Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 01, 2005

Miriam Leitão :Encontrar o foco

o globo

Com um gravíssimo problema de dano à imagem, o PT continua, em sua insensatez, pondo mais lenha na fogueira que lhe queima a reputação. Gastar munição tentando impedir a quebra de sigilo bancário do publicitário Marcos Valério, como fez na quarta-feira, é mais um desses desatinos. Era uma luta perdida, além disso, imprópria. Por que proteger o inventor do gado fantasma? O governo e seu partido precisam entender que a briga não é com o governo FH, mas, sim, para recuperar sua dilacerada imagem e isso não se faz obstruindo a investigação, mas colaborando com ela.

A briga não é com a oposição. A verdadeira guerra é pela recuperação da confiança que os petistas têm — ou tiveram — junto aos seus militantes, simpatizantes e eleitores. Até as cartas dos leitores dos principais jornais mostram a erosão rápida e perigosa dessa confiança. Saindo do individual para o dado agregado, basta olhar o que as últimas pesquisas de opinião mostraram: subiu em um ano de 32% para 70% o grupo de pessoas que acham que há corrupção no governo.

Em vez de tentar pegar a secretária Karina Somaggio em pequenas contradições — é fácil achá-las — é preciso ver o que ela disse que se confirmou. Disse que seu ex-chefe, Marcos Valério, levava dinheiro para Brasília, que sacava em espécie, da conta do Banco Rural. E estão lá, registradas no extrato bancário, grandes somas sacadas em dinheiro vivo em datas coincidentes às idas para Brasília. Isso é que é fundamental.

Os parlamentares governistas devem estar se achando muito espertos porque conseguiram aprovar a quebra do sigilo bancário em datas anteriores ao atual governo para provar o que dizem: que o publicitário teria tido uma receita maior no governo anterior. O que está em questão não é o faturamento de uma agência publicitária, mas, sim, o pagamento de mesada para que deputados da base votassem com o governo. Não adianta escarafunchar o passado para tentar desviar a atenção. O país quer saber se houve mensalão, se houve transferência de dinheiro para o PTB na eleição, se houve o uso das estatais para engordar o caixa do PT. Um partido que tem tantos dirigentes com passagem pela luta armada deveria ter visão estratégica e saber onde está o foco da luta. O foco só pode ser tirar todas as dúvidas do país, reconquistar a confiança dos eleitores, recuperar a imagem do partido e do governo. Do contrário, poderão ganhar algumas batalhas regimentais no Congresso e perderão a guerra da opinião pública. É a ela que os petistas devem explicações porque é ela que decide, a cada quatro anos, quem governa o Brasil.

O PT é importante para a democracia brasileira. Goste-se ou não de suas idéias, suas atitudes e seu estilo, ele é parte inseparável da construção democrática do Brasil. Seria natural que perdesse o que há de artificial na mística criada por seus dirigentes e marqueteiros, mas o que está acontecendo é a demolição do seu patrimônio intangível.

No governo, a conversa é um pouco diferente: o presidente deve explicações aos cidadãos. Não por cálculo eleitoral, mas por obrigação mesmo. O grupo que ocupa temporariamente as funções de governo deve prestar contas, sempre, à população, porque esse é o espírito de uma República democrática. E quem a preside encarna esses valores.

Manobras, obstruções, protelações feitas para postergar o conhecimento da verdade são, para o partido, um risco eleitoral e, para o governo, o descumprimento de uma norma institucional. Refregas em torno do regimento parlamentar são normais. Algumas questões podem ser objeto dessa queda-de-braço de bancadas. Outras, não.

A base governista tentou impedir a CPI e foi derrotada. Perdida a primeira briga, venceu a segunda: aprovou para dirigir a CPI uma chapa de sua confiança. Há dois cenários: ou a dupla Delcídio-Serraglio fica mais independente, ou os olhos da opinião pública vão se desviar para onde estiver havendo realmente apuração. Diariamente, a bancada governista faz pequenas manobras para protelar depoimentos e evitar o inevitável.

Em outro front, o presidente Lula fez uma oferta ao PMDB. Daria quatro ministérios se o partido o apoiasse mais. O PMDB não concordou em ampliar o seu apoio, mas, mesmo assim, o presidente Lula vai manter a oferta de mais ministérios. O governo parece um bólido desgovernado. Vai para todos os lados e não chega a lugar algum.

A crise é grave. Há mais em jogo do que parece. O governo deve ajudar a esclarecer todas as dúvidas até para proteger o essencial do seu projeto político e das instituições brasileiras. Além dos tristes episódios de caixinhas nas estatais, há a ainda não desmentida denúncia de que dirigentes do PT se reuniam no Palácio do Planalto para decidir sobre as nomeações para os cargos governamentais. Isso é profundamente irregular e revela a natureza promíscua de relações entre o partido e o governo. Com tudo isso em jogo e exigindo explicação, a base governista passou seis horas na quarta-feira lutando para manter em sigilo as contas bancárias de Marcos Valério. Definitivamente o governo perdeu a noção das coisas.

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