Rossano [Maranhão, atual presidente do BB] e ele chamou reuniões com a Previ. Eu comecei a mandar para ele a cópia das decisões do fundo. Ele chamou a diretoria da Previ lá, mas o Sérgio Rosa não se reportava ao Rossano.

Folha - Como é a relação entre presidência e Conselho da Previ?
Pizzolato -
Na cabeça do Sérgio, a gente estava lá de favor. Ele fazia o que bem entendia e a gente tinha de referendar. Se não referendasse, eles [da diretoria] ameaçavam. Quando começamos a discutir a questão das telecomunicações, eles colocaram quatro ou cinco técnicos dentro da sala que fizeram ameaças: "Se a decisão da diretoria não for mantida, os associados vão começar a mandar telegramas e a ligar para vocês, vão cobrar". Por isso, a gente decidiu que a gente tinha de mudar as práticas. Veja, eles assinaram um acordo de mais de um bilhão com o Citi às escondidas e depois a gente ficava sabendo por um fato relevante do Citibank na imprensa. Quando a gente tentou saber alguma coisa eles se irritavam e negavam informações.

Folha - Gushiken tinha ingerência sobre a propaganda do BB?
Pizzolato -
Todos os contratos de publicidade e patrocínio só podiam ser fechados depois de passar por eles [da Secom]. O mesmo acontecia para colocar as campanhas no ar. Tinha de mandar para lá qualquer campanha, patrocínios acima de R$ 50 mil. Eles diziam "OK" ou "muda".

Folha - Isso era só com o BB?
Pizzolato -
Quarta-feira sim, quarta-feira não tinha reuniões lá [na Secom] para patrocínio. Pelo que eu saiba ia Petrobras, Correios, Caixa... Em tese, todas as empresas. Não sei se os ministérios tinham de ter carimbo de aprovado, como nós.

Folha - Como o sr. conheceu Marcos Valério?
Pizzolato -
Foi no segundo semestre de 2003. Meu contato era o Francisco Castilho, o presidente da agência. Marcos Valério está no banco [contratado] desde o governo Itamar Franco. Ele tinha melhor relacionamento lá com outras pessoas.

Folha - O ex-ministro Gushiken soube detalhes do contrato de put?
Pizzolato -
Ele não conversou nada disso comigo, mas eu acho que soube. O Sérgio [Rosa] dificilmente faria uma coisa dessas sem conversar com o Gushiken. Eu, como conselheiro, não soube. O presidente do BB não soube. Sei disso porque fui falar com ele. Informei que requeri cópia do acordo, mas só mandaram a um papel dizendo que a diretoria da Previ tinha tomado a decisão de aprovar. Uns dias depois o Rossano chamou uma reunião com toda a diretoria da Previ, do banco e os conselheiros. O Sérgio foi e disse que havia um problema: um conselheiro estava fazendo denúncias na imprensa e, por isso, ele acabou não falando nada sobre o put.

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