o globo
A seca começou na Amazônia e esta é a temporada em que os desmatadores põem fogo na floresta. São os meses de maio, junho e julho. Este ano, alguns levantamentos preliminares estão circulando entre os ambientalistas mostrando que a tragédia pode estar aumentando. No Congresso, tramita, levando estilhaços da guerra política, o projeto de lei que o Ministério do Meio Ambiente pensa que é a arma fundamental na luta pela preservação. Na quarta-feira, o presidente Lula retirou a urgência do PL e, na pauta desta semana, ele é o 13 da lista de prioridades, vem depois de coisas como aumentos para ministros do Supremo e criação de três universidades.
Tudo está ficando cada vez mais urgente este ano na visão de quem acompanha aflito a marcha dos destruidores da floresta:
— Dois levantamentos prévios são muito preocupantes. Um deles, feito por nós em algumas áreas mais perigosas de Mato Grosso, mostra o aumento do ritmo do desmatamento. Outro, feito pelo Imazon (uma ONG), mostra que, de agosto a março, já foram desmatados 11 mil quilômetros quadrados e isso sem contar o que acontece nestes meses mais dramáticos — diz o diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Tasso Azevedo.
O PL das florestas é o exemplo exato de como uma crise política adia o inadiável. Os requerimentos de urgências que podem ser votados esta semana na Câmara são 18 ao todo. O que regulariza a exploração controlada da floresta perde de outros 12, nos quais há coisas como aumento de salário para a PM e os bombeiros do Distrito Federal, extinção e criação de cargos no Tribunal Superior Eleitoral e projeto de Nilton Capixaba concedendo uma pensão especial.
O PL foi enviado ao Congresso quando o país foi tomado pelo sentimento de urgência para proteger a floresta, logo após a morte da missionária Dorothy Stang. Propõe concretamente o seguinte: que algumas áreas da floresta sejam exploradas em regime de concessão, com plano de manejo. Isso evitaria o desmatamento selvagem que acontece hoje, na visão do próprio governo. Foi para o Congresso depois de um ano de discussão e consulta a 1.200 instituições. Para azar da floresta, chegou em fevereiro, época em que as trapalhadas do governo produziram um enorme estrago: a eleição de Severino Cavalcanti.
Durante um mês, o governo ficou andando como barata tonta no Congresso parado, tentando entender onde tinha errado. O projeto, que tinha chegado com pedido de urgência, ficou 30 dias sem ser analisado. Depois começou a andar, heroicamente. Na quarta-feira, foi ameaçado de morte, com a retirada da urgência pelo presidente da República numa manobra para fortalecer seu exército na guerra dos mundos que mobiliza o Congresso. Para ameaçar a oposição com uma CPI que investigaria a suposta compra de votos da reeleição de Fernando Henrique e, assim, neutralizar a oposição que ameaçava com a CPMI do mensalão, o presidente retirou a urgência do projeto das florestas. Isso destrancaria a pauta e permitiria que o governo pudesse ameaçar a oposição.
O governo perdeu de novo na guerra das CPIs e a floresta passou a depender de Severino Cavalcanti. Presidente da Câmara faz diferença nessas horas. É ele que define a pauta e, portanto, foi ele que escolheu que a defesa das florestas deve estar no fim da lista de prioridades da última semana de votação antes do recesso. Enquanto isso, a floresta arde um pouco mais a cada dia.
— No ano passado, foram destruídos 2,6 milhões de hectares de floresta, cada hectare tem 100 metros cúbicos de madeira, pelo menos. Ou seja, foram queimados 250 milhões de metros cúbicos de madeira, o que é dez vezes mais que o consumo industrial de madeira no Brasil por ano. E veja que estou falando que eles botam fogo, queimam. Eles não estão usando a madeira. Aos preços de hoje, se a gente calcular que 30% do que foi queimado era madeira comercial significa pôr fogo em R$ 2,5 bilhões — calcula Tasso Azevedo.
Durante o mês de junho, houve pelo menos um momento de alegria.
Para chegar no plenário no tormentoso mês passado, o PL das Florestas teve que cumprir uma tramitação heróica. Na noite do dia 1 de junho, ele estava em debate na comissão especial. O impasse era completo. A oposição aproveitava mais uma trincheira para aporrinhar o governo, um deputado do PSDB fez uma proposta exótica que, se aprovada, seria legitimar até a grilagem já feita. Ainda não tinha vindo a grande tormenta Roberto Jefferson, mas o dia se aproximava. Apesar do péssimo clima entre governo e oposição, aquela, sabe-se agora, era a melhor chance de aprovação na Comissão. Já era noite quando a ministra Marina Silva decidiu telefonar para o ex-presidente Fernando Henrique, concluindo uma série de telefonemas que deu para políticos dos dois lados:
— A floresta é maior que nós todos — disse Marina ao ex-presidente, chamando a atenção especificamente para o caráter perigoso da proposta que um deputado tucano tentava aprovar.
O impasse se desfez e o projeto passou na Comissão por unanimidade. Todo esse trabalho pode se perder agora. O projeto ficaria somente para agosto e, pelo ritmo que as coisas andam no Congresso, pode ser aprovado mais para o fim do ano.
Entrevista:O Estado inteligente
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