Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 02, 2005

Miriam Leitão :Pensar o impossível

o globo

Foi outra semana horrorosa. Na sexta-feira, só os três maiores jornais traziam, somadas, 29 páginas de crise política. Uma semana em que tratores em frente ao Congresso foram um instantâneo assustador. Roberto Jefferson ameaçou todos na CPI com as pastas contendo declarações das contas de campanha. E o presidente pareceu ainda perdido em seu labirinto. "Tudo isso não pode ser pro bem?", perguntou-me um jovem negro de Vigário Geral, num debate no Centro do Rio.
Durante toda a semana, o presidente Lula consultou ministros, avisou a várias pessoas que estava para anunciar a qualquer momento a mudança ministerial. Conversou com os presidentes de estatais, disse que eles também estariam incluídos no critério, estipulado para os ministros, de que saíssem agora aqueles que vão disputar a eleição. O jogo de pressão embolou no começo da tarde de ontem. De manhã, a reforma era iminente. De tarde, as apostas se transferiram para segunda-feira. Muita gente pedindo para permanecer deixou o presidente de novo prisioneiro da dúvida.


Um jovem negro do Rio tem sete vezes mais risco de morrer de forma violenta que a média dos brasileiros. Mas o jovem que me fez a pergunta tem ainda esperança de que, ao final, o país aprenda e avance. Temos avançado em outras crises, como na do Collor. Mas o futuro, visto daqui, parece sombrio. O Estado fez muitos aperfeiçoamentos nos últimos anos: melhorou a forma de fazer o orçamento, privatizou, acabou com bancos estaduais, criou o Siafi, a Coaf, acabou com o cheque ao portador, avançou na implantação de ferramentas do governo eletrônico. Tudo foi insuficiente para proteger o cidadão.

Este é um momento desconcertante, em que o rumo dos acontecimentos é conduzido de fora do governo por um suspeito-acusador que faz tudo ao seu estilo retumbante. Roberto Jefferson é aquele personagem que não se contenta em sair do armário, ele cai do armário. Melhor, o armário cai em cima dele. E do país. Tudo que faz é escandaloso.

Neste momento de brumas do Brasil, o país tem que purgar a crise até o final, mas precisará encontrar uma resposta positiva para o jovem de Vigário Geral. Como avançar? Agora não parece possível, mas será preciso continuar o laborioso esforço de aperfeiçoamento das instituições e do controle das contas.

Não basta controlar os processos. O Brasil investiu muito tentando controlar a forma de fazer o orçamento, mas nunca estabeleceu metas. Sabe-se quanto vai para cada ministério, mas não se dão metas para os ministérios. Sem metas, não há avaliação. Sem avaliação, não se sabe com o que o dinheiro público está sendo gasto. Esta semana, a Câmara de Vereadores do Rio aprovou um interessante projeto da vereadora Andrea Gouvêa Vieira estabelecendo que o orçamento tem que trazer as metas que cada órgão terá que perseguir.

Um funcionário que ocupou altos postos e hoje está na iniciativa privada diz o que aprendeu no primeiro dia do novo emprego:

— Não existe gestão sem metas.

O setor público no Brasil trabalha sem metas. Por isso, mesmo que nenhum centavo seja desviado, que todo o orçamento seja cumprido, o dinheiro pode ser simplesmente malbaratado porque não reduziu o número de mortes prematuras, de analfabetos, ou de qualquer uma de nossas tragédias sociais. Ter metas a perseguir é o primeiro passo.

O governo deve ter empresas? A Rádio Globo fez essa pergunta numa enquete na quinta-feira. A tentação nestes momentos é encontrar a solução terminal e dizer não. A maioria dos ouvintes da Rádio respondeu que o governo não deve ter empresas porque isso permite corrupção. Mas como o governo não venderá o Banco do Brasil, a Caixa, os Correios, a Infraero, Itaipu e sequer Furnas é preciso pensar em regras que protejam o cidadão dos desvios nas estatais.

Boa governança é a expressão mágica que pode produzir um avanço nas empresas públicas. Primeiro, não pode haver indicação política para cargos em empresas, agências e bancos públicos para não ocorrer aquilo que Roberto Jefferson ensinou que é feito sempre: transformar o posto ocupado em balcão de arrecadação de dinheiro eleitoral. Segundo, implantar sistemas transparentes de prestação de contas. A reforma do presidente Lula não tem essa ambição: quer tirar quem vai se candidatar para não ter que fazer nova reforma em abril. Apenas.

Há vários pequenos avanços que podem ser feitos para que possamos tirar alguma coisa de boa das más notícias. Nos últimos anos, a cada tropeço, o Brasil sempre pensou na mudança possível. O erro pode estar aí. Poderíamos pensar no impossível: reduzir drasticamente o tamanho do Estado para diminuir o peso que esmaga os contribuintes e produz tanta informalidade, acabar com as vinculações que engessam o orçamento e dar liberdade ao governante para que ele possa executar seu programa de governo, fazer uma reforma política verdadeira e não o arremedo que está tramitando no Congresso, montar um sistema de financiamento de campanha com clareza e transparência, mudar radicalmente a previdência para reduzir o custo irracional dos aposentados públicos num país que é jovem demais para gastar tanto com aposentadoria. Fazer todo o impossível para informar ao cidadão para onde vai o dinheiro que ele entrega ao Estado.

Já que anda nos acontecendo o impensável, por que não pensar no impossível? Assim talvez se possa dar a resposta afirmativa ao jovem de Vigário Geral.


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