Logo depois de atender a repórter, ele não quis tocar no tema com imprensa brasileira
Reali Júnior Correspondente PARIS
O acesso ao Hotel Marigny, onde o presidente se hospedou, é dos mais controlados por seguranças franceses e, desta vez, também por brasileiros. No momento em que Lula dava a entrevista, os demais jornalistas estavam no pátio do Palácio do Eliseu, aguardando-o para o encontro com Chirac.
Melissa Monteiro, que furou centenas de jornalistas brasileiros - os quais, durante 30 meses tentaram uma exclusiva e receberam sempre um "não" presidencial -, é responsável por uma pequena empresa de produção, a Melting Pot, e trabalha, eventualmente, como operadora de câmera para a TV Globo. Ela faz serviços também para o canal francês France 2, mas a direção dessa emissora e do programa Oeil sur le Planéte (De Olho no Planeta) diz que não a contratou para nenhum trabalho ultimamente. Até ontem à noite, esse canal - cujo nome ela mencionou para conseguir a entrevista - não divulgou sequer uma imagem da conversa e já anunciou que não está interessado nela.
Melissa, ao falar da sua "feliz aventura", revelou ontem que há tempos tentava fazer um programa sobre o governo Lula para as emissoras francesas e chegou a viajar ao Brasil com tal objetivo. Nada conseguiu, mas reativou a idéia às vésperas da visita de Lula a Paris. A Embaixada do Brasil informa, porém, que o nome dela não constava na numerosa lista de pedidos de jornalistas franceses encaminhada ao presidente.
Essa lista inclui as duas principais emissoras de TV, France 2 e TF1, que queriam o presidente brasileiro no jornal das 8 - mas ele rejeitou. Também os jornais Le Monde e Le Figaro reivindicaram exclusivas, igualmente sem sucesso. Mais que isso: a própria Embaixada do Brasil chegou a pedir que Lula falasse ao canal France 2, que havia dado generosa cobertura ao Ano do Brasil na França. A resposta à Embaixada: não.
Tantas negativas, seguidas de um "sim" a uma free lance que não representa nenhum órgão de comunicação, só podiam complementar-se com um trabalho que, montado para ser vendido a uma TV francesa, nada perguntou sobre relações Brasil-França, nada sobre conversas de Lula com Chirac, nada sobre subsídios agrícolas ou apoio francês ao Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Por sinal, a palavra "França" não aparece uma única vez na conversa. Por fim, é um caso intrigante de entrevista para a TV francesa exibida primeiro em um outro canal, de outro país. SP Entrevista de Lula causa desconfiança Declarações do presidente coincidem em conteúdo com versões apresentadas ao "Jornal Nacional" por Valério e Delúbio OPERAÇÃO PARAGUAI Ariosto Teixeira BRASÍLIA A entrevista concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma jornalista brasileira, em Paris, pode ter sido parte de uma articulação entre o governo e a nova direção nacional do PT. As declarações do presidente, transmitidas domingo pelo "Fantástico", da TV Globo, coincidem em conteúdo com as entrevistas dadas ao Jornal Nacional pelo publicitário Marcos Valério de Souza, na sexta-feira, e no sábado pelo ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares.
Lula falou a Melissa Monteiro pouco antes de meio-dia de sexta-feira, nos jardins da Résidence Marigny, e atribuiu a crise no Brasil a erros do PT e ao sistema de financiamento das campanhas eleitorais, que seria permeável à corrupção.
A constatação de que a entrevistadora é uma cinegrafista e produtora de vídeo independente, e não uma repórter da TV francesa, deixou a impressão de que Lula pode ter participado de uma estratégia destinada a amenizar as implicações judiciais dos escândalos. De acordo com fontes diplomáticas ouvidas pelo Estado, não é usual que chefes de governo concedam entrevistas a jornalistas independentes. Melissa, no entanto, passou à frente dos centenas de jornalistas brasileiros, além dos europeus, que há 30 meses vêm tentando, sem sucesso, uma exclusiva com Lula.
A desconfiança aumentou ao se constatar que Lula gravou a entrevista quando eram 7 horas no Brasil - bem antes, portanto, da entrevista que Valério daria à noite, na TV Globo, e da Delúbio, que falou no sábado.
A cientista política Lúcia Hipólito percebeu a coincidência: "Na entrevista concedida em Paris, o presidente Lula indica que sabia do caixa dois do PT ao afirmar que isso era feito sistematicamente pelos partidos" disse ela à Agência Estado.
SEM MENSALÃO
Embora pouco veraz - a ponto de ter sido comparada à farsa da Operação Uruguai, inventada em 1992 para explicar os gastos pessoais do ex-presidente Fernando Collor -, a versão de que não existe nenhum mensalão, mas apenas o uso de empréstimos bancários para financiar campanhas eleitorais, parece ter um objetivo claro: se o que Valério e Delúbio fizeram foi transgredir regras do sistema político, eles não podem ser punidos se também os outros não o forem. Ou então, que todos sejam inocentados e que o sistema de financiamento das campanhas seja reformado.
A linha de defesa adotada coincide com a do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ): a culpa pela vida partidária nebulosa é inerente a um sistema corrompido na origem. "Somos todos iguais", disse ele na CPI dos Correios, mostrando a mala onde estariam as declarações de gastos de campanha de todos os membros da comissão.
Valério confessou, de fato, um crime eleitoral advindo de empréstimos feitos a pedido do ex-tesoureiro do PT. Delúbio confirmou as declarações e ressaltou que estava assumindo uma irregularidade perante a lei eleitoral.
Além disso, a fala de Lula no domingo coincide quase literalmente com parágrafos inteiros do artigo que José Genoino publicou no sábado, no Estado. Lula disse: "Houve um tempo em que os melhores quadros da política de esquerda no Brasil eram dirigentes do PT. (...) grande parte desses quadros vieram para o governo e a direção (partidária) ficou muito fragilizada (...) possivelmente por isso cometemos erros que outrora não cometeríamos".
Genoino escreveu: "O PT cresceu muito em sua estrutura política e administrativa. (...)Não adequamos o PT aos novos desafios que se apresentaram a partir da vitória de 2002. E, como muitos dos seus quadros dirigentes históricos assumiram tarefas no governo, o partido se enfraqueceu em sua capacidade dirigente".
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