Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 24, 2005

Paul Krugman E se for só encenação?

O Estado de S Paulo

O anúncio, pelo Banco Central da China, de que o yuan não tem mais paridade com o dólar foi pouco claro e informativo - talvez inescrutável.

Há uma boa possibilidade de ter sido apenas uma encenação destinada a ganhar alguns meses, antes que o Congresso americano aplique medidas protecionistas contra as importações daquele país.

No entanto, poderá ser também o início de um processo que virará a economia mundial de cabeça para baixo - ou, mais adequadamente, a empurrará para o lado. Ou seja, a "moleza" que a China tem dado aos Estados Unidos, pela qual o país mais rico do mundo pega empréstimos baratos de um país que é dinâmico, mas ainda muito pobre, pode estar chegando ao fim.

Tudo diz respeito ao modo como o capital está fluindo.

Normalmente, o capital flui das economias maduras e desenvolvidas para as economias menos desenvolvidas, que querem avançar. Por exemplo, boa parte do crescimento dos EUA no século 19 foi financiada por investidores da Grã-Bretanha, que já estava industrializada.

Há uma década, antes da crise financeira mundial de 1997 e 1998, os movimentos de capital pareciam seguir os padrões históricos, já que o dinheiro fluía do Japão e das nações ocidentais para os "mercados emergentes" da Ásia e América Latina.

Mas hoje, as coisas se inverteram: o capital está fluindo de mercados emergentes, principalmente da China, para os Estados Unidos.

Este fluxo para cima não é resultado de decisões do setor privado; é resultado de uma política oficial. Para impedir que a moeda suba, o governo chinês tem comprado enormes quantidades de dólares, investindo-os em títulos do Tesouro dos Estados Unidos.

Uma forma de perceber como essa política é esquisita seria transportar essa situação para os Estados Unidos, adaptando-a ao tamanho da nossa economia. É como se no ano passado o governo americano tivesse investido US$ 1 trilhão do dinheiro dos contribuintes em títulos de baixo rendimento do governo do Japão, e que este ano fosse investir mais US$ 1,5 trilhão da mesma maneira.

Alguns economistas acham que deve haver uma justificativa, imperceptível, para esta política aparentemente perversa.

Eu acho que é algo em que o governo chinês se meteu quando procurava se proteger da crise de 1997 e 1998, e agora está relutante em mudar porque a economia está indo bem. Ou seja, os líderes chineses não querem brigar com o sucesso.

Mas as pressões contra a compra de dólares por parte da China estão crescendo. Ao manter o yuan baixo, a China está alimentando um superávit comercial que está criando um retrocesso político cada vez maior nos EUA e Europa.

E a China, que ainda é um país pobre, está dedicando muitos recursos ao acúmulo de uma pilha de dólares que, no fundo, não tem utilidade, em vez de elevar o padrão de vida do povo.

A dúvida é saber o que acontecerá aos Estados Unidos se os chineses finalmente decidirem parar de agir de forma tão estranha.

O fim da farra da compra de dólares levaria a uma alta acentuada do yuan. Provavelmente também levaria a uma queda acentuada do valor do dólar em relação a moedas fortes como o iene e o euro, que os chineses não têm comprado na mesma escala. Isso ajudaria os industriais americanos, ao elevar os custos de seus concorrentes.

Mas se os chineses pararem de comprar todos esses títulos americanos, as taxas de juros subirão. Isso seria ruim para o setor habitacional. E seria péssimo se o aumento do juro estourasse a "bolha" do setor imobiliário.

A longo prazo, os efeitos econômicos do término de compra de dólares por parte dos chineses acabariam se compensando. Os EUA teriam mais trabalhadores na indústria e menos corretores de imóveis, mais empregos em Michigan e menos na Flórida, deixando o nível geral de emprego praticamente como está hoje.

Mas como assinalou o economista John Maynard Keynes, a longo prazo todos estaremos mortos.

A curto prazo, alguns ganhariam mas outros perderiam. E suspeito que o número de perdedores seria muito maior que o de ganhadores.

E os efeitos estratégicos?

Neste momento, os Estados Unidos são uma superpotência vivendo de empréstimos, algo que, acredito, não acontecia desde que Felipe 2.º era o rei da Espanha.

Qual será a nossa "pose", se a China retirar o nosso cartão de crédito?

Essa história está apenas começando. No primeiro dia da nova política cambial, o yuan subiu só 2%, nada que fizesse alguma diferença.

Mas um dia desses a China vai parar de comprar dólares, e então viveremos um período interessante.


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