Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 01, 2005

Merval Pereira: O lado de cada um

As denúncias do deputado Roberto Jefferson continuam tendo alto teor de destruição, e mesmo verossimilhança, e por isso ontem, em conseqüência de novas acusações feitas em entrevista, e depois reafirmadas em depoimento na CPI dos Correios, mais diretores de uma estatal foram demitidos. Desta vez foi a estatal Furnas a acusada de distribuir dinheiro para o PT e para deputados do PSDB que se passaram para a base aliada do governo.

A desmoralização dos partidos políticos, que está evidente nas diversas instâncias em que os escândalos estão sendo investigados, foi a conseqüência imediata da estratégia traçada pelo ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, no início do governo, para inflar a base de apoio do governo no Congresso.

Nada menos que 21 deputados deixaram a bancada do PSDB, e outros 26 a do PFL, os principais partidos de oposição. E dois partidos da base do governo dobraram suas bancadas nesse processo de troca de partidos: PTB e PL elegeram cada um 26 deputados nas eleições de 2002 e hoje têm 47 e 53 deputados respectivamente. Outro partido da base envolvido nos escândalos, o PP elegeu 49 deputados, chegou ao dia da posse com 43 e hoje tem 55 deputados na sua bancada. Houve na Câmara um troca-troca de partidos nunca visto anteriormente, que agora está se refletindo nas acusações de corrupção.

O deputado Pedro Henry, ex-líder do PP, tratou ontem do assunto no Conselho de Ética da Câmara com um cinismo impressionante, classificando os partidos que perderam parlamentares para o PP de "fornecedores de deputados". Na lista que apresentou à Comissão, dos deputados que entraram no seu partido nos últimos dois anos e meio, há deputados eleitos pelo PSDB, pelo Prona e pelo PSB, o que mostra a salada ideológica que foi estimulada pelo Palácio do Planalto. A justificativa de que questões regionais muitas vezes obrigam políticos a mudarem de partidos não é suficiente para explicar tamanha volatilidade.

Pedro Henry chegou a dizer que até mesmo "o puro PT" tem problemas políticos internos, usando o termo "puro" com uma certa ironia, já que o PP e o PT estão envolvidos nas mesmas denúncias. A senadora Heloisa Helena, uma das dissidentes do PT expulsa do partido depois de muitas divergências, disse na quarta-feira à noite, em um debate acirrado no plenário do Senado, que tinha "vontade de vomitar" ao ouvir o líder do PT, senador Aloizio Mercadante, tentar explicar as manobras petistas para a criação de uma CPI apenas da Câmara, em parceria com políticos do naipe do mesmo Pedro Henry, de Sandro Mabel, de Pedro Correia, todos acusados de envolvimento no mensalão.

Há três dias em obstrução, a oposição tem conseguido imobilizar o governo, obrigando-o a tomar decisões patéticas na tentativa de desobstruir a pauta na Câmara, como a edição extra do Diário Oficial revogando a medida provisória que criava a Timemania, loteria apresentada como a redenção para os clubes de futebol brasileiro.

Quis o destino que a decisão tivesse sido tomada na mesma tarde em que a seleção brasileira goleou a Argentina, tornando-a ainda mais extemporânea. A explicação oficial é de que o presidente Lula não queria interferir no andamento dos trabalhos da Câmara, mas apenas atendeu a um pedido dos líderes do governo para destrancar a pauta.

A se acreditar nisso, o presidente Lula mandou rodar uma edição extra do Diário Oficial no meio da tarde sem saber que essa decisão ajudaria a aprovação de uma CPI da Câmara que pretende investigar a compra de votos de maneira geral, e não apenas o mensalão, manobra que está sendo acusada pela oposição de ter o objetivo de postergar as investigações e controlá-las, pois a base aliada do governo, acusada de receber o mensalão, terá maioria na CPI.

O presidente Lula daria, assim, demonstração de que, se já não sabia o que estava acontecendo ao seu redor no Palácio do Planalto, também não sabe o que a Câmara está debatendo, nem mesmo quando o assunto interessa diretamente ao seu governo. Em lugar de um presidente que colabora para postergar as apurações, teríamos um presidente que simplesmente não sabe o que se passa nem no governo nem no Congresso.

No livro do jornalista Carlos Laranjeiras "Frases de Lula e Cia", lançado recentemente, há uma coletânea de frases ditas por políticos, em vários momentos do país, que mostra com clareza como a política se faz entre nós. Uma das frases de Lula já eleito presidente, em 26 de fevereiro de 2002, em entrevista ao "Pasquim 21", mostra o que ele achava possível: "Eu acredito que com o PT eleito, muita coisa muda. Um partido como o PT tem compromissos com raízes históricas. O PT sabe que se não colocar as coisas em prática, não valeu a pena tudo o que fizemos".

Mais adiante, ao se referir ao presidente do PMDB paulista Orestes Quércia, com que se encontrará nos próximos dias para negociar o apoio de seu grupo ao governo, num momento em que partidos aliados estão sendo acusados de receber dinheiro vindo da caixa 2 de estatais, aparece Lula dizendo: "Quércia não tem moral para me criticar porque vive de Caixa 2."

A senadora Heloisa Helena também está presente nessa coletânea de frases. Uma hora, diz que sua expulsão do PT foi a única por "fidelidade partidária". E, insistindo na opinião de que o presidente Lula sabe tudo o que acontecia, a senadora afirma: "A palavra é traição, porque não compartilho com a concepção preconceituosa, nojenta, de parte da elite nacional, de que ele é incompetente, despreparado. Não tem nada a ver. Lula é uma figura altamente qualificada, preparada, competente, só que mudou de lado".

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