Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 06, 2005

Miriam Leitão :Riscos e medidas

o globo

A Argentina está com um risco-país de 450 pontos. O Brasil está com 400. Isso prova que o crime compensa? Não, apenas mostra que a excessiva liquidez do mundo atual garante que qualquer país se financie. Portanto, o fato de os indicadores brasileiros não terem refletido a crise não deve tranqüilizar ninguém. Os fundamentos, de fato, melhoraram, mas não estamos blindados.
De qualquer maneira, que é esquisito é; uma Argentina assim tão próxima do Brasil. O risco-Brasil está 100 pontos acima da média dos países emergentes e a Argentina está pagando 150 pontos mais que essa média dos emergentes. Nada mais barato para um país que deu o maior calote da dívida recente e se vangloriou disso. O economista Fabio Akira, do JPMorgan, acha que o indicador precisa ser mais bem entendido:


— É por isso que eu não gosto de que chamem o Embi de risco-país. Nós não medimos risco, mas, sim, a negociação dos títulos. A medida da Argentina caiu dramaticamente no mês passado também por um motivo técnico. Rebalanceamos o Embi e retiramos todos os papéis da Argentina de antes da renegociação; os que estão sendo negociados são reemissões de títulos já com as novas regras pós-negociação com os credores — disse.

É uma boa explicação técnica, que explica a queda de 6.000 pontos para 450 pontos do risco-Argentina medido por esse indicador que é calculado pelo JPMorgan. Mas o fato é que, neste momento exato, há muito credor da Argentina amargando forte perda — ou total perda — dos seus ativos por acreditar em seu país. Como é possível que o mercado tenha voltado a acreditar?

— Que risco existe de a Argentina voltar a dar um calote no curto prazo de um papel que já foi emitido após um calote? Estes títulos foram a limpeza após a moratória — responde Fabio Akira.

Mas a explicação para a falta de memória do mercado talvez esteja no fenômeno apontado ontem pelo economista Ilan Goldfajn em artigo neste jornal. "A liquidez internacional, em particular, tem tido papel relevante em minimizar o impacto de crises políticas domésticas", escreveu Ilan. Deve ser por isso que o Equador teve um colapso institucional e o risco subiu para apenas 800 pontos. Na nossa transição política em 2002 nem havia uma crise, apenas incerteza, e o risco foi a 2.400.

Armando Castelar, do Ipea, pondera que há, de fato, uma outra explicação para o que acontece no Brasil: há evidente melhora em todos os nossos indicadores econômicos.

Fabio Akira concorda:

— Um país que tem, como o Brasil tem hoje, 2% do PIB de superávit de conta corrente, tem que sofrer menos os efeitos de uma crise política.

Mas, quando se tem que verificar o impacto da crise política na economia, há duas formas de olhar: uma é para os indicadores financeiros, a outra é para o ritmo da economia real. Ontem o mercado ficou mais nervoso, mas esta não tem sido a regra. Já sobre a economia real, o diretor de estudos macroeconômicos do Ipea, Paulo Levy, diz que ela não está freando:

— No primeiro trimestre, registrou desaceleração. Bens de capital, no ano passado, cresceu 20%; neste, 3,3%. Bens duráveis estava crescendo a 22% e cresceu, no primeiro trimestre de 2005, 6,6%. Mas este movimento é do passado. Há indicadores coincidentes como volume de aço vendido, energia, automóveis, papel ondulado, que divulgam dados do próprio mês e que mostram que vamos ter um segundo trimestre melhor do que se esperava. Amanhã será divulgada a produção industrial de maio e o dado pode ser positivo em 6,3% na comparação mês contra mesmo mês do ano anterior — afirmou Paulo Levy.

A crise política não afetou os preços dos ativos financeiros e pode não ter afetado ainda o ritmo da economia, mas incólume o país não passa por um terremoto desta intensidade:

— Um momento assim afeta os investimentos. Ele valoriza o movimento de esperar. Quem estava em dúvida sobre investir ou não prefere aguardar os acontecimentos — diz Armando Castelar, do Ipea.

A boa notícia é que ninguém está cancelando investimentos já decididos, pelo menos na visão do presidente da Associação Brasileira de Embalagem, Fabio Mestriner:

— Estamos, sim, preocupados porque é grave o que está acontecendo, mas isso não está afetando os investimentos já programados. Acabou de ser inaugurada uma fábrica grande em Goiás; este ano, continuamos contratando — disse ele.

O setor de embalagens, que é sempre um bom termômetro do que vai acontecer na economia, reviu sua expectativa de crescimento para entre 3% e 3,5%. A razão foi o baixo crescimento até abril, de 2,3%. De qualquer forma, contam com uma recuperação no seu sazonalmente melhor trimestre: o terceiro.

Outros setores como o de químicos, o de vidro, ou mesmo o de eletroeletrônicos não estão vendo na crise política, por ora, o maior dos seus problemas. Hoje os problemas estão muito mais ligados, segundo eles, ao câmbio baixo e aos juros nas alturas.

Nada tranqüiliza. O risco-Brasil não disparou, mas o do México está em 130 pontos; o da Colômbia em 320. Todos abaixo do do Brasil, que só ganha, por pouco, do da Argentina. A economia não está parando, mas poderia estar acelerando não fosse a crise que paralisa o governo.

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